domingo, 1 de dezembro de 2024

O fundamentalismo religioso e político social contemporâneo.

Publicado em 3 de setembro de 2021, às 8:08
Fonte: Márcia Castelo Branco – Administradora de marketing, mestre em educação, professora, escritora e membro da Academia Açailandense de Letras.
Imagem: Fotos: ONU/Fardin Waezi e Carolina Antunes/PR

A expressão “fundamentalismo” é fonte de muita discussão na atualidade, ouvir esse termo, ler sobre o assunto, assistir em noticiários têm se tornado cada vez mais comum em debates públicos, fundamentalismo religioso, político, econômico, das políticas bélicas, fundamentalismo da ideologia política do neoliberalismo etc.

O termo “Fundamentalismo” geralmente está associado a um sentido negativo denotando  intolerância, ideias sectárias e inflexibilidade sobre crenças, culturas ou doutrinas.

No âmbito religioso, a palavra “fundamentalismo” também se associa a atos violentos, como o terrorismo, e a regimes políticos teocráticos, podendo, assim, ser confundida com outras duas expressões: fanatismo e extremismo (ou ainda sectarismo).

Mas o que é de fato o fundamentalismo? Uma inversão religiosa, aclimação do ódio, atitude de intransigência ou rigidez, Doutrinação, Fanatismo político ou religioso, por que tudo isso está tão explícito nessa sociedade contemporânea?

O fundamentalismo faz parte da história, o termo surgiu no começo do século 20 nos EUA, quando protestantes determinaram que a fé cristã exigia acreditar em tudo que está escrito na Bíblia. Esse fenômeno teve início a partir da intepretação da escritura bíblica por teólogos presbiterianos no Seminário Teológico de Princeton, no final do século XIX.

Segundo a pesquisadora Karen Armstrong, em sua obra Em nome de Deus – o fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo, a expressão foi formalmente definida pela primeira vez em 1920 por um pastor americano da Igreja Batista, chamado Curtis Lee Laws. Curtis Laws estava vinculado ao movimento protestante americano que era contrário ao segmento protestante liberal de fins do século XIX.

O fundamentalismo foi um dos fatos mais alarmantes do século XX, o surgimento de uma devoção militante dentro das tradições religiosas, na maioria das vezes com manifestações assustadoras com requintes de crueldade.

Os fundamentalistas são a representação do avesso a valores vistos como positivos da sociedade moderna. Tolerância a diversidades, tolerância religiosa, liberdade de expressão paz mundial e divisão entre Igreja e Estado.

Não vamos aqui aprofundar todas as vertentes do fundamentalismo, porém vamos ser breves em destacar situações bem atuais  em duas circunstâncias pertinentes ao nosso objetivo neste artigo,  em que  contemplamos na prática as consequências fundamentalistas nos viés religioso e político, a ‘supremacia fundamentalista’ no Brasil, onde se destacam discursos e manifestações com caráter medievalista com a super valorização da religiosidade alinhada a grupos ou bancadas cristãs que se misturam a projetos políticos, ambos defendendo um conceito de direita conservadora que intervém  “a honra, a família e os bons costumes”, entre outros valores. (“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”). Jargão eleitoral do atual governo.  Em outro espaço, nos deparamos com a situação caótica do Afeganistão onde  recentemente se agrava a crise histórica que destaca uma nação que narra uma trajetória dramática em busca de sua própria identidade, hoje  sob o comando do grupo extremista Talibã que retomou o poder sobre o país após 20 anos e impõe uma interpretação radical das leis islâmicas à sociedade.

Neste caso, o que acompanhamos estupefatos é uma realidade da imposição do fundamentalismo ou renascimento islâmico, com uma face assustadora da interpretação da Lei Islâmica Sharia. A Sharia é o sistema jurídico do Islã. É um conjunto de normas derivado de orientações do Corão, falas e condutas do profeta Maomé e jurisprudência das fatwas – pronunciamentos legais de estudiosos do Islã. Em uma tradução literal, Sharia significa “o caminho claro para a água” (méritos G1).

 Nos estados islâmicos, não existe uma divisão entre direitos, política e religião como acontece no ocidente, todas as leis são fundamentadas na religião e baseadas nas escrituras sagradas ou nas opiniões de líderes religiosos. O Alcorão é a mais importante fonte da jurisprudência islâmica, sendo a segunda a Suna (obra que narra a vida e os caminhos do profeta). Uma religião monoteísta centrada na vida e nos ensinamentos de profeta Maomé, que teria recebido revelações do Arcanjo Gabriel, todo indivíduo que pratica o Islã é mulçumano, eles praticam dogmas da oração, jejum no mês de Ramadã, peregrinação a Meca e o estudo do Alcorão.

