terça-feira, 15 de outubro de 2024

O peso de um tapa

Publicado em 17 de abril de 2022, às 11:03

Um tapa, apenas essa palavra é o suficiente para saber o tema desta coluna. Se viu, se falou e se debateu milhares e milhares de vezes nos últimos dias. Will Smith, que poucos agora lembram que foi premiado como melhor ator, ofuscou sua própria vitória ao agredir o comediante Chris Rock, após uma piada de mau gosto sobre sua esposa, Jada Smith.

A também atriz, que sofre de uma doença que causa perda de cabelo, ouviu, junto com o restante do mundo, uma brincadeira sobre o fato de estar careca. A cara de desconforto foi o suficiente para Will levantar e estapear Rock. O momento, no mínimo constrangedor e chocante, não impediu o ator de receber seu prêmio alguns minutos depois. Mas passado alguns dias, tem lhe custado toda a carreira.

Apesar de, no Brasil, o ator que já é querido por aqui, ter recebido apoio e compreensão, em sua terra natal a reação foi completamente diferente. Smith, além de se desculpar, se demitiu do cargo na Academia que promove o Oscar, teve filmes e projetos pausados, e até chegou a se internar em uma clínica de reabilitação. A Chris Rock restou o papel de vítima, e nenhum pedido de desculpas à Jada.

Claramente uma ação como tal teria reação, e deve ter punimento, mas não é curioso a proporção que tal tapa tomou? Porque Will Smith vem sofrendo com tamanha punicação enquanto, históricamente, o Oscar premiou e continua premiando homens que são acusados de assedio, violência sexual, racismo, e violência domestica?

Cassey Afleck, irmão do também famoso ator Ben Affleck, foi agraciado com um Oscar de melhor ator mesmo com acusações de violência sexual em seu histórico. Apenas no ano seguinte, quando a história novamente voltou à tona, é que, pressionada pelo público, a Academia retirou o convite para que ele entregasse a premiação de melhor ator para o próximo agraciado.

Sem falar de Mel Gibson, uma figura envolta de polêmicas e histórico de violência doméstica, que em 2016 foi indicado ao Oscar de Melhor Diretor, uma das categorias mais honrosas da Academia. Há ainda Woody Allen, que além de vencedor do Oscar, ainda mantém seu prestígio no mundo cinematográfico mesmo com acusações de ter abusado da própria filha. Poderia citar muitos outros, a lista é gigantesca.

Então porque este tapa, desferido por um homem negro, pesa tão mais que outras violências ignoradas pela Academia? Na animação Bojack Horseman, que ironiza a vida das celebridades, ele diz que não pode ser preso por que isso afetaria sua campanha ao Oscar: “mas a Academia não liga para estupradores”, diz em seguida.

Minha intenção aqui não é diminuir uma agressão e muito menos saudá-la como correta. Mas o que vemos com o Will Smith é apenas o absurdo da hipocrisia da indústria cinematográfica, que, para estar bem aos olhos do público, condena em demasia um ator, pois seu erro foi fazer ali: ao vivo, na frente de todos, e não escondido por meio de “acordos” na justiça, e assessorias abafando o caso. O que está sendo punido aqui não é só a agressão, mas o constrangimento. E estamos falando da mesma Academia que não se constrangeu em indicar por anos apenas atores brancos….

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