quarta-feira, 1 de maio de 2024

LENDO NATÉRCIA GARRIDO

Publicado em 25 de junho de 2021, às 7:16
Imagem: Amazon

Vivemos algemados aos pulsos e aos impulsos do Tempo, uma irônica entidade (se é que assim podemos chamá-lo) que nos nutre e nos devora a cada respirar ou bater de coração. Ele nos faz acreditar que somos livres, mas nos aprisiona em um presente que se multiplica e nos empareda entre os muros fisicamente intransponíveis de um passado – onde guardamos nossos amores, humores, bons momentos e vários tormentos – e de uma névoa de futuro – onde estão nossos linimentos em forma de hipóteses e de esperanças.

Somos filhos e alimento do tempo, mas dele também nos alimentamos diariamente. A professora, pesquisadora, ensaísta e poeta Natércia Moraes Garrido sabe muito bem disso. E sabe também que é possível aprisionar flashes do tempo em forma de memória, poesia, arte…

Ávida leitora e advinda de uma família na qual a literatura sempre foi um dos alimentos postos à mesa a cada refeição, Natércia Garrido, depois de nos brindar com a publicação de seu livro “A poética modernista em Azulejos de Nascimento Moraes Filho” (Editora espaço Acadêmico, 2019, 144 páginas), que teve origem em sua dissertação de mestrado em Literatura e Crítica Literária, trouxe agora a público seu estro poético em forma de um novo livro – “Poesia em 3 tempos” (Editora Elã, 2021, 53 páginas).

Os poemas do livro estão divididos em três tópicos, a saber: 1) Tempos de outrora; 2) Tempos de hoje e 3) Tempos que virão, cada um deles contendo dez poemas que até podem ser lidos de forma independente, mas que ganham maior intensidade quando lidos na sequência em que foram encastoados no livro.

Além das referências a tempo nas diversas vestes com as quais ele se apresenta/oculta para os seres humanos, a escritora também mergulha pelos múltiplos universos femininos, percorrendo desde os tempos da ingenuidade do sorriso de um bebê até o olhar maduro de uma mulher que tem certeza do que quer e do que não quer para si, passando pelas descobertas com relação ao corpo e aos desejos carnais, espirituais e emotivos.

Logo no primeiro poema, o leitor encontra a mensagem que irá nortear os demais poemas:

Ela enxergava o tempo

De outra vida

Ela viu tão claro

Que o sonho

Era o nada. (pág. 14)

Dividida entre um Ser e um Nada sartreanos, para não se perder nem nas tramas tecidas pelo tempo e nem nas trilhas perpetradas pela própria existência humana, o eu lírico elege como Fio de Ariadne a icônica figura de um avô capaz de  guiar sem precisar julgar. Assim:

O avô chegou.

Porque ele era seu guia.

O pensamento da menina que via. (pág. 47)

Possivelmente, essa avô-guia é um reflexo das leituras do livro Azulejos, de Nascimento Moraes Filho, que inicia com um dos mais curtos, simples e belos versos da literatura de Língua Portuguesa. Um modesto “mamãe!”, seguido páginas depois de um “a bênção, mamãe!” servem como ponto e iluminação para todos os versos desse livro tantas vezes lido e relido por Natércia Moraes Garrido e cuja imagem de seus autor-avô permanece tatuada na memória, no coração e nos poemas de uma neta que segue os passos trilhados pela família.

As três dezenas de poemas que compõem “Poesia em 3 Tempos” não estão ali por acaso. trata-se de uma obra planejada em cada detalhe e que tem como uma das diretrizes motivacionais não levar para os tempos futuros os fantasmas que nasceram em um passado e ainda habitam um presente. Não é à toa que em um dos últimos poemas do livro, o eu lírico se sente aliviado ao perceber que:

Os olhos da caveira

não me assustam mais.

Os sonhos não me assustam mais.

O vão não me assusta mais.

O nada não me assusta mais (pág. 46)

Os versos do livro de Natércia Moraes Garrido não têm o poder de parar o tempo e ou fazê-lo retroceder, mas deixam a doce sensação de que, no correr das páginas, por alguns momentos, cada um de nós pode sentir-se dono de algumas fatias de nosso próprio destino.

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