Na qualidade de aprendente ad aeternum e pretenso educador, ouso iniciar um processo dialógico e dialético de compartilhamento de experiências sobre o que fazer quando um contexto familiar hostil projeta-se para o ambiente escolar, vitimando duplamente o educando (em seu lar e em seu local de aprendizagem).
A questão norteadora é: Como incluir socialmente educandos vítimas de conflitos familiares? E, a partir deste questionamento, outros derivam, tais como: O que é inclusão social na Educação? De quem é a responsabilidade pela inclusão social na Educação? Como detectar a necessidade de inclusão social na Educação? Como realizar a inclusão social na Educação?
Teceremos breves considerações de natureza jurídico-legal estabelecendo uma analogia entre alguns ditames da Lei nº 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência/Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência), da Lei nº 12.796, de 4 de abril de 2013, que alterou a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 e a almejada inclusão de aprendentes que estão em ambiente familiar adverso e que apresentam reflexos negativos em sua aprendizagem escolar.
Na perspectiva juspedagógica intrínseca ao Direito Educacional, pais em conflito, em regra, produzem consequências nocivas no ambiente escolar.
Convém ressaltar que, diversos são os espeques legais que podem ser utilizados para auxiliar os profissionais do Direito na compreensão, conexão e na tomada de medidas resolutivas envolvendo o comportamento dos responsáveis legais dos discentes e seus efeitos na rotina dos que ainda não atingiram a maioridade legal.
Alguns fundamentos legais podem ser inter-relacionados com princípios do Direito das Famílias sob a ótica jurídico-educacional, dentre eles: CF/88, Art. 5º, I (Tratamento Isonômico); CF/88, Art. 226, §5º (Direitos e Deveres na Sociedade Conjugal); Código Civil de 2002; Lei nº 11.698/08 (Inseriu no Código Civil a Guarda Compartilhada); Lei nº 13.058/14 (Estabeleceu Guarda Compartilhada como regra) c/c Art. 227 da CF/88; ECA, Art. 33, caput; Código de Defesa do Consumidor e Princípios do Poder-dever familiar; da Maternidade/Paternidade Responsável; da Proteção Integral do Infante; da Supremacia do Melhor Interesse da Criança; Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/15); Lei da Mediação (Lei nº 13.140/15).
Antes de respondermos às indagações propostas faz-se imprescindível externar os atores envolvidos na temática, quais sejam: a) Escola (Direção/Coordenação Pedagógica, com regras e procedimentos; Professores, com coletas de informações, leitura sociopedagógica, aplicação de procedimentos e feedback; demais colaboradores); b) Educandos (beneficiários diretos); c) Pais/Responsáveis legais em enfrentamento entre si (clientes/consumidores) e d) Sociedade em geral (Estado, Sociedade Civil Organizada, Clientes em Potencial, Concorrentes/Mercado, Parceiros Empresariais).
Evidencia-se, pois, a existência de intensas relações juspedagógicas: a) Diretas – entre Escolas, Educandos (bens jurídicos) e Famílias; b) Indiretas – entre Estado (Poderes-função), Sociedade Civil Organizada (Associações, Sindicatos, Cooperativas), novos Contratantes em Potencial, Benchmarking (Concorrentes), Parceiros Empresariais.
Inclusão social na Educação é possibilitar igualdade de condições básicas de oportunidades a todo(a)s que se encontram em situação de vulnerabilidade em um processo de aprendizagem. Ofertar a quem precisa o que ele(a) precisa (equidade).
A partir dessa premissa de circunstância de fragilidade de estudantes, entende-se que a inclusão diz respeito não apenas à educação especial, mas também aquele(a)s que estão sendo vitimado(a)s por reiterados conflitos familiares e que não são legalmente tidos como “pessoas com deficiência”.
O sistema educacional híbrido da educação inclusiva deve aliar educação regular com a educação especial. Incluindo socialmente nesta, tanto crianças com algum tipo de deficiência, quanto as que estejam com seus estudos comprometidos por estarem em contenda entre seus familiares.
A estabilidade nas relações pedagógicas acontecerá quando no ambiente escolar houver uma interação efetiva, afetiva, inclusiva, entre os que se encontram em conjuntura habitual, corriqueira e os que estejam em desarmonia intelectual. Quer seja por alguma deficiência permanente ou decorrente de problemas familiares transitórios.
Para que haja inclusão social na Educação dos estudantes em situação de risco familiar, estes, mesmo que em caráter passageiro, devem ter a seu dispor as normas brasileiras de inclusão de alunos com deficiência (no sentido legal) para receberem educação inclusiva em escolas inclusivas (escola das diferenças/da diversidade).
A priori, inclusão social na Educação é função social inerente e precípua do Estado, sendo seu objetivo, natureza e fundamento de sua criação. Embora as instituições de ensino e as famílias devam estar ombreadas em proveito do sujeito da Psicopedagogia.
Nossa Carta Federativa, em seu Art. 227, caput, estabelece que: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, […]”
Com isso, é corolário que os responsáveis por assegurar e promover o direito público subjetivo à educação também detém a responsabilidade pela inclusão social na Educação.
