terça-feira, 10 de dezembro de 2024

Lúcia Santos: de Batom Vermelho

Publicado em 27 de julho de 2021, às 9:37
Imagem: Divulgação

A escrita em si é uma das formas mais verdadeiras de expressar a verdade de cada um. É através dela que nos expomos e mostramos nosso lado mais frágil, mais duro, mais real. Escrever é a liberdade expressa através das palavras. É na escrita que dizemos o que realmente sentimos. E é na escrita poética mais especificamente, que o eu poético de cada um consegue ultrapassar todas as barreiras, demonstrando toda fragilidade e força do autor ou autora.

 Quando o autor se vale da poesia como forma de expressão, é absurdamente necessário que essa voz seja ouvida e entendida pelo leitor, pois assim as palavras não são ecoadas em vão, seja homem, seja mulher, cada um tem seus princípios, suas marcas registradas e o que cada um traz consigo faz com que cada palavra não se torne obsoleta, mas que seja capaz de transmitir ideias, marcas, opiniões, deixando para a sociedade um pouco de si.

A exemplo disso, temos Lúcia Santos, mulher que sempre esteve à frente de nosso tempo. Ela é o eu lírico que fala o que pensa, escreve o que quer e publica o que tem vontade. Para a autora de Batom Vermelho, a sociedade é só um espaço físico e geográfico em que ela ocupa (dependendo do lugar em que ela esteja). A vivacidade de seu corpo e de sua alma está expressa e muito bem claro em seus textos. Lúcia não é artificial, como é possível observar nos versos do poema Plastificada, pois,

            A flor de plástico

                                    Verde-oliva

            Nos meus dedos gira

Rodopia

                                   E assim

O meu olhar desvio

Do coração em carne viva

                                   Vermelho-sangue

Lúcia Santos, natural de Arari e irmã de Zeca Baleiro, começou a carreira fazendo “versinhos ingênuos”, como disse ela e  que aos poucos foram caindo nas graças da vida. Sua primeira aparição foi em 86, em um concurso da Fundação Bandeira Tribuzzi, onde ganhou seu primeiro prêmio. Mais tarde participou do 8º Festival Maranhense de Poesia Falada, onde ficou em 3º lugar. Está presente nas coletâneas Mulheres Emergentes, Belo Horizonte e Circuito de Poesia Maranhense. Lúcia Santos é poeta, escritora, atriz e letrista brasileira. É autora de Quase Azul Quanto Blue (1992), Batom Vermelho (1997), Uma Gueixa Para Bashô (200) Nu Frontal com Tarja (2016).

Lendo Lúcia Santos, a maioria das mulheres com certeza se identificarão automaticamente, pois sua poética é como o reflexo de nós mesmas. Seus textos jorram o mais claro contentamento e expressão de fala no mundo. A poesia de Lúcia é ainda carregada de simbologia que percorre o ato mais corriqueiro da vida até o mais sombrio comportamento do ser humano, como nos versos a seguir, onde a autora discorre as mazelas pelas quais passamos nos momentos de baixo astral. O poema é Ato Falho e pode ser encontrado na obra Batom Vermelho.

Quando sinto saudade

                                          eu canto

como um chocolate

tomo chá mate com hortelã

suco de maracujá

                             lexotan

camomila com romã

quando tenho frio

                            me aqueço

uso cobertor de lã

meias luvas agasalhos

me visto até pelo avesso

fecho janelas

acendo velas ao meu protetor

rogo aos anjos que conheço

pra ver

se cometo um ato falho

                                      e te esqueço

A poesia de Lúcia é carregada de simbologia que percorre o ato mais corriqueiro da vida até o mais sombrio do ser humano, pois assim a palavra é sua maior ferramenta para seguir a vida, para ela, um dia nunca é igual ao outro, como podemos observar no texto

Arroz com feijão

                               Todo dia

Só para quem tem anemia

E meias palavras

 A escritora, poeta, atriz e escorpiana Lúcia Santos nunca se deixou levar pelas mesmices da vida, seus textos, repletos de figuras do cotidiano, sempre tiveram algo a dizer à sociedade, a exemplo disso temos o  Fio Terra

Você diz que poesia não dá ibope

pois meta seu dedo sem tato

na tomada da palavra

pra ver se ela não choque

Lúcia Santos dá voz a seus textos, mesmo falando de temas tão banais, a autora acaba envolvendo o leitor em seu emanharado mundo da poesia, nos fazendo viajar em um vôo que nos leva distantes da realidade e nos faz ao mesmo tempo aterrissar em uma realidade bem próxima. Na verdade, a literatura em geral e, mais especificamente, a poesia, tem essa função, de dar asas ao leitor para que ele pouse onde quiser e como quiser interpretar nas entrelinhas, como vemos nesse belo poema Flash

no susto

um gato pula

do mamoeiro ao muro

                                       com precisão

distraidamente

leio um poema

como quem desgruda

as patas

                                        do chão     

Na poesia, cada verso, cada estrofe, cada musicalidade que está expressa no texto é a forma com que o autor ou autora se valeu no momento da criação para expurgar os sentimentos guardados dentro de si. Como no teatro, onde a magia do palco faz com que cada ator ou atriz empreste seu corpo para que o personagem possa falar exercendo uma função de maniqueísta de transformação no bem, no mal, no belo, no feio.

Escrever é expressar sentimentos, é dá vida à própria vida. Para quem conhece a autora, é possível perceber uma pessoa de personalidade forte, mas que ao mesmo tempo podemos ver uma mulher também delicada, como é possível se perceber no poema a seguir: CUIDADO: FRÁGIL

me trate como eu mereço

me farte sem que eu peça

me afague pra que eu cresça

me guarde louça

                          pra que eu não quebre

Enfim, a poesia mesmo em sua sutileza, muitas vezes esconde ou mostra de forma clara o eu do autor ou autora. No caso específico de Lúcia Santos, ela não economiza as palavras para dizer o que realmente quer expressar.

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