Eu ouvi falar da Festa de São Sebastião de Cachoeira do Arari, no arquipélago do Marajó, quando li um trabalho entitulado “Agarrada Marajoara”, de autoria dos professores Fernando Pereira de Jesus e José Wildemar Paiva de Assis, ainda auxiliados por um senhor de nome Augusto, em Belém do Pará, no ano de 1997. Este trabalho, pioneiro sobre o tema, estava na biblioteca da Escola de Educação Física, da Universidade Estadual do Pará (UEPA), como uma coleta original e inédita para a Secretaria Estadual de Educação (SEDUC) do Pará . Na ocasião, eu frequentava diariamente a pista de corrida, a piscina e o ginásio desta Escola.
Em 2019, ou 2020, um colega pesquisador de lutas e artes marciais da Universidade Estadual do Ceará, o professor e profissional de Educação Física, Leandro Nascimento Borges, me procurou porque um colega em comum da capoeira Angola havia lhe dito que eu sabia algo sobre a luta. Lhe relatei que eu havia lido há anos o trabalho acima mencionado, mas nunca assisti ou aprofundei o tema. Leandro não teve dúvida, partiu para o Marajó e fez coleta para sua dissertação de mestrado sobre lutas brasileiras. A luta marajoara é citada na Base Nacional Curricular Comum (BNCC) muito recente, o que vem despertando interesse de pesquisadores nacionais.
Ainda em 1997, ou 1998, eu fui conhecer o Marajó com dois colegas de cursinho pré-vestibular. Nessa aventura, em Soure e Salvaterra, chegamos a ser presos por uma noite e um dia, pelo temido delegado Falcão, já falecido. A detenção se deu devido a um mal entendido bobo, e maldoso, por parte do caseiro e do delegado. Nós adentramos uma casa aparentemente abandonada para tomar banho, retirar a areia de praia do corpo, e por isso nos acusaram de invasão de propriedade. Não reagimos, até sorrimos durante, mesmo tendo apanhado de escopeta nas costas pelo tal delegado. Eu era de menor, tinha 17 anos, e nem podia ser arrastado assim, nem mesmo os colegas, sem mandado de prisão ou julgamento. Enfim, tudo se esclareceu e procuramos relaxar na praia do Pesqueiro, para logo irmos embora e nunca mais voltarmos ao Marajó, traumatizados que ficamos.
Voltando ao tema, foi Leandro quem me devolve o reinteresse sobre a luta. Resumindo muito, acabei por voltar ao Marajó para coletar dados no Primeiro Campeonato Paraense de Luta Marajoara em Ponta de Pedras, organizado pela recém-fundada Federação de Luta Marajoara, com a participação de professores, lutadores e referências locais. Em outro momento citarei seus nomes em espaço maior de escritura, fazendo justiça aos protagonizadores e lutadores atuais e antigos. Por enquanto, relato que eu acabei por conhecer o professor José Wildemar Paiva de Assis, o Lindão, frequentador e observador antigo da luta em solo marajoara, co-autor do trabalho acima mencionado. Lindão acabou por me explicar a função daquele trabalho junto ao professor de Judô registrado na SEDUC, recentemente me enviado digitalizado pelo professor Dário Pedrosa, ao que pude reler o trabalho após anos.
Então, eis que retornei em 2022 para conhecer o tradicional festejo católico popular de São Sebastião, que ocorre entre 10 e 20 de janeiro, com levante de mastros simbólicos com relação à época de chuvas e desejos de boas colheitas e pastagens, sendo que no dia 20 há o esperado torneio de Luta Marajoara, organizado em várias mãos como desde 2002, pelo filho local dr. Nelson Calandrine, também médico e pela família Araújo. Cidade que acolhe também o Museu do Marajó, fundado pelo padre italiano Giovanni Gallo, ali enterrado, instituição em reforma desde 2018, ainda fechada. Vale relatar que fui muito gentilmente acolhido na casa do Mestre César (Augusto César dos Santos Araújo), líder da Delegação de Cachoeira do Arari de Luta Marajoara, filho do senhor João Magno Araújo, lutador antigo, o qual é uma biblioteca viva sobre a época na qual não havia torneios e era somente atividade lúdica-corporal nas fazendas por onde trabalhou como vaqueiro, dada a tradição de criação de búfalos na região, também.
Por fim, curioso, corporalmente curioso, judoka, angoleiro, acabei por participar de uma luta com o campeão local dos pesos pesados, conhecido como Xaréu. Claro que perdi a luta, ganhei premiação simbólica: uma taça de segundo lugar e uma quantia generosa de 400 reais. Ora, fora 10h de ônibus desde Imperatriz e mais 3h de barco até chegar ali para não lutar!? Risos, ainda jovem, na meia idade, aguento uma suadeira nervosa e taca sob um sol escaldante de meio-dia marajoara. Valeu a vivência, a experiência, a acolhida generosa de Carlos e família e amigos como a do Ademilton Gonçalves Leal (o Adê), o leite de onça (feito com leite de búfala e álcool 96º), a linguiça caseira, o frito de gado do vaqueiro marajoara, e ainda pato no tucupi, porco assado na brasa, o calor, o carinho, o conhecer mais um pouco o Marajó que já me prendeu e depois me liberta ao me prender novamente na ideia de um retorno e tão logo possa lutar e recorrer à matalutagem (matar a fome, segundo Lindão)… Gratidão, Marajó!