terça-feira, 10 de dezembro de 2024

PACIÊNCIA TAMBÉM TEM LIMITE – Da vida de Josimo, só sua morte foi nossa.

Publicado em 1 de maio de 2023, às 9:09
No alto, a escada onde o padre Josimo recebeu os tiros que o levou à morte. Alguns livros sobre a morte de Josimo. (Imagens cedidas pelo autor)

(Por Edmilson Sanches – Administrador, historiador, comunicador, escritor, palestrante, consultor, autor da Enciclopédia de Imperatriz)

Quarta-feira, 10 de maio de 2023. A morte do padre Josimo Tavares Morais completa 37 anos.

Josimo não era de Imperatriz. Sua paróquia e sua igreja também não. Territorialmente, sua luta e sua causa não incluía nosso município. Seu assassino não era daqui. Os mandantes, também não.

Da vida de Josimo, só sua morte foi nossa.

E foi isso que ficou e (re)marcou a cidade de Imperatriz, fundada por um religioso e manchada por criminoso. Cidade que se iniciou sagrada e que continua sangrada — sangrada ainda por alguns e (in)certos malandros com ou sem revólver, com ou sem Poder, com ou sem dinheiro. Bandidos e malandros que se vestem de roupas escuras ou com colarinhos brancos.

* * *

Puxando pela memória, eu me lembro razoavelmente daquele 10 de maio de 1986. Era um sábado. Eu me levantara lá pelas cinco horas da manhã e tinha ido ao vizinho município de João Lisboa, onde lançamos um programa de crédito agrícola para pequenos produtores rurais (“Programa São Vicente”). Éramos o gerente do Banco do Nordeste e eu, explicando a “coisa” a esperançosos agricultores joão-lisboenses.

Quando voltei, fui direto para o chamado salão nobre do clube Juçara, no bairro do mesmo nome, ligado ao centro de Imperatriz. Eu colaborava com o “Jornal de Imperatriz”, publicação que eu ajudara a criar junto com seu proprietário, o Zé Maria Quariguasi (Gráfica Líder). Foi o primeiro jornal diário da cidade impresso em sistema “off-set”.

Exatamente naqueles dias eu estava substituindo o jornalista Jurivê de Macedo (falecido em 17/05/2010), que viajara para o Goiás (hoje Tocantins) em nova visita a familiares. (Parênteses: Sabe do que tratava a manchete da edição número 1 do “Jornal de Imperatriz”? Ela mesma, a violência: “VIOLÊNCIA PREOCUPA SARNEY”, dizia a manchete de letras brancas sobre tarja preta, dia 1º de dezembro de 1985, um domingo).

Fui entrando no salão do Juçara Clube e fui logo assuntando e anotando: era a criação de uma “filial” imperatrizense da falada UDR (União Democrática Ruralista). Houve doações e leilões de gado e outros animais. (Não sei como, mas um manuscrito da ata ou de anotações para ela consta dos meus arquivos de tudo).

Eu estava acompanhando o frenesi da reunião, para preparar a coluna de página inteira e outras matérias do jornal, quando o repórter Carlos Henrique Gaby Rocha, aí perto de 1 hora da tarde, me avisou que desconhecidos tinham acabado de dar uns tiros em um padre.

Pois bem: saí do Juçara Clube e fui para o local do crime, ocorrido bem na subida da escada (veja a foto) que levava aos altos do prédio onde localizavam-se escritórios de advogados e de entidades religiosas, além das instalações da Rádio Imperatriz, na avenida Dorgival Pinheiro de Sousa, esquina com a rua Godofredo Viana, centro de Imperatriz. É claro que, àquela altura, o corpo já tinha sido levado para um hospital, na tentativa de ver o que podiam fazer pelo padre paraense de 33 anos, nascido em Marabá.

A partir desse dia e nos dias seguintes, o Coriolano (Coló) Filho, que ficara na edição do jornal, e eu virávamos noites na redação do “Jornal de Imperatriz”, colhendo as informações mais recentes e consistentes e dando assistência a um mundo de jornalistas de todo canto do país que nos procuravam para alguma ajuda, inclusive na questão de laboratório fotográfico para revelação.

As manchetes daquelas edições diárias de maio de 1986 diziam muito do clima reinante. E foi nesse mesmo clima, poucos dias após o atentado fatal ao padre que viera do outro lado do rio, que escrevi o artigo “PACIÊNCIA TAMBÉM TEM LIMITE”, reproduzido abaixo.

Infelizmente para a nossa cidade, muita coisa do artigo ainda continua tristemente atual. (O artigo foi publicado originalmente no “Jornal de Imperatriz”, edição de 14 de maio de 1986).

Anos depois, como diretor da sucursal do jornal “O Imparcial”, dos Diários Associados, entrei pela madrugada cobrindo o julgamento e noticiando a sentença que o juiz Raimundo Licyano de Carvalho (falecido em 23/04/2018) proferira, condenando o pistoleiro Geraldo à prisão. O caso nunca foi de todo resolvido.

