Heloísa Helena Santos de Sousa, a quinta de nove irmãos, nasceu em Caxias- MA e foi criada pelas ruas do Cangalheiro. Reside em São Luís, desde 1996.
Cursou Licenciatura em Letras na Universidade Estadual do Maranhão (Uema) e Artes na Universalidade Federal do Maranhão (Ufma). Tem especialização em Literatura Infantil Juvenil pela Uema. É professora do estado do Maranhão e município de São Luís.
Artista plástica em diversas áreas, como pintura em tecido, tela, painéis, paredes e outros materiais.
Escritora. Tem Um livro publicado, o romance Laura, e outros romances por publicar. Escreve também poemas, crônicas e contos.
DO CAPÍTULO MULHER
Hoje eu queria falar sobre algo que tem me incomodado. Os dias de maturidade enfim chegaram. Há uns cinco anos o ginecologista me perguntou sobre minha menstruação. Se eu ainda menstruava. E eu respondi que sim. Energicamente. Mas quase entro em depressão frente a esta pergunta. Aquilo ficou martelando na minha cabeça. Estou ficando velha. Todos os nódulos e cistos que ele disse que eu tinha, perdeu completamente a importância. E depois disso tudo mudou. Passei a ver o mundo com outros olhos. De outra perspectiva. Uma visão de futuro mais real. A famosa ficha caiu. E agora? O grande ciclo, o maior de todos e mais significativo estava chegando ao fim. A gente não percebe o tempo. Foram quantos ciclos menstruais desde a primeira vez, com o intervalo de duas gravidezes? Muitos, inúmeros, odiosos, sangrentos, doloridos, irritantes, indesejados, sujos, constrangedores… e esta semana me peguei com inveja da amiga que disse ter estado com cólicas e isso lhe impediu de ir a uma reunião importante. Inveja do inimaginável. Cinco anos depois, e quase dois de uma finada menstruação, eis que me aparece o pior. O pior de todo o sentir. Os homens jamais saberão ou terão ideia da desgraça que é a menopausa. Assim como não têm sobre menstruar, cólicas, seios doloridos, enjoos, dores nas pernas e costas mensais. Menopausa, o nome já é um palavrão. Algo que te aproxima da velhice, do fim… Fim de algo e início de outro, o que me vem à cabeça é a mulher, a pobre mulher. A pobre menina lavadoura de louça, roupa e banheiro, fazedeira de comida desde a mais tenra idade, a varredoura de casa. A com limites. Aquela que deve sentar direito, pois é uma menina. Aquela que a puberdade chega antes. Antes de sequer pensar em se vestir melhor, feito mocinha, ou deixar de colocar seus vestidinhos de boneca. Os laços na cabeça, as meias cor de rosa. Aquela que tem que aprender a lidar com sangue, quando isso lhe causa nojo e espanto. Que tem que ter modos. Que agora é uma mulher, sem nem saber direito o significado disso… e aí seu corpo lhe impõe um crescimento, prepara-a para ser mãe. Ah, mas eu não quero ser mãe! Eu quero só ser criança. Brincar de ser criança. Tomar banho de piscina, de mar, de chuva, sem nenhum incômodo, correr, jogar, ficar à vontade, sentar de qualquer jeito.
Ora, menina, mas ser mãe é o esplendor, é a virtude maior. Você é a dona da vida. Você fabrica a vida, a põe para fora, e a guia. Protege. E ama. Isso deve lhe bastar. E é assim. Ser mulher é uma sucessão de quereres alheios a você. Impostos a você. Há quem diga que seja por pagar pelo pecado original. Outra coisa que nunca entendi muito bem. Esse pecado, que a literatura apregoa que obrigou Deus a expulsar seus filhos humanos do Paraíso… Foi o pecado da carne? Mas como assim? Se Deus fez um encaixe perfeito. E se todos os outros animais eram para crescer e multiplicar, por que tal conselho não se estendeu ao bicho homem? Algo estranho acontece aí. E então você, mulher, deverá parir com dor. Dores terríveis. E amamentarás. E suportarás. E calarás. E… E… Quando tudo parece estar no lugar certo. Pronto. Acabou. Se livrou do incômodo da menstruação. Todos aqueles anos ficaram para trás. Nova vida. Enfim livre. Nada de absorventes incomodando, nada de lavar calcinhas com mais cuidado, mas o que você não sabia ainda é que agora começa a despencar tudo. O rosto muda, o corpo, a cintura, as pernas, a bunda. As pessoas começam a te chamar de senhora de verdade. De mãezinha e sei lá mais do que. Você se torna transparente para a maioria dos homens. Acabou para você como fêmea predadora. Agora é esperar os netos para caducar e ter outros momentos felizes. Ah se fosse só isso… E os malditos suores? Os suores que brotam não sei de onde e te encharcam por todo o corpo, independente da temperatura ambiente? Ah inferno. É o próprio inferno dentro de você. Um caldeirão dos infernos em ebulição… Sem falar no mal-estar, na irritação e sensação de loucura. O cérebro parece se comprimir repentinamente. Você tem a nítida impressão de que vai surtar. Uma sensação de enlouquecimento. E isso é diário. Não diário de uma vez ao dia. Mas de inúmeras vezes. Vai e volta. Vai e volta. Incontáveis vezes. Em qualquer lugar. Você está no trânsito e bah!! O rosto e o corpo ficam encharcados, está trabalhando e de novo, está conversando e tem que recorrer a lenços e lenços de papel. Até a roupa molha, já vi mulheres que parecem ter feito xixi na roupa. Bem, isso é o que acontece quando você deixa de menstruar… A loucura ronda a cabeça em momentos como esses… E isso é muito, muito grave. Ainda tem a reposição hormonal. Você vai fazer? Mas isso provoca câncer!! Eu não tomo nada. Mas isso é bom e você passa a experimentar tudo. Até um pé de amora eu já plantei no quintal. E nada. Mas dá para ter qualidade de vida, dizem outras. Dá, né? Pode ser. Não duvido de nada.
Bendita menstruação. Neste caso se aplica a velha máxima: ruim com ela, pior sem ela… Heheh
A única vantagem é você poder fazer amor todos os dias e toda hora. Dependendo do parceiro, e isso quando não seca e perde completamente a libido, o que é bastante comum.
Suores, se você não teve ou não tem, erga as mãos para os céus e agradeça. Todos os dias. Várias vezes ao dia.
2 respostas
Heloísa Helena Santos de Souza é uma construtora de narrativas nata, percebe-se, por imperativos de sua própria experiência de vida, que passa para sua obra romanesca, o que lhe confere maior valor, porque tem o viés autobiográfico, o peso memorialistico, daí a maturidade de sua obra, tão importante para despertar outras mulheres para o enfrentamento da realidade da mulher, em sua totalidade, vem como para trazer os homens para uma reflexão e consciência sobre sua metade. Parabéns a essa guerreira da vida e da escrita.
Belo e oportuno texto, Helena.
Questiona ideias tradicionais de que a mulher deve viver, conformadamente, suas peculiaridades exclusivas da natureza feminina, sem questionar/explicitar o desconforto e o “inferno” que isso provoca nas nossas vidas.
É uma denúncia e uma voz que deve ser ouvida para ser compreendida!