Friedrich Schiller, filósofo, historiador, poeta e dramaturgo alemão que viveu entre 1759 e 1805, é um dos mais influentes e profícuos espíritos do Idealismo e do Romantismo alemão. O presente texto se propõe a apresentar uma resenha de seu mais importante escrito filosófico, Sobre a educação estética do homem numa série de cartas, publicado pela primeira vez na Alemanha em 1795, na revista Die Horen por ele editada. Essa obra é composta por 27 cartas filosóficas trocadas entre Schiller e seu mecenas, o príncipe de Augustenburg, nas quais defende suas ideias estéticas sobre a necessária formação moral do homem mediante a beleza e a arte.
A divisão temática das 27 cartas se estrutura da seguinte forma: nas Cartas 1 a 9, Schiller afirma que o problema político do homem não pode ser resolvido senão pelo viés estético, uma vez que o verdadeiro Estado moral só será possível quando o caráter do homem for transformado antes pela beleza; nas Cartas 10 a 16, Schiller deduz o conceito de beleza a partir da natureza mista sensível-racional do homem; nas Cartas 17 a 27, Schiller demonstra, a partir de uma descrição da gênese do espírito humano, como o homem é formado esteticamente pelos efeitos da beleza. Ao longo desse último conjunto de cartas, Schiller atesta que quando o homem se encontra sob a influência de beleza, passa de seu estado primitivo a um “estado de jogo”. Este estado surge quando seus impulsos sensível e racional são simultaneamente ativados pelos efeitos do belo. Em seguida, Schiller faz uma digressão sobre as diferentes artes para definir o estado de liberdade em relação aos estados físico e moral. Por fim, mostra como a espécie humana, durante o curso de sua evolução e por obra da influência da beleza, passou do estado físico ao estético, preparando a transição para o estado moral.
O ponto inicial das reflexões estéticas de Schiller está na Revolução Francesa (1789-1799), principalmente nos anos de Terror que a sucederam, com a degradação dos valores de liberdade, igualdade e fraternidade, e com a consequente fragmentação do homem em relação a seus sentidos e razão. Schiller, como um observador de seu tempo, teceu duras críticas ao fracasso da Revolução e à inércia do Esclarecimento (Aufklärung) diante do intelectualismo teórico que, segundo ele, fora insuficiente para elevar o caráter moral do homem e formar uma sociedade civilizada. Para Schiller, o desenvolvimento da cultura teria gerado cisões entre os sentidos e a razão do homem, impedindo-o de atingir a totalidade de seu caráter e de solucionar seu problema moral pela revolução política. Schiller parte de e contra os preceitos da terceira Crítica de Kant e retoma os valores estético-morais e míticos da cultura da Grécia antiga para desenvolver sua teoria estética, cuja tese central preconiza que é por meio da beleza que se chaga à liberdade. Para ele, a solução do problema da liberdade política do homem só pode ser dada pela via estética. Por isso, Schiller insiste na necessidade da criação de uma cultura estética que seja capaz de embasar a formação moral do homem, para finalmente torná-lo agente da criação política do Estado e conduzi-lo à liberdade.
Opondo-se à ideia kantiana acerca do desinteresse do juízo estético, Schiller propõe um conceito objetivo para o belo tomando como princípio sua autonomia e dissociação das contingências da realidade e dos artifícios da razão unilateral. Para ele, uma vez a arte liberta das sujeições externas da realidade, tornar-se-á uma instância autônoma de tal modo que ficará apta para cumprir o papel de fomento à humanidade, tarefa atingida somente pela via estética.
Sob tal perspectiva, Schiller julga inviável pensar na separação entre as faculdades sensível e racional do homem, uma vez que a transformação da sociedade de um estágio de rudez a um estágio racional só poderá ser consumada efetivamente mediante o “impulso lúdico” (Spieltrieb), categoria que desenvolve para explicar a unificação do homem fragmentado e formar o homem Ideal, aquele capaz de perceber-se como matéria e espírito e intuir plenamente sobre sua humanidade.
Conforme Schiller, o processo de educação estética do homem se estabelece a partir da mediação do impulso lúdico – ou impulso estético – entre os impulsos sensível e formal, gerenciada pelos efeitos que a beleza produz naquele que a contempla em Estado de liberdade estética. Nesse processo, o impulso lúdico é o meio pelo qual o homem se torna capaz de solucionar, na prática, um problema de ordem política ou moral. É partindo desse princípio que Schiller acredita que a instituição de uma cultura estética se dá por meio de uma razão sensível e prática, desde que mediada pelo jogo lúdico. Assim, Schiller define os três conceitos fundamentais de sua teoria dos impulsos da seguinte forma:
“O objeto do impulso sensível, expresso num conceito geral, chama-se vida em seu significado mais amplo; um conceito que significa todo o ser material e toda a presença imediata nos sentidos. O objeto do impulso formal, expresso num conceito geral, é a forma, tanto em significado próprio como figurado; um conceito que compreende todas as disposições formais dos objetos e todas as suas relações com as faculdades de pensamento. O objeto do impulso lúdico, representado num esquema geral, poderá ser chamado de forma viva, um conceito que serve para designar todas as qualidades estéticas dos fenômenos, tudo o que em resumo entendemos no sentido mais amplo por beleza”.