Desse modo, os estabelecimentos de ensino não prescindem de diálogos e ações permanentes necessárias a integração, a parceria, entre família, escola, sociedade e Estado.
A Lei 13.146/15 define:
Art. 8º É dever do Estado, da sociedade e da família assegurar à pessoa com deficiência, com prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à sexualidade, à paternidade e à maternidade, à alimentação, à habitação, à educação, […]
Art. 27. A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis […]
Parágrafo único. É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação.
Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar:
I – sistema educacional inclusivo em todos os níveis e modalidades, bem como o aprendizado ao longo de toda a vida;
A Lei Brasileira de Inclusão, em seu Art. 2º, não caracterizou educandos vítimas de conflitos familiares como pessoas com deficiência. No entanto, analogamente, não há óbice legal para que esse sistema de inclusão, essa educação especial, possa ser adaptada para aqueles que têm algum impedimento cognitivo decorrente de relações antagônicas familiares.
A Lei nº 12.796/13, em seu Art. 4 º, inciso III determina:
III – atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, transversal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencialmente na rede regular de ensino.
Ainda em sede de analogia, percebe-se que o atendimento educacional especializado presente no inciso III supracitado ratifica a obrigação do Estado em prover um tratamento diferenciado (inclusivo) a aprendentes com dificuldades de aprendizagem; não havendo empecilho para que estudantes em situação de alguma forma de violência doméstica não possam estar nesse rol. Tal inciso tem base na Declaração de Salamanca (1994) e Convenção de Direitos da Criança (1998), que colocaram a educação especial dentro da estrutura de “educação para todos” firmada em 1990.
Segundo Menezes (2001), a Declaração de Salamanca ampliou o conceito de necessidades educacionais especiais. Passou a incluir, além das crianças portadoras de deficiências, aquelas que não estejam conseguindo se beneficiar com a escola, independente da dificuldade apresentada.
A inclusão social na Educação faz-se imprescindível sempre que algum sujeito aprendente apresente comportamento desviante no meio escolar ou dificuldades em sua escolarização. E todos os educandos em situação familiar não convencional devem ter um olhar diferenciado para que as medidas sejam sempre as mais adequadas.
Inúmeros são os possíveis desentendimentos dentro de núcleos familiares capazes de obstaculizar a educação da prole, dentre eles: divórcio (judicializado ou latente), alienação parental, abandono afetivo, abandono intelectual, violências (física, psicológica, patrimonial, sexual), dificuldades financeiras, ausência de escuta sensível, etc.
Algumas sugestões de procedimentos administrativos podem ser elencados nessa prática de equidade: a) No ato da matrícula o(a) responsável deve declarar expressamente sua atual situação de exercício de poder familiar; b) Caso a situação esteja formalmente estabelecida em caráter “definitivo” (judicialmente), o(a) responsável deve apresentar a documentação comprobatória; c) Caso a situação não esteja formalmente estabelecida ou ainda não esteja decidida judicialmente, apresentar documentação referente à etapa atual ou informações comprováveis das medidas em andamento, responsabilizando-se por omissões; d) A Direção/Coordenação Pedagógica deve explicitar e orientar os professores caso a caso, para que o tratamento ao educando e ao seu/à sua responsável seja o mais apropriado; e) Todas as práticas dos professores concernentes a educandos e responsáveis em situação de conflito familiar devem ser discutidas com Coordenação Pedagógica/Direção antes de serem efetivadas, sob pena de responsabilização; f) Todos os educandos em situação familiar não convencional devem receber um olhar diferenciado para que as medidas sejam sempre as mais adequadas, implantando-se o Plano Educacional Individualizado (PEI), que é construído por equipe multidisciplinar/multiprofissional com apoio da família.
Direito Educacional não é mero exercício de abstração. Direito sem efetividade é antidireito em potencial. Estratégias de inclusão social na Educação (Políticas educacionais) devem ser criadas e executadas pelo Estado para garantir e colocar em prática esse direito constitucional que é público e subjetivo de todos. Sem, no entanto, desconsiderarmos o papel da Escola na realização desse direito, com engajamento, presença, atuação e participação da Família (Relação família-escola).
A tese defendida é no sentido de que os educandos vítimas de conflitos familiares possam contar com o mesmo sistema legal de inclusão dos alunos tidos legalmente como deficientes. Em uma abordagem não apenas analógica, mas também de adaptação de regras às situações concretas observando-se critérios de justiça (equidade).
Essa perspectiva crítico-reflexiva/compreensiva na educação inclusiva é uma tentativa de conscientização, sensibilização para efeitos negativos de enfrentamentos, antagonismos, perturbações no exercício das funções da família na Educação. Entendendo-se que, apesar da escola não ter como resolver diretamente problemas intrafamiliares, pode e deve realizar ações inclusivas sendo didático-pedagógicas, administrativas, de intervenção psicopedagógica, de mediação de conflitos ou até mesmo acionar os poderes constituídos: Conselho Tutelar, Ministério Público, Secretaria de Educação, Conselho de Educação, etc.
Uma resposta
Dr. Cláudio Santos, parabéns por mais um excelente artigo. Um texto rico de conhecimento como este potencializa o movimento mundial pela inclusão.
Meus parabéns! Ilustríssimo Educador /Advogado.