O professor Ed Wilson Araújo, do Departamento de Comunicação Social da UFMA (São Luís), tem uma estreita relação com as rádios comunitárias. Ele foi um dos fundadores da ABRAÇO – Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Seção Maranhão). E, dentre os seus três livros já publicados, o primeiro é “Rádios comunitárias no Maranhão: história, avanços e contradições na luta pela democratização da comunicação”, fruto da sua dissertação no Mestrado em Educação da UFMA. Nesta entrevista, ele volta à temática para fazer uma radiografia do campo das rádios comunitárias, apontando seus avanços, seus problemas e o que o futuro lhes reserva. Vale a leitura.
Região Tocantina – O que é uma Rádio Comunitária?
Ed Wilson Araújo – A denominação rádio comunitária surge em 1998, com a Lei 9.612, no governo Fernando Henrique Cardoso. Antes dessa legislação havia diversas experimentações de rádios livres, piratas e alternativas que funcionavam fora do controle da União e da burocracia estatal. Essas emissoras pulsavam à margem da lei, pregando liberdade de expressão e direito de antena no contexto de movimentos sociais na Europa e na América Latina que pregavam democracia na comunicação. Então, a legislação e a denominação rádio comunitária tiveram o objetivo de criar um serviço de comunicação radiofônica de baixa potência (25 watts) posicionado em um bairro, comunidade ou município. São emissoras públicas, sem fins lucrativos, viabilizadas por meio de associações ou fundações que disputam edital publicado pelo governo federal. Se, por um lado, a Lei 9.612/98 criou as regras e a burocracia para o funcionamento das emissoras, por outro impôs uma série de restrições, como a potência baixa (25 watts), proibição para a formação de rede, limitação de frequências e da captação de recurso apenas no apoio cultural. Segundo essa legislação, por exemplo, rádios comunitárias são proibidas de receber recurso institucional de verba publicitária dos governos federal, estadual e municipal.
Região Tocantina – Qual é o cenário das rádios comunitárias, atualmente, no Brasil e no Maranhão?
Região Tocantina – Especificando a resposta anterior, a situação das rádios é de asfixia financeira porque a legislação limita a potência e as fontes de sustentabilidade. Só é permitido o apoio cultural. Imagine a seguinte situação: se o governo federal, estadual ou prefeitura fizer uma campanha educativa com spots sobre a importância da vacina, as rádios comunitárias são proibidas pela Lei 9.612/98 de acessar recurso governamental pela veiculação desse tipo de conteúdo. Durante a pandemia, com as escolas fechadas, o Governo do Maranhão veiculou radioaulas em emissoras comerciais e estas foram remuneradas pelas transmissões desse conteúdo educativo, mas as rádios comunitárias, caso veiculassem, não poderiam receber recurso por esse tipo de serviço. Uma das formas de penalizar as rádios comunitárias é inibir a captação de recurso, que só é permitida na forma de apoio cultural.
Região Tocantina – Essas rádios servem, efetivamente, à comunidade?
Ed Wilson Araújo – A parte boa da Lei 9.612/98 diz que as rádios comunitárias devem cumprir a função educativo-cultural, prestar serviço à população atendida, atuar no desenvolvimento local, integrar a comunidade e ter uma programação plural, equilibrando jornalismo, programação educativa, entretenimento e prestação de serviço. Ocorre que, devido às limitações da legislação, principalmente no que diz respeito à sustentabilidade financeira, a maioria das emissoras concentra a programação no entretenimento, com pouco espaço na grade de programação para os outros gêneros radiofônicos.
Região Tocantina – Há potencialidade de crescimento das rádios comunitárias em nosso estado?
Ed Wilson Araújo – Crescimento quantitativo e qualitativo deve ser a meta. Existe um vazio muito grande na cobertura jornalística nos municípios; ou seja, o deserto de notícias. Nesse sentido defendemos a implantação de rádios comunitárias em todos os municípios onde o serviço ainda não está instalado e mais de uma emissora nas cidades médias e grandes, sempre que as condições técnicas permitirem.
Região Tocantina – Que funções as rádios comunitárias podem auxiliar dentro de uma comunidade?
Ed Wilson Araújo – No cenário ideal as emissoras devem ter na grade de programação os seguintes conteúdos: jornalismo de interesse local, conteúdos educativos, combate à desinformação, valorização da produção cultural local, integração da comunidade, visibilidade para as pessoas, lugares e patrimônios dos bairros, povoados ou cidades onde as emissoras estão instaladas, cobertura de eventos da comunidade e fomento ao esporte e lazer.
Região Tocantina – Como está a relação dessas rádios com o governo federal?
Ed Wilson Araújo – Os governos anteriores do PT (Lula e Dilma) foram os piores para as rádios comunitárias. Houve muita repressão e nenhuma iniciativa governamental para melhorar a Lei 9.612/98. No atual governo já houve, no início de 2023, a publicação de um edital para a instalação de emissoras comunitárias em 200 municípios do Brasil onde ainda não havia rádios.
Região Tocantina – As rádios comunitárias estão também se adaptando à era virtual?
Ed Wilson Araújo – Sim. Embora sejam asfixiadas pela legislação, as rádios comunitárias são espaços de ousadia, criatividade de inovação, sempre buscando acessar as novas tecnologias e se adaptar ao cenário contemporâneo de inovação.
Região Tocantina – Para você, qual será o futuro desse tipo de rádio no tecido comunicacional?
Ed Wilson Araújo – O futuro vai depender de fatores oriundos da sociedade e do governo. Da parte da sociedade, é preciso entender que rádio comunitária não é apenas meio de comunicação, mas um movimento social que se articula na perspectiva da democratização da comunicação. Nesse contexto, precisa ter mais diálogo entre sindicatos, organizações diversas atuantes no campo e nas áreas urbanas para pensar a comunicação no cenário de disputa de hegemonia pelo campo democrático-popular. Essa visada de movimento social tem outra função estratégica que é pressionar o governo para mudar a legislação e melhorar as condições de funcionamento técnico e a sustentabilidade das emissoras.