O impulso lúdico, portanto, é uma tendência inata e imperativa do homem – tanto o criador, quanto o apreciador da arte – que pode ser orientada ou influenciada por processos educativos. Estes, por sua vez, devem visar ao progresso do indivíduo e da humanidade negando o antagonismo que a sociedade moderna estabeleceu entre o sentir e o pensar, isto é, entre os impulsos sensível e formal. Deste modo, caso o homem se deixe guiar somente pelo impulso sensível, tornar-se-á prisioneiro de sua natureza instintiva e de suas necessidades fisiológicas; caso seja conduzido exclusivamente por seu impulso formal, passará a ser vítima dos ditames de sua razão.
Nestes termos, se faz necessário e essencial ao homem desenvolver uma cultura estética para ter acesso ao Estado de liberdade, cuja origem reside nos princípios do belo e da arte autônomos, mas que pode se estender aos demais princípios morais das relações políticas, sociais e culturais. Portanto, caberá ao belo fornecer as condições ideias para viabilizar o processo da educação estética do homem.
Um homem fragmentado em sua natureza mista e individualizado no contexto de sua experiência, torna-se incapaz de realizar-se como homem Ideal. Mas, se este mesmo homem, partindo de si mesmo, colocar-se à disposição do belo, estará acionando os mecanismos que movem seus impulsos nos limites da própria experiência subjetiva emanada da beleza. Agindo assim, elevar-se-á à condição de homem lúdico unificado no belo Ideal, cujo caráter objetivo garante plenamente sua função moral.
Consciente dos embates antagônicos de seu tempo entre os impulsos sensível e formal, Schiller reconhece que a emergência de um Estado estético se configura uma tarefa difícil de se realizar devido à carência estética dos tempos – algo que pode ser aplicado muito bem aos dias atuais. Quanto a isso, Schiller afirma que “a fruição foi separada do trabalho” e que o homem se encontra “eternamente acorrentado a um pequeno fragmento do todo” podendo formar-se somente enquanto fragmento, por não desenvolver a “harmonia de seu ser e, em lugar de imprimir a humanidade em sua natureza, toma-se mera reprodução de sua ocupação, de sua ciência”. No processo de educação estética não se pode ignorar os limites da fragmentação do homem desumanizado, mas, pelo contrário, deve-se ter nesse fato o ponto fronteiriço que demarca o limite entre os impulsos sensível e formal no ato mesmo da intervenção do impulso lúdico em sua formação moral. É o equilíbrio entre o sensível e o racional que faz com que a percepção sobre a realidade perca a polarização que dificulta o pleno entendimento do homem sobre sua formação moral.
Mas, como o homem destituído de sua totalidade poderá reagir diante de suas limitações para se permitir tocar pela beleza moral? Caberá ao próprio homem, como ser genérico, vislumbrar uma cultura estética para si, do mesmo modo que caberá somente ao belo a tarefa de promover no homem essa sensibilização em relação tal anseio. O processo de educação estética deve estar atrelado a uma proposta formativa que busque desenvolver no homem uma relação sensível-racional para com o mundo e, sobretudo, mediada por uma dimensão ontocriativa que o conduza à liberdade. Chega-se a esse processo através de uma prática educativa pautada pela ética e pela estética, por pressupor um compromisso para com o bem-estar da vida e da coletividade, assim como para uma formação para a sensibilização da existência, capaz de fazer o homem voltar-se para seu estado natural original, para a partir dele, iniciar sua formação estética isenta das superficialidades dos sentidos grosseiros e dos racionalismos artificiais.
A partir daí, na proporção em que a arte atinge os sentidos do homem e, consequentemente, sua razão, se estabelece um diálogo e ao mesmo tempo uma análise antropológica sobre o objeto artístico e a beleza dela decorrente, unificando sua natureza sensível-racional. A arte, portanto, como produto da cultura humana, por mais que tenha assegurado seu caráter autônomo, terá na mediação da própria experiência estética, entre objeto artístico e sujeito fruitivo, realizado a plenitude da relação entre arte e vida, consumando aí sua função formadora moral.
Como bem disse Schiller, “[…] não existe maneira de fazer racional o homem sensível sem torná-lo antes estético”. Para o filósofo alemão, a beleza “não se intromete em nenhum empreendimento do pensar”. Na verdade, ela concede ao homem a faculdade do pensar, sem, no entanto, determinar seu uso efetivo. Porém, qualquer forma pura de reflexão para o homem sensível, tem que partir da “disposição estética da mente”.
Referência:
SCHILLER, Friedrich. A educação estética do homem: numa série de cartas. 8. reimp. Tradução de Roberto Schwarz e Márcio Suzuki; introdução e notas de Márcio Suzuki. São Paulo: Iluminuras, 2014. (Biblioteca Pólen).