(Por Edmilson Sanches – Administrador, historiador, comunicador, escritor, palestrante, consultor, autor da Enciclopédia de Imperatriz)
Como o cavalheiro que se adianta para abrir a porta à dama, antecipo-me, mais uma vez, ao amanhã, 8 de março, que marca o Dia Internacional da Mulher.
“Pode-se graduar a civilização de um povo pela atenção, decência e consideração com que as mulheres são educadas, tratadas e protegidas”.
Quem disse isso foi um parlamentar brasileiro, Mariano José Pereira da Fonseca, há um século e meio. Senador e ministro, o autor da frase tornou-se mais conhecido como escritor e por seu título de Marquês de Maricá.
É de lamentar que as pré-condições de reconhecimento da civilização de um povo, estabelecidas por esse ilustre brasileiro, ainda não tenham sido de todo observadas no seu próprio País.
Estatísticas confirmam que, nesse aspecto, o gênero humano, pelo seu lado masculino, apenas refinou, em muitos casos, as primitivas violências que vitimavam suas parceiras.
Como está em uma frase no episódio nº 4 da primeira temporada da série norte-americana “Criminal Minds” (“mentes criminosas”): “Achar novas maneiras de magoar uns aos outros é nossa especialidade”.
Talvez tenha sido por constatar isso que outro escritor, Maurice Donnay, tenha resumido — e, ao mesmo tempo, generalizado —, cruel e cruamente:
“Todos os homens batem nas mulheres: os do povo, com os punhos; os burgueses, com as leis.”
Há muito tempo as mulheres vêm sofrendo: individualmente, pela lei do mais forte; e, coletivamente, pela fraqueza da Lei — uma Lei que, em relação à condição feminina, de maiúscula só tem a letra inicial, e ainda se apequena e se acachapa ante o peso social da cultura dita machista.
De modo geral, e na sensação da maioria, Lei, Polícia e Justiça só são femininas enquanto palavras…
E é sobretudo por essa fraqueza da Lei (ou de seu cumprimento) que se reproduzem cotidianamente, diuturnamente, nos jornais, rádios e televisões os depoimentos tristes, vergonhosos, de mulheres espancadas, barbarizadas, estupradas, mortas, sujeitadas, enfim, a toda sorte de violências e outras ilegalidades.
A essas violências respondem providências policiais poucas e condenações na Justiça raríssimas. Isso só no campo penal. Vai-se ver, e teremos nas demais partições do Direito –– como, por exemplo, o Trabalhista –– iguais desmandos, mesmos desatinos, idênticos vexames, semelhantes desrespeitos senão violências, como a que deu origem ao Dia Internacional da Mulher, 8 de março.
O primeiro Congresso Internacional da Mulher foi realizado em 1910 em Copenhagen (Dinamarca) e, sem fixar qual dia, aprovou a criação de um Dia Internacional da Mulher. Motivos para uma data institucional haviam: a luta, inclusive greve, de mulheres nos Estados Unidos, desde 1908, pelo direito ao voto e contra as péssimas condições de trabalho; e outras manifestações — afinal, as mulheres trabalhadoras, sobretudo, eram submetidas a degradantes condições de trabalho, inclusive a 15 horas por dia e sem direito a licença-maternidade, além de salário menores do que o dos homens; etc.
No ano seguinte, 1911, em 25 de março, um incêndio em uma fábrica têxtil em Nova York (Estados Unidos) matou 146 pessoas. Mais de 120 eram mulheres. A tragédia comoveu o mundo da época e fortaleceu as organizações sindicais de defesa dos direitos dos trabalhadores e das melhores condições de trabalho.
A situação chegou a tal ponto que, na Rússia, de 23 de fevereiro a 3 de março de 1917, milhares de mulheres foram para as ruas. Trabalhadoras e donas de casas se uniram. Homens também se juntaram a elas. Greves e passeatas. Todos reclamavam do czar, o governante maior russo, Nicolau 2º, de quem exigiam abdicação. Todos reclamavam das condições de trabalho. Da fome e da falta de alimentos. Mães, esposas e outras mulheres gritavam contra a participação da Rússia na 1ª Guerra Mundial (1914-1918), que retiravam delas seus filhos, maridos, irmãos…
O movimento sensibilizou e conseguiu apoio dos militares, que sofriam até pelo sofrimento de suas mulheres mães ou mães de seus filhos. O governante russo sentiu-se acuado. Não teve jeito. Abdicou. Entregou o governo.
