segunda-feira, 7 de outubro de 2024

MAIS QUE ESTIMAÇÃO

Publicado em 20 de setembro de 2021, às 17:57
Imagem: Beatriz Virgínia, "mae" do Bruce, que é "neto" do autor,

O nome ‘estimação’ deveria ser trocado, em se tratando de animais. Procurei em dois dicionários o significado do verbete. Ambos dizem a mesma coisa: “estima, apreço”. Mas todo mundo que tem animaizinhos em casa sabe que a relação que, com o tempo, se estabelece, vai muito além de “estima, apreço”. É, numa expressão, uma “relação de amor”.

Amor, na mais ampla acepção deste termo. Quer ver? Quando você ganha um bicho de estimação, qual é a primeira coisa que faz? Bota um nome nele. E aí ele deixa de ser “cachorro”, “gato”, “rato”, “iguana”, “papagaio” para virar “Bob”, “Princesa”, “Mickey”, “Rafael”, “Bruce”, “Branquinha”, “Scoob” e mais o que a sua imaginação definir. E perceberam? Nomes com iniciais maiúsculas. É uma coisa séria. É a primeira prova de amor.

A segunda prova de amor é o cuidado. E aí o limite não tem limite. Banho, tosa, perfume, roupinhas apropriadas, veterinário, comida específica (em alguns casos, balanceada), caixinhas de terra, toalhas personalizadas, passeios, bichinhos para brincar, hospedagem quando viaja, viagens quando é permitido, motel, o lugar preferido na cadeira, um lugarzinho no canto da cama, foto no porta-retrato, milhões de fotos pelas redes sociais, bolo de aniversário. É uma vida dedicada àquela criaturinha, repositório da parte melhor de você. Em muitos casos, dividindo essa parte com os filhos. Outras vezes, no lugar deles.

A última prova de amor é a saudade que eles deixam, quando vão embora. É uma dor imensa, em alguns casos se transformando numa depressão, na síndrome do ninho vazio. Quem está de fora acha exagero. Fricote. Faniquito. Chilique. “Por que não adota uma criança?”. Não entendem. O buraco é mais embaixo. É uma vida que estava ao lado da sua, por anos a fio, a depender da resistência de cada animal. Estava ali, acompanhando, guardando, ouvindo, acarinhando, perto de você. Isso cria um laço eterno. Lembro quando os jornais anunciaram o incêndio na casa do marchand romeno Jean Boghici, uns anos atrás, no Rio de Janeiro. Ele era um dos mais importantes colecionadores de arte do país. O fogo consumiu grande parte da sua coleção, avaliada em alguns milhões de reais. E aí ele vai à TV e diz isso: “— O meu sentimento é de raiva e vingança. Vou fazer uma bela exposição. Estou muito chateado e com vontade chorar. Não por causa dos quadros, mas pela minha gata que morreu. Estou muito traumatizado pela perda da minha gata Pretinha. Ela dormia do meu lado”. É isso, para quem entende isso, apenas.

Para quem gosta de literatura, como eu, vão algumas relações, belas relações homem-bicho. A verdadeira personificação da cadela Baleia, em Vidas Secas, é a primeira. Baleia era quase um ser humano, tão entrelaçada estava àquela família de famélicos retirantes. Ou era um bicho humanizado, como Fabiano, o líder da família e personagem principal. Foi construída com primor por Graciliano Ramos. Guimarães Rosa adorava gatos. E Machado de Assis, no romance Quincas Borba, fez com que o mordomo da personagem central ficasse com a sua herança, com a obrigação, em testamento, de  cuidar do seu cachorro, também chamado Quincas Borba. Tem maior prova de amor maior que essa?

Muita gente tem um monte de explicação para isso. Os especialistas rapidamente acham uma explicação filosófica, antropológica, sociológica, psicológica, psicanalítica, biológica, teológica, transcendental, educacional para encaixar essa relação num conceito. O Machado de Assis apresenta, em um dos seus textos, o conceito da alma exterior, que é aquilo (um ser, uma coisa) para o que o ser humano transfere a sua capacidade de ser feliz. É como se fosse o seu copo de felicidade,bebido sistematicamente. Eu prefiro achar que o Homem não vive sem amor – uma frase bem brega, mas que explica tudo isso.

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