Por: Helena Frenzel – romanista, letripulista, professora e contadora de causos.
Começo esse ano e essa conversa com uma das perguntas mais antigas que o ser humano já se fez: De onde nascem as ideias? Melhor ainda: De onde nascem as “boas” ideias? De onde será que elas vêm, o que elas são? Seria possível que saíssem de alguma moita? Quase isso! Veja aqui o que outro dia aconteceu comigo:
Dia desses, vinha eu com minha filha caminhando ao redor de um laguinho quando vimos – pasmem! – um peixe acrobático. Foi tudo muito rápido, mas ainda deu tempo de ver a cor escura do que parecia ser uma cauda ou um rabo. “Teria sido mesmo um peixe?”, cogitamos. E tudo nos levou a crer que sim, dado que outros animais aquáticos do lugar não teriam igual leveza e rapidez, sem falar na capacidade de mergulhar e permanecer tanto tempo sob a água como fez aquele peixe, que sumiu ao nos ver.
Então começamos a rir e eu disse: “Filha, um peixe surfista!“ E só ao dizer aquilo uma maravilha se fez: logo comecei a ver em minha cachola belas páginas ilustradas de um livro infantil, o título variando entre “O Peixe Surfista”, “O peixe que queria surfar” ou “O Peixe Acrobata”.
Eu e minha filha começamos a pensar nos motivos que levariam um peixe a querer surfar e ela me disse: “Não se pode surfar sem ondas”. E eu disse: “Mas se acabamos de ver a criatura criando as ondas que precisava, não? É claro que se pode!” “Tá bom, pode!”, ela concedeu. “Mas por que um peixe haveria de querer surfar?”, cogitei. E eu vos digo: Ora, simplesmente porque se espera que ele não possa! Por vezes, não há melhor motivação do que a dúvida alheia sobre as nossas capacidades, mas acima de qualquer coisa está o nosso desejo de fazer algo. O peixe poderia me dizer: Surfo porque desejo, porque gosto, porque queria saber como era surfar, porque acho maravilhoso aquele milésimo de segundo em que consigo me equilibrar sobre a água e deslizar soberano, como se eu fosse o rei do lago!
E o peixe, muito provavelmente, teria que enfrentar uma série de críticas e ouviria de seus pares coisas do tipo: Onde já se viu peixe surfar? Você precisa aprender a conhecer o seu lugar de peixe na lagoa! E onde você vai arrumar uma prancha, hein? Tá pensando que é assim fácil, é? Ao invés de ficar aí gastando energia com essa história de querer surfar, você deveria era estar ajudando o seu cardume a arrumar comida, isso sim! Olha, quem nasceu para peixe nunca chega a surfista, esquece isso, não dá pra você não, é muita água pro seu laguinho! Isso aí de surfar é coisa de seres humanos, filho de peixe peixinho é, não existe peixe surfista!
E por aí iriam, mas o nosso peixe, que bem sabe o que lhe arde pelas guelras, continuaria treinando suas acrobacias e não desistiria de seu sonho, pois assim é a vida. E ele um dia descobriria que não precisava nem de prancha nem de ondas, pois que já tinha aquele rabo que se movia muito rápido, e se o deus Netuno lhe havia presenteado com aquela cauda larga, maior do que a de todos os demais, era porque tinha para ele planos, era porque queria vê-lo surfista em sua própria prancha, ou ao menos tentando correr atrás do próprio rabo, digo: sonho.
E o que ele estava fazendo naquele dia em que eu e minha filha o vimos enquanto passávamos pelo lago foi parte do treinamento árduo que ele se propôs todos os dias para realizar o seu intento, e tanto treinou que um dia conseguiu e repetiu tantas vezes o feito que ficou conhecido como o Fadinho dos peixes daquele açude. Aí o cardume veio parabenizá-lo. É sempre assim: na hora de regar o sonho ninguém aparece, mas na hora de colher…
E como as ideias surgem encarrilhadas, nada impediria que o nosso peixe surfista se tornasse um dia astronauta e fosse parar na Lua, mesmo que por acaso, como parte de um experimento que visava enviar para o espaço alguns animais para ver como eles por lá se portavam. Imagino que o nosso peixe se sairia muito bem em qualquer lugar do universo!
Bem, já deu para termos uma ideia de como as ideias nascem, não? Se boas ou ruins, julgamentos deixo à parte. O que importa é a diversão, é deixar as ideias livres surfarem, voarem e se multiplicarem, como desejarem. Que em 2023 tenhamos muito espaço para a criatividade! E viva os peixes determinados!
Uma resposta
Que delícia de texto. Aquário é signo de ar. Ar representa o pensamento. Assim vejo com total sentido o peixe emergir para fazer pensar o pensamento das duas caminhantes. Que a criatividade nos ajude na leveza que precisamos.