Amigos não são todos iguais. Nem existe aquela história de que “um amigo sincero se reconhece nas horas de dificuldade”, como diz um ditado popular. Nada disso. Existem amigos de distintas qualidades e para distintas finalidades.
Existem aqueles amigos para curtir a vida, para sair, para badalar. Existem aqueles para nos colocar no eixo, nos chamar à razão, como o grilo falante, uma espécie de “voz da consciência”. Existem aqueles para nos tirar das dificuldades. Existem amigos para tirar boas fotos, estando nelas ou não. Existem até os amigos de cama – aqueles que nos amam como se nos amassem, mas que apenas curtem os nossos instintos, e nós os deles. E existem os amigos para chorar.
Esses são os mais íntimos. São aqueles que conhecem as nossas fraquezas; aquelas que nós escondemos, por medo, por impossibilidade de manchar nossa imagem pública, de borrar a maquiagem ou de parecer fra(n)co diante de quem não queremos. Aqueles que estão prontos a nos ouvir dizer coisas que os demais amigos não precisam saber; mais: nem sonham em saber… Aqueles que nos dão bem mais que o ombro, nos dão os braços para nos envolver, a cama para deitar e molhar, o quarto para que as paredes recebam o reverbero dos nossos gritos de dor e desesperança. Aqueles que, enfim, guardam nossos maiores segredos e ajudam a secar as nossas lágrimas…
Nem todos podem ser amigos para chorar. Muitas vezes, não é por falta de vontade, mas de qualidade. Muitos não têm experiência para assumir a tarefa – que não é fácil nem romântica; é, ao contrário, árdua e opressora, porque quem ouve chorar também chora, muitas vezes por dentro, que é o choro pior, porque não escorre… Muitos têm uma vida tão agitada que não conseguem parar para nos ouvir chorar – sim, porque, apesar de vivermos em alta velocidade, o choro precisa de tempo, de silêncio e de inércia; o mundo de quem chora e de quem ouve chorar precisa parar; não dá para ser “amigo para chorar” com o Whatsapp ligado enquanto você se esvai… E, muitos, enfim, não têm interesse em saber dos seus problemas, porque, para eles, você é uma fortaleza e não pode passar uma outra imagem; você é a referência de positividade, e não queira mudar isso. Mudar isso seria destruir mitos – e o ser humano precisa de mitos para referenciar sua vida. Não queira mudar isso; é a sua utilidade na vida deles.
Os “amigos para chorar” também não somos nós que escolhemos. É a vida que nos mostra. E não serão muitos, ao longo da sua vida. Às vezes, uma meia dúzia, que nos acompanharão em várias etapas da nossa vida, porque o tempo tratará de espalhá-los pelo mundo. Outras vezes, apenas dois ou um, que estarão ao nosso lado pela vida toda.
E como cultivar esses amigos? Não precisa fazer nada. Eles são como cactos. Não precisam de cuidados especiais. Só precisam que o amor que os une vá sendo depositado, na frequência que a vida impuser. Devem ser apenas guardados. E bem guardados. Talvez “no lado esquerdo do peito”, como ensinou Milton Nascimento, na sua belíssima “Canção da América”. Talvez num porta-retratos, ao lado da nossa cama. Talvez num álbum secreto, numa dessas redes sociais que existem por aí – e que ainda existirão. Ou talvez ainda numa caixinha de música, ocupando o lugar da bailarina.
6 respostas
Que texto lindo!
Ontem tive o prazer em falar com um desses ‘amigos para chorar’. E foi muito bom – renovou, revigorou, reafirmou -sentimentos e amizade, só não deu para chorar (rsrsrs). E hoje leio esse texto que fala por si só.
Obrigada Marcos Fábio por escrever por nós e para nós.
Fez-me lembrar VÃO GÔGO (Millor Fernandes) em sua página PIF-PAF, bem no centro das folhas da revista ISTOé… Mantinha sempre uma “coluna” com o título “Confúcio disse”, com umas quatro ou cinco reflexões.
Uma delas me vem à mente, volta e meia, vendo ao vivo ou apenas imaginando a cena de duas pessoas cruzando pela calçada, Foi assim
“lembrai-vos sempre que “COMO VAI VOCÊ?”… não é uma pergunta.
é um mero cumprimento.”
Imagine se / quando têm tempo para ouvir alguma resposta…
E como poderia ser cansativo e/ou até doloroso… podendo aumentar nossas razões pranto e tristeza…
Daí os silêncios que cruzam
Esse texto é a mais pura das verdades. Um dos melhores do meu confrade abeelino Marcoa Fábio, cuja voz e grito, reflete a voz de todos nós humanos.
Abrç, Marcos. De algum modo somos amigos. Estamos aqui nessa trajetória literária, poetas, na tentativas de compreensão de nós mesmos.
Abrç
Verdade. Nem sempre um “Como vai?” tem essa intenção.
Tenho um breve texto nessa linha:
“- Bom dia, amigo, como vai?
– Mau dia, amigo, vou bem nao.
Kuém! Kuém! Kuém! Kuém!”
Excelente!
Esse texto é a mais pura das verdades. Um dos melhores do meu confrade abeelino Marcos Fábio, cuja voz – e grito – reflete a voz de todos nós humanos.
De algum modo somos amigos. Estamos aqui nessa trajetória literária, poetas, na tentativas de compreensão de nós mesmos.
Abraço