quinta-feira, 20 de março de 2025

Inclusão com educação para não excluir a Educação

Publicado em 30 de maio de 2023, às 8:51
Imagem: Freepik

Por: Cláudio Santos – Advogado, educador e comunicador.

Recentemente, em Imperatriz/MA, diversas escolas privadas foram alvo de “fiscalização” do Instituto Municipal de Proteção e Defesa do Consumidor (criado pela Lei ordinária n⁰ 1.354/10). E receberam “notificações” para apresentar informações sobre a quantidade de alunos matriculados, quantos estão diagnosticados com TEA – Transtorno do Espectro Autista, se tem Acompanhante Especializado e estrutura de acordo com a NBR 9050 da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas. Essa ação foi realizada de modo adequado?

O ambiente educacional, embora esteja inserido em relação consumerista iniciada contratualmente, é construído a partir da integração dos atores educacionais, portanto qualquer medida tendente a desarmonizar esse contexto deve ser evitada. As relações juspedagógicas são uma construção coletiva realizada no dia a dia das escolas e com a participação indispensável da família. Instituição de ensino particular não é algoz ou transgressora contumaz, é um instrumento necessário para a realização do direito público subjetivo à Educação que, em regra, não é efetivado pelo Poder Público.

A legislação educacional sobre a Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA) ainda não está no plano da aplicação imediata, eficaz e eficiente no Maranhão, por ausência de regulamentação de procedimentos à luz da realidade das escolas públicas e privadas, inúmeras divergências sobre a interpretação da legislação federal e ausência de profissionais qualificados.

No Maranhão temos a Resolução de n⁰ 291/2002, emanada do Conselho Estadual de Educação e até o momento nenhuma no âmbito do Município de Imperatriz. O que comprova que ainda estamos diante de situações nebulosas e que devem ensejar uma rede de ações interinstitucionais para que a inclusão aconteça realisticamente. Além disso, a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Lei n⁰ 12.764/12) foi estabelecida 10 (dez) anos depois da referida Resolução do CEE/MA, que ainda está em vigor e que teve sobre ela Parecer 305/2022- CEE/MA (estabelecendo que podem ser incluídos até 3 (três) estudantes com deficiência, independente do tipo de deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação). Parecer este que veio somente 7 (sete) anos após a vigência do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n⁰ 13.146/2015).

No âmbito do Município temos o PME – Plano Municipal de Educação 2014-2023 que traz inúmeras metas e estratégias para a inclusão da pessoa com deficiência, tais como: “Universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos, o atendimento escolar aos/às estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, preferencialmente na rede regular de ensino, garantindo o atendimento educacional especializado em salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou comunitários, nas formas complementar e suplementar, em escolas ou serviços especializados, públicos ou  conveniados.” Infelizmente o prazo do PME chegou ao fim sem que este fosse concretizado em relação aos aprendentes com alguma deficiência.

Com o devido respeito e acatamento às visitas não agendadas do PROCON Municipal, tais medidas não se apresentaram como as mais acertadas para a promoção da inclusão de discentes com deficiência. Antes de “fiscalizar” é preciso compreender a temática, o seu contexto e promover discussões e conscientizações para que uma rede de proteção seja estabelecida fora dos holofotes da mídia e sem espetacularizações do sofrimento alheio.

O mais valioso bem jurídico a ser protegido no cenário escolar é o aprendente, com ou sem alguma deficiência. E ao fragilizar as escolas, o poder público está afetando negativamente milhares de estudantes, que dependem não apenas de inclusão verdadeira, mas também de paz e harmonia no convívio escolar.

Talvez o distinto PROCON Municipal não saiba, mas em 03/05/2023, no auditório do Palácio do Comércio, houve um evento de integração entre gestores escolares (de escolas públicas e privadas), professores e pais para o compartilhamento de experiências na prevenção de violências no ambiente educacional. E o propósito foi o de plantar a semente para que temas pertinentes às escolas sejam discutidos e esclarecidos porque acreditamos no poder transformador da Educação. É assim que os problemas escolares devem ser tratados. Com a construção coletiva de conhecimentos e práticas juspedagógicas resolutivas.

É correto, logo após todas as escolas terem atualizado rapidamente e onerosamente seus sistemas de segurança por causa das possibilidades de violências, estas serem “invadidas”, em horário de aulas, por várias pessoas alheias à dinâmica escolar causando desequilíbrio no ambiente educacional e sem sequer a escola ter sido denunciada formalmente?

Isso pode ser aplicável a escola(s) que foi/foram denunciada(s). E em relação às outras? Por que não pediram as informações por escrito? Por que fizeram registros não autorizados das escolas em total desrespeito à LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados – Lei nº 13.709/2018)? Escola privada é instituição particular, a entrada só é permitida se houver agendamento ou alguma situação urgente que justifique a entrada em horário de aula (Até os pais/contratantes devem agendar). Por que não agendaram para visitar depois do expediente? Quem eram os componentes dessa comissão de fiscalização? Havia a presença de especialistas no asssunto? Essa ação teve o aval ou acompanhamento da Promotoria Pública do Consumidor a qual o PROCON Municipal está diretamente vinculado? Houve a participação ou sequer o conhecimento da Promotoria Especializada na Pessoa com Deficiência ou da Promotoria da Infância e Juventude – Defesa da Criança e do Adolescente e Defesa da Educação?

Todas essas questões levantadas servem para gerar um constrangimento essencial para que antes de alguma ação haja reflexão. Combater as infrações contra as relações de consumo é objetivo do órgão administrativo em foco, mas incluir estudantes com deficiência exige trabalho interinstitucional especializado e as crianças/adolescentes não são objeto de contrato de consumo, são os bens jurídicos a serem protegidos.

