segunda-feira, 14 de outubro de 2024

De contos, causos e oralidades – O causo dos diamantes

Publicado em 15 de março de 2023, às 6:23
Imagem: ifce.edu.br

Por: Helena Frenzel – romanista, letripulista, professora e contadora de causos.

Gosto de colecionar fábulas e causos, e quanto mais antigas histórias leio, percebo que muitas delas são racistas e/ou misóginas, porque foram escritas numa época em que pessoas brancas, sobretudo homens, se achavam o supra sumo do planeta. E muitas pessoas ainda continuam “se achando”, mas o mais importante é que muitos já não caem nos contos da carochinha do machismo e da branquitude. O racismo e a misoginia nos textos mais antigos me impedem de sair por aí reproduzindo-os sem qualquer cuidado, como se fossem os textos mais inocentes do mundo, porque não são. Daí que, outro dia, topei com essa fábula que aqui vou lhes contar e achei que valeria a pena trazê-la, porque ela nos dá outra versão da famosa história do Paraíso. Nessa versão nem se fala em mulheres, o que pode ser positivo, dado que quando falam, sempre falam mal, ou jogam nelas a culpa por todos os pecados da humanidade. Bem, mas vamos à história:

* * *

Na época em que ainda tínhamos acesso ao que acontecia lá no Paraíso, por meio do portal de notícias Jardim Colorido, contam uns anjos caídos que Deus ficou muito decepcionado ao descobrir que Adão havia comido, escondido, do fruto da árvore do bem e do mal. Mas em vez de logo expulsá-lo, Deus respirou fundo, contou até 7 vezes 77 e ficou pensando no que faria para dar uma lição naquele folgado.

Daí que, num belo dia, Deus mandou chamar Adão pra ir ter com Ele em seu palácio. Depois de terem comido um banquete farto, e terem bebido muito do sumo das uvas fermentadas no álcool, Deus disse para Adão: “Rapaz, você não tem vontade de sair daqui dia desses e ir por aí correr mundo, ver outras coisas que você nunca viu?” E Adão disse: “Não, aqui eu tô tranquilão, não tenho nem que trabalhar pra ganhar o meu pão, basta levantar a mão e colher uma fruta, tá tudo beleza!” E Deus disse: “Olha, mas se eu fosse você eu ia, tem muita coisa lá fora pra se ver e experimentar. É uma experiência que vai mudar a sua vida, rapaz, eu garanto! Tá certo que você vai perder algumas mordomias, mas o que você vai ganhar em troca… Nem te conto! Se eu fosse você, eu não deixava passar!”

E para encorajá-lo, Deus mostrou a ele todas as riquezas do jardim e disse que ele poderia escolher o que quisesse para levar. Adão olhou tudo com muita calma, sem saber o que levaria, até que seus olhos toparam com um baú enorme cheio de diamantes, cada um do tamanho de um melão, e tomou um para si, pensando: “Um único diamante desses vai me garantir para o resto da vida! He-hein!” Deus consentiu que ele levasse uma das pedras consigo e mandou um anjo escoltá-lo até a saída.

A poucos metros do portão de saída havia um córrego, e ali Adão titubeou, pensando em como faria para atravessá-lo. E o anjo tentou encorajá-lo, dizendo: “Vá, rapaz, vá em frente! Eu, se tivesse essa chance… Mas não, tenho que ficar é aqui, dia e noite, vigiando os limites desse jardim monótono, vida chata do caralho!” E empurrou Adão com tanta força que este deixou o diamante cair no córrego. Adão gritou ao anjo: “Té doido, é? Olha o que tu fez! E agora, como é que eu pego o diamante?” E o anjo disse: “Rapaz, te joga na água e vai buscar, ora!” E Adão disse: “Mas são tantos, como é que eu vou saber qual é o meu?”

E o anjo, com a cara mais limpa, disse: “He-hein, bonito! Tu acha mesmo que tu é o primeiro ser que Deus manda embora do Paraíso? Ma rapaz, te enxerga! Antes de ti, houve milhares, como cada um desses diamantes aí no córrego. Toma teu rumo e não reclama. Circulando, circulando!”, deu as costas para o desditado e entrou, fechando o portão atrás de si. 

* * *

Essa fábula é oriunda do Afeganistão e se encontra numa coletânea de fábulas e lendas judaicas, organizada por uma pessoa que se chama Pinchas Sadeh. A coletânea foi publicada em 2020 pela editora Anaconda. Claro que a fábula aqui não foi contada exatamente como se encontra na fonte, muito menos com a linguagem original. Trata-se então de uma adaptação, hein povo? E o córrego dos diamantes, pelo que dizem os anjos de má língua, esconde-se em algum lugar lá nas arábias, e ainda hoje segue seduzindo muitos “inocentes” por aí. Duvida? Dê uma olhada nos jornais.

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