domingo, 3 de novembro de 2024

PÁGINAS QUENTES NA PROSA MARANHENSE

Publicado em 26 de outubro de 2022, às 6:51
Fonte: José Neres – Professor. Pesquisador. Membro da AML, ALL, Sobrames-MA.
Imagem cedida pelo autor.

Ignoradas por muitos, vista com desconfiança e/ou com preconceitos por outros, as obras literárias que valorizam as minuciosas descrições ou que pelo menos insinuam parte da intimidade das personagens são muitas vezes tidas como subprodutos literários. Sempre foram, contudo, consumidas na calada da noite ou mesmo por trás das diáfanas vestes de moralidade que constantemente ornamentam os diversos períodos de nossa sociedade.

Ao longo da história da humanidade, algumas obras foram consideradas obscenas e tiveram sua leitura desaconselhada para um público considerado muito jovem para ter sua inocência “corrompida” por autores que constantemente desrespeitavam a moral e os bons costumes. Obras como “Sonetos Luxuriosos” (Aretino), “Satíricon” (Petrônio), “Teresa Filósofa” (Autor desconhecido), “O Sofá” (Clébillon Fils), “120 dias de Sodoma” (Marquês de Sade), “Fanny Hill” (John Cleland), “O Decameron” (Giovanni Boccaccio), “Trópico de Câncer” (Henry Miller), “O Delta de Vênus” (Anaïs Nin), “A Vênus das Peles” (Sacher Masoch), “O Amante” (Marguerite Duras) e “História do Olho” (Georges Bataille), entre outros, divertiram e escandalizaram o público leitor e causam polêmicas que perduram até o presente momento.

A literatura brasileira também é farta de exemplos de obras consideradas obscenas por alguns leitores, como é o caso de “O Elixir do Pajé” (Bernardo de Guimarães), “A Casa dos Budas Ditosos” (João Ubaldo Ribeiro), “Tara” (Cassandra Rios), “O Comitê” (Adelaide Carraro), “Pornochic” (Hilda Hilst), “Bom Crioulo” (Adolfo Caminha), “A Carne” (Júlio Ribeiro) “O Amor Natural” (Carlos Drummond de Andrade) e “Poética na Política” (Glauco Mattoso). Essas e outras obras dividem opiniões e são, não obstante o sucesso alcançado por seus autores, constantemente questionadas ou vistas como trabalhos de qualidade duvidosa. Isso ocorre às vezes por desconhecimento ou talvez por um preconceito atávico que inibe o contato com textos considerados “impuros” ou desaconselhados para determinadas faixas etárias, o que em muitos casos é bastante compreensivo.

Conforme ocorre em todos os Estados da Federação, no Maranhão existem alguns autores e autoras em cujas obras podem ser encontradas cenas consideradas “quentes” demais. Em alguns casos, os livros são verdadeiros clássicos com algumas pitadas de cenas picantes. É o acontece, por exemplo, em O Cortiço (Aluísio Azevedo) – impossível esquecer as cenas quem a sedutora Rita Baiana aparece e as peripécias de Pombinha, O Dono do Mar e Saraminda (José Sarney) – autor que descreve algumas cenas consideradas eróticas com grande maestria, e Noite sobre Alcântara (Josué Montello), onde o autor estimula o leitor a espiar pelas frestas de situações que podem até mesmo ruborizar os menos afeitos a algumas narrativas.

Mais recentemente, alguns autores têm reservado algumas páginas para apimentar a imaginação do leitor com cenas e descrições de corpos e de situações que oscilam entre a sensualidade e o erotismo. É o caso, por exemplo, de Bruno Azevêdo, que em “A Intrusa” e em “Breganejo Blues” discute temas como homossexualidade masculina e feminina, desejos carnais, fetiches e coloca suas personagens em uma infinidade de situações que tanto podem levar ao riso quanto à reflexão a respeito da sexualidade humana. Nessa mesma linha, entre o trágico e o riso, Joe Rosa, escritor mineiro há bastante tempo radicado no Maranhão, publicou os romances “O Gosto Amargo da Cereja” e “Sol para Quarto Mofados”, livros que trazem à tona discussões acerca de contágio por infecções sexualmente transmissíveis, principalmente a Aids, preconceitos sociais, adultérios, sexo na terceira idade, violência sexual, vingança e psicopatologias ligadas às frustrações sexuais. Em uma linha mais delicada, a romancista Dorinha Marinho publicou a novela “As Diferentes Faces do Amor”, que trata das relações amorosas entre duas mulheres, enfatizando dúvidas, prazeres e percalços que podem advir de relações amorosas como a que é trabalhada no livro, mas sem remeter a julgamento de valores e sem incentivar preconceitos.

