Por: Fabio Cardias – Psicólogo, Doutor em Educação e professor do Curso de Enfermagem do CCIm (Ufma Imperatriz).
De volta aos textos, programado estava há dois meses atrás para cobrir um mês, ou dois meses, sem um texto por aqui, mas acabaram virando uns quatro meses paralisado no tempo, mais ou menos por aí o período atrasado. A volta seria um texto justamente sobre os meus 50 anos completos em 9 de dezembro de 2022, considerado uma idade marco da metanóia, na linguagem da psicologia junguiana, que significa a entrada definitiva na meia idade marcada por profundas tansformações na vida da pessoa.
Obviamente, consigo escrever somente agora. Tal paralisia na escritua livre é um sintoma claro, ademais sobre o tema na cabeça dos 50 anos meus, pois me vi lançado em pensamentos sobre essa virada no tempo. Num abismo de pensamentos, de um balanço positivo e negativo da própria vida, várias derrotas e algumas vitórias, várias lindas lembranças e outras tantas amargas. A metanóia é isso aí, esse balanço de justiça consigo mesmo no tempo de vida e seu fluxo.
Passado, presente e futuro se misturam nos 50 anos, quem eu fui? quem eu sou? e quem ainda serei daqui para a frente? com o horizonte da velhice mais próximo, quiça o da morte!? Da degradação do corpo, das doenças, dos medos e esperançares. Do amor fati pelo meu filho, profundo e verdadeiro que me alimenta a alma para seguir em frente com dignidade nessa correnteza viva.
Será que me perdoaram quem eu machuquei? Será que perdoei quem me machucou? Será que ainda sigo com alguns fardos pesados do passado mais recente? Todo o amor ao Raoní, herdeiro do amor da minha avó, é insuperável, está destinado assim, e é a fonte maior e infinita de afeto superior que me humaniza com profundidade.
Muito agradecido pelo tudo de bom e ruim que colhi, todo sofrimento foi mestre, o tempo é mestre-mor, a vida é mestra-mar.
Um pouco de forças para escrever algo intimista me veio em 19 de março, dia de São José, eu descrente dessas coisas de santos da igreja católica, mas José é especial, me acompanha há longos anos. Meu José é referência a São José de Ribamar, dado pela avó caso eu nascesse com saúde, padroeiro do estado onde moro, o Maranhão acolhedor e ancestral. José dá nomes a aglomerados-complexos importantes na minha trajetória pessoal: a aldeia São José dos Krikatí foi onde me vi indígena e me batizei, o mestre José Gabriel Góes da capoeira angola, o qual estudei no doutorado, é referência na minha formação afrobrasileira, o professor José Wildemar Lindão é a pessoa que me acolheu no Marajó na busca pela luta marajoara, o professor José Fassheber é meu camarada quem desenvolveu no Brasil o conceito de etnoesporte que estudo nas comunidades amazônidas. José dá nome a tantas coisas que me esclareceram os caminhos. José é Xangô nos sincretismos do Candomblé, o orixá da justiça, e a vida foi tão justa comigo.
José, Giusepe, Joseph, Yoseph, me clareou a jornada até aqui na metade da vida, na metanóia. Se ao menos eu viver os 111 anos que ele viveu, com saúde, trabalho digno e paz de espírito.
O passado foi duro, mas também generoso. O presente é colheita de esforços diversos do passado. Meu filho é um deleite pra minha alma que não canso de celebrar tal benção. O futuro parece que vai se abrigar numa calmaria maior, numa tanquilidade da alma que persigo, numa paz interior de monge budista desapegado, justa luz e sombra que se encontra ao caminhar, na trajetória mais clara, na jornada misteriosa, numinosa como diria Jung.
José não viveu o suficiente para ver Cristo na cruz. José somente se acalmava na frente de Jesus. Que sofrimento deveria ter sido se o visse crucificado, como pai. José, pai amoroso, é tão necessário nesse mundo frio, órfão de pais amorosos. Quantos casos de abandonos, feminicídios, guerras, terremotos, levando tantos pais dos seus filhos e filhas.
José é o pai que se colocou sobre o filho pequeno para protegê-lo contra os escombros no terremoto da Síria, morrendo, deixou-o vivo ao resgate dos bombeiros. Vejo José nos bons pais que existem, mais numerosos que os ruins das mídias. Vejo José para além do Fabio, do meu Fabio José. José no meu nome me deu forças para chegar à metanóia, e se impõe com uma imagem poderosa na minha personalidade madura. A imagem arquetípica, invocada ou não, atua!
Ao glorioso São José, como ímago epifânica, o meu agradecimento, de Fabio José.
2 respostas
Que linda história, me emocionei!
Obrigado, Aurriani, são nossas humanidades compartilhadas