 O Islamismo é a segunda maior religião do mundo e também a que mais cresce no planeta. No entanto, o Islamismo é sempre uma preocupação de um modo geral, uma vez que existe uma associação do islamismo a grupos terroristas e do extremismo religioso, o que pode ser um equívoco olhando por um ponto de vista mais profundo sobre a religião e seus costumes. A onda anti-islâmica já existe desde os ataques às torres gêmeas em 2001, nos Estados Unidos, organizados pelo grupo fundamentalista sunita Al Qaeda, este episódio reacendeu a preocupação contra fundamentalistas, porém nos últimos anos o preconceito contra pessoas da religião muçulmana vem aumentando, sobretudo por parte de nacionalistas europeus, que também criticam o movimento de entrada de refugiados em seus países, assim como políticos dos Estados Unidos.

Imagem: Fotos: ONU/Fardin Waezi e Carolina Antunes/PR

O fundamentalismo, porém, não é parte do Islamismo ou de qualquer outra religião ou crença, o que acontece é a interpretação de alguns grupos, que querem impor a sua visão sobre a sociedade. A realidade hoje do Afeganistão é um exemplo das ações desses grupos extremistas, o País é dominado pelo grupo Talibã considerado extremista e violento, no entanto para o mesmo existem outros grupos combatentes também fundamentalistas e violentos que agem em defesa do que acreditam sustentar a originalidade da guerra santa,  como o caso recente do duplo atentado suicida na quinta-feira, 26 de agosto, no aeroporto internacional de Kabul, capital do Afeganistão  assumido por um braço islâmico, o estado islâmico do khorosan, um grupo terrorista que combate o Talibã  e o acusa de lacaios dos americanos, desde as negociações de retiradas das tropas americanas do país. Dezenas de afegãos foram atingidos, famílias inteiras mortas, entre os mortos também soldados americanos. O que agrava ainda mais o problema naquela região.

Assim como grupos fundamentalistas islâmicos como a Al Qaeda, o Boko Haram e o Estado Islâmico, há grupos fundamentalistas também no Judaísmo, como o Kach Kahane Chai – que objetiva restabelecer os territórios judaicos como determina a Torá e expulsar os palestinos da região – e no Cristianismo, como Christian Voic////e (Voz Cristã), da Inglaterra – que condena o divórcio, as clínicas de aborto e faz a promoção da cura de homossexuais (politize.com.br).

Em um momento extremamente dramático para a história do Islamismo, assistimos o medo do povo Afegão que, após 20 anos, está novamente diante a face mais cruel e fundamentalista do islã e o que fica evidente é a grave ameaça a direitos adquiridos naquele país, principalmente pelas mulheres.

Contudo, quando comparamos ambas situações, em um contexto sociocultural, é importante ressaltar que o fundamentalismo seja no viés religioso ou político praticado em qualquer sociedade, levanta uma grande preocupação das nações quanto a uma ameaça à democracia e direitos adquiridos, em qualquer parte do mundo.

O fundamentalismo político e religioso no Brasil.

Karen Armstrong, no livro EM NOME DE DEUS: O fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo, discorre sobre o tema da seguinte forma:   os fundamentalistas islâmicos e judeus têm uma visão exclusivamente religiosa do conflito árabe-israelense, que começou como uma disputa secularista. Mas o fundamentalismo não se limita aos grandes monoteísmos. Ocorre também entre budistas, hinduístas e até confucionistas que rejeitam muitas das conquistas da cultura liberal, lutam e matam em nome da religião e se empenham em inserir o sagrado no campo da política e da causa nacional.

 É possível afirmar que, nos últimos anos, conforme o crescimento do cristianismo local, os discursos tradicionalistas e conservadores refletem a dicotomia razão e fé. Esse fenômeno fica muito claro principalmente no cenário político atual do Brasil, marcado por manifestos religiosos de correntes protestantes comandadas por líderes religiosos em prol de apoio político ao atual presidente, Jair Messias Bolsonaro e a bancada evangélica de Brasília. Como afirma Karen Armstrong, uma clara intervenção do sagrado no campo da política, nuca antes esse fenômeno ocorreu com tanta precisão no Brasil como agora.

Neste momento, ou virada de século, o mundo mais uma vez passa por uma profunda transformação e apresenta um novo tipo de sociedade, com hábitos de vidas moldados em novos costumes e culturas, novas formas de pensar e agir, novos valores e formas de vida também pautados nas novas tecnologias. Sendo assim, brotam nesse novo mundo grupos ou religiões com conceitos tradicionalistas que resistem à nova civilização e começam a estabelecer nessa sociedade uma narrativa do que é conservador, ou do que precisa ser restaurado e prevalecido, usando sempre uma percepção do passado para construir a mesma sociedade, negando a razão e criando mitos, uma forma de sustentar suas crenças e culturas, isso sempre aconteceu ao longo da história, é o que vivemos claramente em nossa sociedade atual.

Uma nota assinada por organizações brasileiras que participaram do debate “Intolerância Religiosa no Brasil: Direitos Humanos – Novos Fundamentalismos – Exclusão”, que aconteceu em 17/03/ 2021, em São Paulo. Faz a seguinte afirmação: “O fundamentalismo religioso é resultado de uma estratégia que ameaça e busca controlar as democracias.” Ainda no debate, Elaine Neuenfeldt, do Programa Global de Justiça de Gênero da Aliança ACT aponta que “A confluência dos fundamentalismos políticos, religiosos, econômicos e sociais resultam nesse movimento de intolerância que, em sua maioria, são movidos pelo ódio à diversidade”.