No entanto, quando se fala em páginas literárias “quentes” na literatura maranhense contemporânea, não se pode deixar de citar pelo menos quatro escritoras que, cada uma dentro de seu estilo, têm investido com mais intensidade nessa vertente. São elas: Eliane Morais, Ahtange Ferreira, Mônica Moreira Lima e Everlany Corrêa.

Autora, até o presente momento, de dois romances, “Comensais” (2014) e “Rol das Faces” (2019), Eliane Morais é uma premiada escritora que costuma trabalhar com personagens cosmopolitas e ambientar as narrativas em diversas partes do mundo. As mulheres de seus livros são geralmente fortes, decididas e sensuais. As descrições das cenas mesclam a delicadeza da paixão com o furor das entregas físicas. As descrições são detalhadas e costumam seguir uma sequência de começo, meio e fim, como se houvesse um ritual universal a ser inconscientemente seguido pelas personagens. As histórias são bem construídas e prendem o leitor ao longo de todo o livro.

Já em Ahtange Ferreira, autora de livros como, por exemplo, “Marcas Indeléveis – é possível recomeçar” (2012), “Psicopatia – o inimigo pode estar ao seu lado” (2013) e “Teu Olhar – uma mulher, dois homens e um desejo” (2015), a narrativa costuma correr em ritmo de bestseller. As tramas são minuciosamente elaboradas e as cenas eróticas beiram à sofreguidão, desenhando na mente do leitor cada detalhe da relação física, mas sem deixar de lado as implicações sociais e psicológicas que podem resultar dessas entregas. Ahtange não se limita a contar uma história, ela acaba tecendo uma rede de intrigas que serve também para alertar o leitor sobre algumas relações aparentemente banais, mas que podem ser perigosas.

A jornalista e escritora Mônica Moreira Lima é autora de dois livro de contos cujos títulos algumas pessoas preferem nem mesmo mencionar, por considerarem ofensivos: “Sexo para maiores de 18 (cm)” (2008) e “Pirocadas Avulsas” (2015). Em um estilo que prima pela brevidade e pela explicitação das intimidades das personagens, a autora consegue fazer o leitor rir das situações que são narradas. Os textos são curtos e certeiros, mas não são gratuitos. Deixam sempre alguma lição sobre temas que muitas vezes são vistos como intransponíveis tabus. Os contos de Mônica Moreira Lima são bem escritos e patrocinam bons momentos de leitura.

Por sua vez, a professora e escritora Everlany Corrêa, autora de “Diário de uma Separação” (2021), “Confissões de uma Amante” (2018) e “Amante para Casar” (2019) investe em uma literatura na qual a narradora apresenta um tom confessional, teoricamente fazendo um pacto autobiográfico com a autora, mas com trechos devidamente selecionados com a finalidade de causar a empatia com seu público-alvo. As histórias são geralmente narradas de uma forma cronológica e buscam manter uma coerência com relação às obras anteriores. Ao longo dos textos, a autora discute violência, fetiches, relacionamentos abusivos, tudo mesclado com descrições de cunho erótico em narrativas sem primeira pessoa.

Essas obras são geralmente voltadas para um público adulto. Algumas apresentam uma tessitura narrativa mais elaborada do que outras, mas todas podem oferecer bons momentos de entretenimento e até mesmo de aprendizagem. E, principalmente, seus autores e autoras merecem respeito, pois cada trabalho desse só chega às mãos dos leitores à custa de um grande investimento de tempo e de dinheiro por parte desses(as) escritores(as).

A literatura maranhense tem diversas facetas, e essas obras consideradas eróticas por muitos ajudam a compor nosso cenário literário. Vale a pena ler esses trabalhos.

2 respostas

  1. Eu me sinto maravilhada e que orgulho ser citada entre tantos e tantas autoras maravilhosas. Muito obrigada pelo carinho e acolhimento. Seguimos estudando, nos aperfeiçoando para entregar aos leitores histórias cada vez mais intigantes.

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