O que isso tem a ver com o dia 8 de março? Simples: a Rússia adotava o calendário juliano, diferente do calendário gregoriano usado pelos países ocidentais. No calendário juliano, 23 de fevereiro (início do movimento das mulheres russas em 1917) corresponde, no nosso calendário, a 8 de março.
Os anos de sucediam e, com eles, davam-se diversas lutas pró-mulheres e fortalecimento da causa… ao lado da teimosia de patrões e empresas que continuavam a explorar o trabalhador de modo geral e a mulher, em particular — o que só alimentava a disposição feminina e de setores sensíveis do universo masculino para não arredarem da causa em prol da mulher.
Dando um salto temporal, chegamos a 1975. A Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu aquele ano como o Ano Internacional da Mulher, ficando o dia 8 de março (aquele do início das lutas das mulheres russas em 1917) como o Dia Internacional da Mulher.
E no Brasil?
No ano de 1910, no Brasil, foi fundado o Partido Republicano Feminino, que lutou durante mais de 20 anos pelo direito de voto, até que o presidente Getúlio Vargas, em 1932, promulgasse o decreto-lei que reconhecia o direito das mulheres de votar e serem votadas.
No Brasil, foram as mulheres — e não os homens — quem primeiro fez greve geral em nosso país [veja foto]. Quem sabe por influência das greves femininas russas de março de 1917, em junho deste mesmo ano, o estopim da paciência se acendeu e a bomba explodiu: centenas de mulheres, trabalhadoras em indústrias têxteis, em São Paulo, paralisaram por 30 dias as máquinas e o trabalho, foram às ruas com seus enormes vestidos da época e gritaram e reivindicaram por carga horária menor e não desumana.
Brigaram por respeito e contra o assédio sexual dos homens supervisores (chamados contramestres).
Reivindicaram a libertação de colegas do movimento que foram presos.
Houve tiros da Polícia e houve morte.
E a morte fortaleceu o movimento, que se espalhou por todo o estado de São Paulo (a capital parou, dizem os pesquisadores).
Com a morte de uma pessoa, o movimento ganhou mais vida e avançou por diversos estados brasileiros. Até os ditos patrões negociarem e a greve acabar.
No Brasil também se instituiu uma data para a mulher: 30 de Abril, Dia da Mulher Brasileira. Sobre esta, escreverei depois.
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Mas o passado não é suficiente em termos das muitas — muuuuuuuuuitas — lutas que as mulheres todo dia travam. Ainda há muito em que avançar nos dias de hoje, tanto nas relações da vida social, política, cultural, econômico-profissional e familiar quanto nas questões conjugais, de relacionamentos e término deles, da sexualidade e da natalidade etc.
Nesses grandes campos, mostra-se, como ponta de “iceberg”, a violência da pobreza e dos abusos do tipo casamentos forçados, exploração sexual, circuncisão feminina (infibulação), seleção pré-natal por sexo (como na China), violência doméstica, subemprego ou sub-remuneração, criminalização do aborto e outras formas de violência, material ou não, contra as quais mulheres e homens de vergonha se opõem em todo o mundo.
Corre por aí a história de que Deus fez a mulher após o homem porque todo criador, ao se preparar para produzir sua obra-prima, faz antes um borrão…
Assim, só mesmo Freud para explicar se seria essa a raiz e a razão para tantas agressões (físicas ou não) do masculino contra o feminino. “Por trás da insistência na superioridade masculina há uma inveja imemorial das mulheres”, escreveu Erik Erikson, psicólogo, psiquiatra e psicanalista alemão-americano.
E isso não deveria acontecer. Afinal, a mulher é a morada do homem: como mãe, ela o acolheu no ventre; como companheira, ela o abriga no coração.
O homem, na verdade (e até a Ciência confirma), é o ser frágil. Tanto que, como já se disse, de um tigre faminto e de uma mulher carinhosa nenhum homem escapa.
Vamos combater a constatação do escritor Maurice Donay com o postulado do senador Mariano Fonseca, pois é no respeito à mulher que cresce o conceito do homem.
Desta forma, para quem quiser, proponho a seguinte frase de ordem:
Ame a mulher de um jeito diferente: respeite-a.
Ou, se for o caso:
Respeite a mulher de um jeito diferente: ame-a.