Guillermo del Toro é um cineasta mexicano muito conhecido por dirigir filmes que apresentam monstros com visuais criativos, o horror da maldade humana e a fantasia escapista. Em O Labirinto do Fauno (2006), por exemplo, uma criança passa por uma aventura fantasiosa que envolve sapos gigantes, um fauno enigmático e uma criatura pálida assustadora, contextualizada na Espanha de 1944, na época do regime franquista. Uma clara válvula de escape da realidade sombria em que vivia a protagonista.
Já A Forma da Água (2017), que rendeu a del Toro o Oscar de Melhor Direção, traz um romance peculiar entre uma faxineira sem voz e uma criatura aquática arrancada de seu lar para passar por experimentos e estudos científicos durante a década de 1960, em plena Guerra Fria. O antagonismo mais uma vez é humano e não do monstro.
Essa visão do horror e da fantasia me convenceu a assistir com certa expectativa aos episódios de O Gabinete de Curiosidades de Guillermo del Toro (2022). Nesta série, disponível na Netflix, o cineasta mexicano apresenta 8 histórias com duração de 60 minutos cada. Divulgada como uma série antológica de terror, cada episódio tem maior foco nos defeitos humanos do que em monstros e em sustos gratuitos, mesmo que tais elementos ainda estejam presentes.
Todos os episódios possuem uma introdução do próprio Guillermo del Toro que, apesar de não dirigir nenhum deles, roteirizou o piloto, intitulado “Lote 36”. Neste episódio, acompanhamos Nick Appleton (Tim Blake Nelson), um homem endividado que compra depósitos de itens pessoais. Nick é apresentado como um mau-caráter, antipático, preconceituoso e grosseiro. No lote que dá título ao episódio, o protagonista encontra livros incompletos que poderiam quitar sua dívida, mas a ganância o faz querer completá-los a fim de lucrar mais.
A ganância retorna no episódio seguinte, “Ratos no Cemitério”. Masson (David Hewlett), um ladrão de túmulos que endividado até o pescoço, cria uma ‘rivalidade’ com os ratos que vivem nas profundezas do cemitério, pois eles roubam as riquezas dos corpos que deveriam descansar em seus túmulos. Quando um milionário é enterrado junto de uma relíquia valiosa, Masson vai atrás do tesouro e não há rato que o impeça de atingir seu objetivo.
Não é só a ganância que se faz presente na antologia. No episódio 3, “A Autópsia”, o tema principal é a relação com a morte, e nada mais apropriado do que a dissecação de um cadáver para tratar sobre o tema. F. Murray Abraham interpreta o médico legista que, com poucos meses de vida, é convidado a fazer a autópsia de um corpo que apresenta características peculiares.
No episódio 4, “Por Fora”, o padrão de beleza imposto pela sociedade é o tema principal. Stacey (Kate Micucci), uma mulher excêntrica (ela gosta de empalhar animais) e de beleza questionável é convidada para uma festa com as mulheres mais bonitas do trabalho. Presenteada com um produto de beleza que faz mal a sua pele, Stacey fica obcecada em melhorar a aparência, mesmo que prejudique sua saúde.
Completam a série antológica os episódios “Modelo de Picman”, “Sonhos na Casa da Bruxa” (ambas adaptações de contos de H. P. Lovecraft), “A Inspeção” e “O Murmúrio”.
O Gabinete de Curiosidades de Guillermo del Toro é uma antologia que merece atenção. É bem criativa na execução de suas diversas temáticas. Consegue abraçar vários subgêneros do terror, mas seu principal destaque está na construção dos personagens, no desenvolvimento de defeitos e qualidades humanas e em como o terror é pessoal. Vale a pena assistir.