Por: Hyana Reis – Jornalista e escritora.

“Atenção para este aviso”, é assim que começa qualquer anúncio no bairro Bom Sucesso, e Boca da Mata. As palavras saem de um alto falante, instalado no alto de um poste, há mais de 30 anos. O sistema de comunicação, mais antigo que eu,  chamado de “a voz”, foi o protagonista do meu documentário, recentemente selecionado em uma das principais categorias do Festival Guarnicê de Cinema.

Você pode assistir ao filme aqui:

O desejo de mostrar a “voz” é antigo, e existe desde que eu percorria os corredores da UFMA, no curso de jornalismo, onde eu entendi a grandeza desse pequeno alto falante. Cheguei a ensaiar escrever um livro-reportagem, mas eu sabia que a voz não podia ser traduzida apenas em palavras, ela precisava ser ouvida e vista.

E a primeira história que eu queria contar, aconteceu justamente com a minha família. Muito antes de eu nascer, meu irmão mais velho, quando tinha apenas quatro anos de idade, se perdeu nas ruas do bairro Bom Sucesso, e foi graças a um aviso colocado na voz que ele foi encontrado e devolvido para a nossa família. Minha mãe sempre me contou essa história, se perguntando o que poderia ter acontecido se fosse em um bairro diferente, um outro local, sem o sistema de aviso.

Eu, que cresci literalmente na mesma rua em que a voz está instalada e funcionando até hoje, sempre ouvi os mais diferentes avisos: crianças perdidas, tutores em busca de seus pets, solteiros procurando uma namorada, anúncio de promoções, produtos, e dos milhares de comerciantes que ocupam a feira do Bom Sucesso.

Eu sempre soube que ali existiam infinitas histórias e um forte exemplo de resistência: mesmo com todas as tecnologias, e redes sociais, a voz segue sendo fonte de avisos e comunicação entre a comunidade até hoje. “Eu não sei o whatsapp de todo o bairro, não tenho todo mundo no Facebook, nem no instagram, mas se eu colocar um aviso na voz, todo mundo vai ouvir”, me disse o fundador e proprietário do sistema de som, um dia.

E foi graças a um financiamento da Lei Aldir Blanc que eu pude tirar a voz de um bairro periférico de Imperatriz e trazer para as telas. E hoje essas histórias vão ganhar mais uma audiência, concorrendo ao prêmio de melhor curta-metragem maranhense do Festival Guarnicê, um dos mais tradicionais festivais de cinema do Brasil.

Quem diria que há mais de trinta anos atrás, quando meu irmão se perderia nas ruas do nosso bairro, isso resultaria em um filme contando essa história em uma sala de cinema da capital do estado?

Eu não sei quais frequências essa voz ainda vai alcançar, mas sinto enorme orgulho de trazer a essa comunidade um pouco do reconhecimento que merece.