terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Vila Conceição I e II: a história resiste

Publicado em 15 de março de 2023, às 16:39
Imagem: Capa do livro do autor.

Por José Luís Costa – Jornalista.

Nesses últimos dois meses, estive visitando o Vila Conceição I, a Vila Conceição II apenas passava por ela em direção à primeira. Foram três visitas basicamente sobre questões eleitorais porque estava no auge das campanhas deste ano.

Outra visita também foi por conta do aniversário de um dos pioneiros daquela região, de uma das mais influentes liderança daquele assentamento, que agora tem 37 anos. Valdinar Barros.

Em todas essas visitas que fiz, recentemente à Conceição I, não teve como não regressar historicamente na memória da história daquela luta, na memória da construção de meu livro que fiz sobre aquela labuta, quando este povoado iria fazer 25 anos. Ou seja, no ano de 2013, justamente o ano que finalizei o trabalho.

Foi uma pesquisa que se iniciou a partir de 2011 para a conclusão do curso de Comunicação Social/Jornalismo, na Ufma de Imperatriz, ali estava predisposto a escrever um livro-reportagem sobre aquela comunidade. E assim eu fiz.

Nesses instantes de visitas recentes, agora em 2022, veio na memória muitas pessoas com as quais eu conversei para a construção do livro, “Terra de Bravura e Utopia: 25 anos do assentamento Vila Conceição 1 e 2”. Pessoas que já faleceram, mas que ficaram também na minha memória, como o senhor Januário que por sinal faleceu aqui no assentamento onde moro, o Assentamento Califórnia, por ser pai de uma das lideranças dessa comunidade; com a saúde fragilizada, ele estava passando uma temporada por aqui.

Estando na Vila Conceição I, não tem como não recordar dos bate-papos com o seu João Fotógrafo, que faleceu também recentemente e com o saudoso e grande líder Luiz Preto, esse também morto, vítima de um latrocínio, há quase cinco anos.

A história do assentamento Vila Conceição I e II é marcada pela violência da luta pela terra, o que faz com que muitas pessoas, hoje, não conheçam a realidade, principalmente alguns dos jovens dessa mesma comunidade. É para isso que servem a escrita, os relatos, os bate-papos… para que a história permaneça andando e que no futuro se saiba como foi o hoje, no caso, dessa comunidade;  é importante preservar os espaços históricos, as pessoas e os fatos históricos.

A presença de João Fotógrafo estava ali naquele embate político. Como ele gostava da política! Momentos assim ele estava presente. O então candidato a deputado estadual, Zé Inácio, que era apoiado pela liderança Valdinar Barros, em uma articulação da Vila Conceição com outras comunidades vizinhas. As bandeiras políticas ali estavam também com o governador reeleito, Carlos Brandão, que levava um vice do Partido dos Trabalhadores. E lógico, Lula para presidente.

O Assentamento Vila Conceição I e II é base antiga do Partido dos Trabalhadores, por conta de seus aspectos históricos de ligação com o partido. O próprio Valdinar foi vereador por dois mandatos e teve um mandato de deputado estadual.

João Fotógrafo estava ali na presença dos filhos e netos. Luís Preto estava ali, presente com os seus também. Esse assentamento é místico com a memória, com seus pioneiros que já partiram, com a memória dos passos até esse momento histórico.

E esses dois últimos momentos no assentamento Vila Conceição, sobretudo, na vila I, na hora que a gente bate a vista não tem como fugir da memória: os gestos, as formas de contar os fatos históricos que marcaram os seus anos de luta ali. Como quando conversei com ele profundamente tomando café da manhã na casa de meu irmão – que é casado com uma filha assentada -, na época morando na Vila Conceição I. Aquele momento foi importantíssimo, principalmente, porque era regado ao café de Gonçalina, minha cunhada. Ali nós papeamos e consegui tirar mais informações para que eu pudesse escrever a história.

Seu “Piauí”, que veio me cumprimentar em uma dessas atividades de agora, não recordo, mas acho que foi na atividade de campanha de Zé Inácio, carrega também a parte dessa história e isso precisa ser também contado.

Ali eu percebi que a Vila Conceição I e II continua seguindo os passos dos caminhos históricos, traçando exemplos para que seus filhos, netos e bisnetos continuem a história. Participando das atividades, nas lutas por seus sonhos, que ainda não vieram: uma sociedade justa e igualitária, baseada, sobretudo, no desenvolvimento da agroecologia, da pequena agricultura para que todos possam viver perfeitamente. É o utópico? Sim. É utópico, por isso, o movimento na história.

E no interior dessa evolução também está a arte. Presente na carreira de dois cantores da terra, do assentamento de Vila Conceição I e II, filhos dessa luta. Eles são dois herdeiros desta história: uma dupla, filhos de seu “Piauí”, cantam o que a moda toca hoje em dia, o sertanejo universitário, o arrocha. E tem ainda Renner Safadão, seu nome artístico, conhecido em toda região também, no mesmo estilo musical, mas em uma carreira solo. O Renner, criado naquela comunidade, chegou até a frequentar atividades do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Renner disse que não nasceu na Vila Conceição I e II, que não é filho de nenhum posseiro, como se chamam os pioneiros da comunidade, todavia, chegou lá em 2004. “Abracei a Vila Conceição como os antigos. Muitos dos antigos até dizem que eu tenho mais características de alguém que está desde o início: filho ou neto de alguém que é posseiro do que muitos dos que realmente são herdeiros desses”.

Algo também que está marcado, principalmente, para quem escreveu o livro sobre aquela comunidade, é que alguns dos jovens de hoje, que na época em que escrevi eram crianças, chegam e perguntam-me: “Foi o senhor (o “senhor” é muito estranho!) quem escreveu o livro sobre a Vila Conceição?” Aquela pergunta traz um “q” de romantismo, militância escrita e de que realmente serviu para alguma coisa. Serviu para o futuro, hoje presente, saber mais sobre aquelas mulheres e homens. Serviu para seus herdeiros. Essas são as marcas históricas da Vila Conceição, o primeiro assentamento de resistência, fruto do medo da marginalidade e da esperança.

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