O fato de o fundamentalismo vir ganhando espaço na política não é um acontecimento recente, sua forma politizada deu início nas décadas de 70 e 80 nos Estados Unidos, com o movimento conservador “maioria moral”. Tinha à frente o pastor Jerry Falwell, que, assim como no Brasil, na época conseguiu levar ao poder líderes de direita como Ronald Reagan. O grupo era contrário às emendas de igualdade de direitos aos homossexuais, abortos e os tratados de desarmamento, mesmas causas defendidas pelos conservadores bolsonaristas no cenário atual do Brasil. O fundamentalismo no Brasil ganhou força com a inserção dos evangélicos na política (bancada evangélica) e uma parte de católicos também ditos conservadores. Por ser um movimento que resiste às novas contingências históricas e políticas, é comum a falta de reconhecimento a grupos que representam uma diversidade cultural ou moral.

Deste modo, segundo Boff, o fundamentalismo religioso, em suas variadas nuances contingenciais, encontra como eixo estruturante a ofensiva contra direitos adquiridos pela luta política das mulheres e de minorias sexuais, tais como homossexuais, travestis, transexuais e profissionais do sexo (Boff, 2002; Santos, 2013a).

Resumindo, o fundamentalismo religioso e político no Brasil se destaca como uma força de oposição contemporânea, força essa contrária aos ideais democráticos, com ênfase a ataques à democracia, diante de discursos de ódio, ameaças a autoridades e ataques à imprensa etc. “Tudo em nome de Deus, da família e dos bons costumes”.

No contexto brasileiro, a incidência do discurso religioso de viés fundamentalista na agenda política tem sido debatida por vários autores (Cunha, Lopes e Lui, 2017; Lionço, 2015; Natividade, 2016; Natividade, & Oliveira, 2013; Vital, & Lopes, 2013), com ênfase para o caráter antidemocrático da incidência dos discursos religiosos na política, e mais especificamente decorrendo de retrocessos na agenda de direitos humanos (Tatiana Lionço Universidade de Brasília, DF, Brasil).

O Brasil parte de um cenário político polarizado que teve destaque com os movimentos pró-direitas e surgimentos de grupos como o MBL (Movimento Brasil Livre) que tomaram as ruas contra o governo em 2013, motivados por várias razões, entre elas as várias denúncias de corrupção no Governo, desvios de verbas públicas, entre outras reivindicações. É nessa conjuntura   que o País se divide em esquerda e Direita. Porém, dentro de um espectro polarizado onde o diálogo e as discussões amigáveis muito raramente têm espaço, é nestes casos que manifestações de atos intolerantes e de difamação, ódio e desrespeito surgem como uma espécie de disseminação da dúvida e da discórdia, com o intuito de atingir seus adversários, contudo em uma sociedade conectada e de comunicação horizontal descentralizada, a internet passa a ser um veículo de propagação das Fake News, outro fenômeno que cresce assustadoramente na sociedade em rede e contribui para todo tipo de movimento social, pacíficos ou não.

Enfim, o fundamentalismo no Brasil também apresenta suas características próprias, com aspectos comuns a um contexto geral do tema. O que parece normal no contexto político atual é exatamente um manifesto de direita conservadora e de esquerda caracterizada pela defesa de uma maior igualdade social. Que ambas, para defender seus valores, princípios, crenças ou ideologias, protagonizam um comportamento fundamentalista promovendo a   segregação social.

 Fundamentalismo: manifesto à intolerância religiosa, à discriminação racial, à divergência de pensamentos, à perseguição aos grupos minoritários, o ataque à imprensa, a perseguição de opositores, a disseminação da mentira e do medo, a incitação da violência, o armamento da população, a negação da realidade, a isenção do erro, o discurso do ódio, o ataque a determinadas classes, questionamento sobre a ciência e, entre esses, a ameaça sobre a democracia e os direitos humanos. Tudo isso não é uma mera coincidência no cenário político do Brasil neste momento, é o advento secular do fundamentalismo religioso que marca, de forma violenta, as transições sociais do mundo. 

Referências

Boff, L. (2002). Fundamentalismo: a globalização e o futuro da humanidade. Rio de Janeiro, RJ: Sextante.

Psicologia: Ciência e Profissão 2017 v. 37 (núm. esp.), 208-223.https://doi.org/10.1590/1982-3703160002017

Artigo: Psicologia, Democracia e Laicidade em Tempos de Fundamentalismo Religioso no Brasil -Tatiana Lionço – Universidade de Brasília, DF, Brasil.

BBC NEWS – BRASIL

G1. Portal de notícias da Globo  HILDEGARD KAREN ARMSTRONG – O fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo -1ª EDIÇÃO Dezembro de 2009 – Companhia de

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