A escrita em si é uma das formas mais verdadeiras de expressar a verdade de cada um. É através dela que nos expomos e mostramos nosso lado mais frágil, mais duro, mais real. Escrever é a liberdade expressa através das palavras. É na escrita que dizemos o que realmente sentimos. E é na escrita poética mais especificamente, que o eu poético de cada um consegue ultrapassar todas as barreiras, demonstrando toda fragilidade e força do autor ou autora.
Quando o autor se vale da poesia como forma de expressão, é absurdamente necessário que essa voz seja ouvida e entendida pelo leitor, pois assim as palavras não são ecoadas em vão, seja homem, seja mulher, cada um tem seus princípios, suas marcas registradas e o que cada um traz consigo faz com que cada palavra não se torne obsoleta, mas que seja capaz de transmitir ideias, marcas, opiniões, deixando para a sociedade um pouco de si.
A exemplo disso, temos Lúcia Santos, mulher que sempre esteve à frente de nosso tempo. Ela é o eu lírico que fala o que pensa, escreve o que quer e publica o que tem vontade. Para a autora de Batom Vermelho, a sociedade é só um espaço físico e geográfico em que ela ocupa (dependendo do lugar em que ela esteja). A vivacidade de seu corpo e de sua alma está expressa e muito bem claro em seus textos. Lúcia não é artificial, como é possível observar nos versos do poema Plastificada, pois,
A flor de plástico
Verde-oliva
Nos meus dedos gira
Rodopia
E assim
O meu olhar desvio
Do coração em carne viva
Vermelho-sangue
Lúcia Santos, natural de Arari e irmã de Zeca Baleiro, começou a carreira fazendo “versinhos ingênuos”, como disse ela e que aos poucos foram caindo nas graças da vida. Sua primeira aparição foi em 86, em um concurso da Fundação Bandeira Tribuzzi, onde ganhou seu primeiro prêmio. Mais tarde participou do 8º Festival Maranhense de Poesia Falada, onde ficou em 3º lugar. Está presente nas coletâneas Mulheres Emergentes, Belo Horizonte e Circuito de Poesia Maranhense. Lúcia Santos é poeta, escritora, atriz e letrista brasileira. É autora de Quase Azul Quanto Blue (1992), Batom Vermelho (1997), Uma Gueixa Para Bashô (200) Nu Frontal com Tarja (2016).
Lendo Lúcia Santos, a maioria das mulheres com certeza se identificarão automaticamente, pois sua poética é como o reflexo de nós mesmas. Seus textos jorram o mais claro contentamento e expressão de fala no mundo. A poesia de Lúcia é ainda carregada de simbologia que percorre o ato mais corriqueiro da vida até o mais sombrio comportamento do ser humano, como nos versos a seguir, onde a autora discorre as mazelas pelas quais passamos nos momentos de baixo astral. O poema é Ato Falho e pode ser encontrado na obra Batom Vermelho.
Quando sinto saudade
eu canto
como um chocolate
tomo chá mate com hortelã
suco de maracujá
lexotan
camomila com romã
quando tenho frio
me aqueço
uso cobertor de lã
meias luvas agasalhos
me visto até pelo avesso
fecho janelas
acendo velas ao meu protetor
rogo aos anjos que conheço
pra ver
se cometo um ato falho
e te esqueço
A poesia de Lúcia é carregada de simbologia que percorre o ato mais corriqueiro da vida até o mais sombrio do ser humano, pois assim a palavra é sua maior ferramenta para seguir a vida, para ela, um dia nunca é igual ao outro, como podemos observar no texto
Arroz com feijão
Todo dia
Só para quem tem anemia
E meias palavras
A escritora, poeta, atriz e escorpiana Lúcia Santos nunca se deixou levar pelas mesmices da vida, seus textos, repletos de figuras do cotidiano, sempre tiveram algo a dizer à sociedade, a exemplo disso temos o Fio Terra
Você diz que poesia não dá ibope
pois meta seu dedo sem tato
na tomada da palavra
pra ver se ela não choque
Lúcia Santos dá voz a seus textos, mesmo falando de temas tão banais, a autora acaba envolvendo o leitor em seu emanharado mundo da poesia, nos fazendo viajar em um vôo que nos leva distantes da realidade e nos faz ao mesmo tempo aterrissar em uma realidade bem próxima. Na verdade, a literatura em geral e, mais especificamente, a poesia, tem essa função, de dar asas ao leitor para que ele pouse onde quiser e como quiser interpretar nas entrelinhas, como vemos nesse belo poema Flash
no susto
um gato pula
do mamoeiro ao muro
com precisão
distraidamente
leio um poema
como quem desgruda
as patas
do chão
Na poesia, cada verso, cada estrofe, cada musicalidade que está expressa no texto é a forma com que o autor ou autora se valeu no momento da criação para expurgar os sentimentos guardados dentro de si. Como no teatro, onde a magia do palco faz com que cada ator ou atriz empreste seu corpo para que o personagem possa falar exercendo uma função de maniqueísta de transformação no bem, no mal, no belo, no feio.
Escrever é expressar sentimentos, é dá vida à própria vida. Para quem conhece a autora, é possível perceber uma pessoa de personalidade forte, mas que ao mesmo tempo podemos ver uma mulher também delicada, como é possível se perceber no poema a seguir: CUIDADO: FRÁGIL
me trate como eu mereço
me farte sem que eu peça
me afague pra que eu cresça
me guarde louça
pra que eu não quebre
Enfim, a poesia mesmo em sua sutileza, muitas vezes esconde ou mostra de forma clara o eu do autor ou autora. No caso específico de Lúcia Santos, ela não economiza as palavras para dizer o que realmente quer expressar.