A Resolução n⁰ 291/2002 – CEE/MA ainda está em vigor e deixa claro que:
Art. 6º – Os órgãos e instituições do Sistema Estadual de Ensino, com a colaboração de outras entidades devem garantir, além do acesso à matrícula, as condições para o sucesso escolar de todos os alunos.

Parágrafo único – para cumprimento dessas finalidades o Sistema Estadual de Ensino deve se reestruturar no sentido de viabilizar a inclusão dos alunos com necessidades educacionais especiais e a integração entre:

a) os setores da administração pública governamentais responsáveis pela saúde, trabalho, assistência social e outras agências municipais, estaduais e federais incubidas da promoção do bem-estar social;

b) as instituições educacionais de todos os níveis de ensino;

c) as empresas e as instituições privadas e comunitárias que possam contribuir par o diagnóstico, atendimento, habilitação, reabilitação e colocação profissional dos alunos;

d) a família e a escola. (Grifo nosso)

Em nenhuma redação legal a escola está como única ou primeira responsável pela inclusão de educandos. Esta faz parte de um sistema que precisa estar operacional e harmônico para a obtenção de resultados positivos. Todavia, não vemos qualquer “fiscalização” sobre os itens a (setores da administração pública governamentais), b (instituições educacionais de todos os níveis de ensino) e d (a família).

Juridicamente falando, em regra, as escolas devem efetivar matrícula do estudante com transtorno do espectro autista no ensino regular e garantir o atendimento às necessidades educacionais específicas arcando com os custos daí decorrentes. Ou seja, as escolas não podem se negar a fornecer o profissional, nem cobrar nada a mais por este serviço. Tal previsão legal encontra-se na Lei n⁰ 13.146/2015, em seu art. 28, § 1º; no parágrafo único, do art. 3º, da Lei n⁰ 12.764/2012 e na Nota Técnica 24/2013 do MEC.

Porém, cada caso de suposta negativa de (re)matrícula deve ser analisado levando-se em conta também a situação da escola. Para o acolhimento e integração de alunos com deficiência(s) não basta fazer a matrícula e contratar um Acompanhante Especializado. A construção do PEI – Plano Educacional Individualizado é feita com o auxílio de vários profissionais das áreas da Saúde, da Pedagogia, do Direito e com a participação efetiva, prioritária e frequente da família. No entanto, diversos obstáculos fazem parte dessa iniciativa de inclusão: a) O estudante está laudado? b) A família tem cumprido as orientações expressas no laudo? c) O laudo está atualizado? d) A escola está com menos de 3 (três) discentes com deficiência/transtornos globais do desenvolvimento/superdotação na turma? e) A escola ou a família conta com AEE – Atendimento Educacional Especializado e/ou com Acompanhante Especializado? f) Família e escola contam com apoio do poder público para orientações e auxílio na inclusão?

Para que não pensem que estou a defender cegamente as escolas privadas evidencie-se que: a) O custo desse atendimento especializado (estimativa) integrará a planilha anual de custos da instituição de ensino (mesmo diante de um número crescente de estudantes com deficiência); b) As adequações à NBR 9050 da ABNT devem fazer parte de um cronograma de ações da escola com ou sem a presença de alunos com deficiência; c) As escolas devem contar com assessorias especializadas para que a inclusão ocorra em diferente níveis, com segurança e aproveitamento pedagógico; d) Havendo descumprimento reiterado do poder familiar (omissão de pais/responsáveis em apresentar o laudo ou cumprí-lo) o Conselho Tutelar deverá ser oficiado; e) Periodicamente os PEI devem ser reavaliados e constantemente (re)adequados às necessidades do aprendente; f) As escolas devem estimular em seu quadro de profissionais a presença e a qualificação regular de professores assistentes para que estes aumentem em número e em especializações.

À guisa de “finalização”, vejamos as exigências estabelecidas pelo PROCON Municipal em suas “notificações”  educativas: a) Apresentar a quantidade de matriculados (informação sensível e que não foi explicitada a razão para a obtenção dessa informação (o uso), nem onde essa informação será guardada, por quanto tempo, por quem, quem terá acesso a ela e como será descartada); b) Número de diagnosticados com TEA (existem os laudados e vários outros que apresentam algum comportamento desviante e que as famílias se recusam a laudar mas que estão a exigir esforços fenomenais das escolas – além disso existem poucos aptos a confeccionar o laudo em Imperatriz); c) Se há Acompanhante Especializado (cada escola está tentando se adaptar formando equipes multiprofissionais, porque o quantitativo de profissionais de Educação Especial é notoriamente reduzido na região tocantina); d) adequação à NBR 9050 da ABNT (a maioria das escolas “sobreviventes” ainda não se recuperou das perdas financeiras ocorridas durante a pandemia em que houve redução drástica no valor das mensalidades, inadimplência elevada, inúmeros cancelamentos de matrícula na Educação Infantil e altos investimentos não programados para a realização de aulas remotas).

Desse modo, para que não tenhamos ações desumanizadoras sob o pretexto de “fiscalizar” para incluir, recomenda-se que a inclusão se dê com educação (compreensão, respeito, conhecimentos técnicos e auxílios profissionais às escolas) sem a exclusão da Educação. E um ótimo começo pode ser a formação de grupo técnico de trabalho (equipe multidisciplinar) para pautar essas demandas e buscar soluções realizáveis em prol do educando com ou sem deficiência. Eu aceito o desafio. E você?

Uma resposta

  1. Extraordinario esse conteúdo. Tenho a honra de prestigiar os conhecimentos que são expressos em seus textos, caro Educador, Advogado: Dr. Cláudio Santos. Dedico -lhe todos os meus aplausos, sem reservas.
    Falar da responsabilidade social no tocante à inclusão é compromisso para todo ser humano.

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