Eis a íntegra do artigo, que foi reproduzido em jornais de outros pontos do país:

* * *

PACIÊNCIA TAMBÉM TEM LIMITE

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“DE VIOLÊNCIA ESTÁ CHEIA A NOSSA PACIÊNCIA. UM DIA, ELA EXPLODIRÁ”

*

Mais uma vez Imperatriz volta a ser assunto nacional, matéria de jornal. Pintou de novo, para todo o povo. Nas ondas sonoras, na tela de tevê, no papel-jornal. E, mais uma vez, esta cidade é vista pelo seu lado escuro.

Tá certo: a Imprensa é a menos culpada nisso, se é que cabe algum ônus a ela — como costuma pensar e falar, aqui, os que não são jornalistas. A Imprensa não está aqui pela cidade, nem pela sua violência. Está aqui pela notícia. E isso é indescartável.

O que aconteceu no dia 10 de maio foi só MAIS UM ato de violência. Nem o fato de Ter sido praticado ao meio-dia, no centro da cidade, e pelas costas, o tornou incomum. A diferença é que a vítima vestia batina; e, aos 33 anos e à traição, o padre morreu do jeito e com a idade em que morrem os santos homens.

O padre do Tocantins não subiu aos céus visivelmente, mas a sua morte fez ressuscitar (ou reavivar) aqui na terra, a questão da violência, inclusive agrária. Isso tudo, por força e influência da Igreja, que já deu provas do que pode fazer. “Je vous salue, Église!”

Esta cidade merece os crimes e os castigos que tem. Porque sua gente, seu empresariado, suas forças produtivas, suas entidades de classe, não sabem a força que têm. Deixam-se ferrar, escalpelar, tirar o couro, mesmo. Deixam-se matar. Povo-boi. Os crimes, as injustiças, a violência, são tantos que a tranquilidade, aqui, é que é a exceção. Manchete de jornal, rádio e televisão.

Questionamos muito pouco nossa realidade. É preciso, sempre, que haja uma próxima morte, uma nova violência, para se reviver o assunto. Ficamos cheios de indignação e vazios de respostas. Aí, nada mais havendo a tratar, é a vez de o assunto morrer também.

Dizem: os crimes são de competência da Polícia. Dizem: a Polícia é de competência do Governo. Mas o Governo é de nossa competência. Os políticos são nossos servidores — e não patrões. Dirão: Ah! Isso é idealismo, coisa de sociologia, política, filosofia; precisamos de respostas, agora. Quais, então? Armar-se? Incitar à rebelião civil, à prática de Lynch? Constituir organizações paramilitares? Botar o Exército, a Polícia Militar nas ruas (sem esquecer de deixar os policiais criminosos na cadeia)? Aparelhar melhor a Polícia? Pagar-lhe melhores salários?

E onde estão aqueles moços que o povo botamos nas Câmaras, nas Prefeituras, nas Assembleias, no Senado, enfim, no Poder? Onde eles? É quase regra: Eles só vivem, só fazem, só agem pensando na eleição seguinte. Entretanto, POLÍTICA e POLÍCIA, além da proximidade gráfica, têm, para o povo, o mesmo objetivo geral: defender os seus interesses, isto é, os interesses do povo.

E o que ocorre é que estes políticos de cá não tão nem aí, aliás, a maioria deles não tá nem aqui. Para estes, “política é a arte de governar com o máximo de promessas e o mínimo de realizações”. Estas, quando vêm, e a presença deles, quando é, estão acompanhadas da necessidade de “aparecer”, fazer figura. Outros preocupam-se mais com “acertos”, conchavos, manipulações, negociações (negociatas, inclusive).

Acham que isso é política. Têm uma história de praticar a “fidelidade partidária”… ao mesmo tempo em que cometem adultério contra o povo. Enganam o povo. Esquecem o povo. E o nosso povo, besta, não esquece eles. Porque a política é a arte de enrolar as pessoas. A linguagem política — diz Orwell — é destinada a fazer com que as mentiras soem como verdade. E para certos políticos, o que é a verdade senão uma mentira muito repetida?

Essa prática política tão miúda, tão interesseira, tão vil (quando não servil), é outra das violências que sofre este povo. Talvez a pior, porque, pela frente, dá-nos tapinhas nas costas e, por trás, socos na cara.

A violência em Imperatriz é algo exposto. As ações e seus motivos mostram-se a todos, em evisceração. Em um texto como este não é necessário precisar fatos, nominar pessoas. Disto, sabem-no as autoridades civis, militares, eclesiásticas e o povo em geral.

Disto estão cheios os jornais.

Disto estão cheios os livros de ocorrências.

Disto está cheia a nossa paciência.

Um dia, ela explodirá.

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