Desde criança, sempre gostei muito de ler. Leio todos os dias, sem pensar em fixar-me exclusivamente em um gênero, autor ou temática. Desde que voltei para minha terra, tenho tentando colocar-me a par do que acontece no ambiente cultural de meu povo. Vou a lançamento de livros, a peças teatrais, a exposições, a performances, a manifestações populares e a qualquer outro evento que possa me manter atualizado com relação às artes e à cultura.
Mesmo participando e respeitando todas as manifestações artísticas, sempre tive preferência pelas letras, não importando se elas viessem prosa ou em verso. Esse hábito de ler acabou fazendo com que eu ficasse familiarizado com a maioria dos escritores maranhenses. No entanto, vez ou outra sou surpreendido com a beleza da obra de alguns autores que até então eram desconhecidos para mim.
No final do mês e outubro de 2018, chegou às minhas mãos o livro O Rei do Vento (Belém, UFPA/Fórum Landi, 2014), do poeta, jornalista, publicitário e compositor maranhense Jamil Damous que em 17 de março de 2016 fez sua viagem rumo ao infinito. Devo à gentileza da acadêmica Laura Amélia Damous, irmã do poeta, o oportunidade de ler a obra desse escritor cuja obra apresenta uma dimensão poética de altíssimo nível estético.
Em duas centenas e meia de páginas, o livro traz enfeixados em si uma seleção de poemas de trabalhos anteriores do poeta, textos inéditos e uma coletânea de letras de músicas compostas por Jamil Damous. Trata-se, então de um livro que é, ao mesmo tempo, síntese de uma obra composta ao longo de toda uma vida de trabalho com as palavras, de uma seleta organizada ao gosto do próprio autor e de uma amostragem do que vinha sendo produzido pelo poeta até pouco antes de seu passamento.
Ao longo das páginas de seu livro, Jamil Damous demonstra que não era apenas um poeta intuitivo, mas sim um estudioso das formas, da estética, do ritmo e da necessária harmonia entre as palavras, os sons e as metáforas. Em sua concepção poética:
O poeta não tem público alvo.
Ele lança sua seta invisível
Para o próprio coração. (pág. 25)
No livro O Rei do Vento, o leitor encontra alguns dados biográficos do poeta, cujo nome completo é Jamil Miguel Damous Filho, informando que ele nasceu no município de Turiaçu, no ano de 1953, mas que cedo, aos dez anos de idade, deixou sua terra natal e foi viver na capital maranhense e depois em Belém do Pará, até finalmente se estabelecer no Rio de Janeiro. Além de poeta, Jamil Damous foi também exímio compositor e algumas de suas canções estão disponibilizadas na internet, quase sempre em parceria com Nilson Chaves.
Poeta de grande sensibilidade e de fino trato com as palavras, Jamil Damous sempre se preocupou em explorar o máximo da musicalidade das palavras e em tecer imagens a partir da confluência entre os aspectos sonoros dos versos e as múltiplas interpretações que podem advir de um trabalho estilístico que vai além das acepções encontráveis nos dicionários. Ironia e sensibilidade aguçada são duas das marcas essenciais de sua obra poética.
No poema intitulado Carta de Demissão, ele leva o leitor a refletir sobre alguns aspectos de uma vida que pode ser vista como dolorida missão que perde o sentido após cumprida. Em apenas quatro versos, ele destrinça incômodas situações que podem induzir (e conduzir) alguém a tomar decisões irreversíveis. Eis o poema:
Em um estilo curto e grosso
fez sua carta o suicida.
Pedia demissão
da sua missão cumprida (pág. 151)
Mesmo dominando com maestria tanto os poemas curtos como os de porte médio, o poeta, em seus versos, parecia demonstrar uma predileção pelo sintetismo, o que pode ser visto e comprovado na leitura do poema 14 versos tetrassílabos, no qual, simulando a estrutura gráfica de um soneto, enumera quatorze escritores que aparentemente servem como base para a elaboração de seus textos. Entre os poetas citados estão Mário Quintana, Manuel Bandeira, Manuel de Barros, Paulo Leminski, Nauro Machado e Adélia Prado, autores que se juntam a Ferreira Gullar, Rimbaud, Gonçalves Dias e muitos outros nomes das letras nacionais e/ou universais, mas que, de algum modo, remetem também a sua infância e a suas raízes em Turiaçu, que é um de seus focos de interesse poético.
Essa preferência pelos aspectos minimalistas da poética se reflete nas diversas investidas na composições de haicais (ou quase haicais, como ele mesmo nominou algumas de suas produções). Seu Poema Longo é bastante significativo quando se trata de observar-se sua capacidade de manusear as palavras, conforme pode ser visto abaixo:
Desculpa, primavera
pelo longo poema que te fiz.
Não tive tempo
para fazer um haicai. (pág. 195)
Ler a poesia de Jamil Damous é uma experiência bastante agradável para quem gosta de entrar em contato com autores que sabem mesclar a seriedade de temáticas às vezes controversas ou mesmo sentimentais com irônicas pitadas de um humor. Ele deixa claro em seu livro que poesia pode ser o local ideal para tudo, desde o contato com uma Aula Diária na qual se aprende que “Desde a juventude / o sol poente me ensina / a finitude” (pág. 211) até a fina ironia de versos como O Amor é Cego:
O porco a porca ama.
E ainda o acha
bom de lama (pág. 211)
Eis então mais um talentoso escritor que nos deixou fisicamente, mas que deixou para a posteridade belas páginas de uma poesia capaz de encantar a partir dos primeiros versos e de conservar esse encantamento até as linhas finais do livro.
Uma resposta
Meu querido irmão Jamil Damous, além de uma figura humana extraordinária,,deixou um legado de uma poesia densa e profunda , tão bem dissecada pelo professor confrade José Neres. Emocionada,agradeço! O poeta Jamil Damous merece ser mais conhecido! Este, é um valioso’passo’ nessa direção. Obrigada!