domingo, 1 de dezembro de 2024

O PESO DAS PALAVRAS: SOBRE OS LIMITES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Publicado em 17 de fevereiro de 2021, às 17:09
Imagem: Freepik

Quero refletir com você, querido(a) leitor(a), sobre os limites dos direitos fundamentais, e usarei como exemplo o recente caso do Deputado Federal Daniel Silveira (PSL-RJ), que foi preso no dia 17 de fevereiro de 2021, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, por condutas contrárias à Constituição Federal, ao Estado Democrático de Direito e às instituições (o próprio STF). Nesse breve texto, meditarei especificamente sobre os limites dos direitos fundamentais na teoria da Constituição. Portanto, não abordarei as temáticas técnicas, e muito salutares, do caso, como: imunidade material, possibilidade ou não de fiança, ativismo judicial ou validade da prisão preventiva. Perdoem-me decepcioná-los pela especificidade, mas o tempo e o espaço são breves, entretanto, tenho certeza de que a reflexão será longa.

Costumo sempre destacar, confesso que fastidiosamente (meus alunos sabem bem disso), o conceito clássico de direitos fundamentais. Digo clássico porque os direitos fundamentais não têm um significado inerte. Ele se modifica com o transcorrer do tempo e espaço, visto que eles são históricos. 

Os direitos fundamentais surgiram com a intenção de serem limitações ao exercício do poder (notadamente do Estado). Acontece que nas relações sociais sempre haverã conflitos, seja entre o Estado e os indivíduos, seja entre os indivíduos, seja entre comunidades em geral. Essas relações são permeadas de poder, isto é, da possibilidade de interferir na esfera pessoal ou coletiva de outrem. Para que não ocorra um processo generalizado de subjugação de uns pelos outros, criou-se a ideia de que existe um núcleo intransponível de proteção à autonomia, equidade e dignidade das pessoas. Assim, como exemplo, você tem o direito à inviolabilidade do domicílio, de maneira que nem um policial (agente estatal) ou seu vizinho (particular) possa adentrar em sua casa sem sua anuência ou autorização da própria Constituição.

Desde o surgimento do conceito clássico de direitos fundamentais, uma questão inquieta os juristas e cientistas do direito: os direitos fundamentais têm limites? Se sim, quais são eles?

A pergunta se os direitos fundamentais têm limites remete à consideração se eles são absolutos ou não. Julgar os direitos fundamentais como absolutos significa que eles não podem ser excepcionalizados, relativizados ou condicionados, seja pela vontade do governante ou mesmo por meio de leis. A atual teoria da constituição, majoritariamente, rechaça essa ideia, argumentando que tais direitos têm sim limites, isso porque o caráter histórico e político dos direitos e da Constituição implica uma historicidade, que, a depender dos fenômenos, tecnologias e circunstâncias sociais, elegem novas prioridades e enfrentam desafios diferentes. 

Imaginemos, por exemplo, o quanto o direito à liberdade de expressão teve que ser ressignificado em decorrência das novas formas de comunicação midiática. Olha que não estou falando das fake news e redes sociais, basta pensar, por exemplo, nas programações de televisão e rádio. A liberdade de expressão surgiu em um contexto de luta pela liberdade religiosa, quando os cristãos reformados (protestantes) requerem o direito de manifestar-se contra a Igreja Católica.  As informações corriam por meio de livros e cartas, limitadas a uma elite alfabetizada e instruída. Com a TV e a Rádio criaram-se novos cenários, as notícias alcançaram grandes coletividades, passaram a interferir mais incisivamente nas decisões políticas, popularizaram-se, fomentando a indústria do conhecimento e a monetização da “verdade”. O direito à liberdade de expressão em um contexto tão diferente pode permanecer intacto?

Sabendo-se que os direitos fundamentais não podem ser absolutos, logo, são relativos, cabe então refletir sobre a segunda pergunta: quais os limites dos direitos fundamentais? Deveras, não é um problema de fácil resolução. 

Várias argumentações foram produzidas em torno do problema. Alguns teóricos dizem que os limites dos direitos fundamentais estão nos próprios direitos, ou seja, são imanentes ou intrínsecos, devendo o aplicador do direito (magistrado) encontrar esses limites na própria letra ou interpretação da Constituição. A essa teoria denomina-se de “teoria dos limites imanentes”. Por outro lado, outros teóricos defendem que os direitos fundamentais não apenas têm limites internos, mas também externos, que são especialmente visíveis quando um direito está em conflito com outro, ou seja, quando direitos entram em colisão é preciso estabelecer limites. Essa teoria é chamada de externa ou “teoria do conflito dos direitos fundamentais”.

A segunda teoria (externa ou dos conflitos) floresceu bastante nos últimos anos, principalmente em decorrência dos denominados casos difíceis (hard cases). O caso da prisão do Deputado Daniel Silveira é um exemplo paradigmático: de um lado o direito de liberdade de expressão, de outro lado, os princípios do republicanismo e da defesa da democracia. Em outros termos, o problema que subjaz: é quais são os limites para o indivíduo expressar seus pensamentos? Poderia ser tal liberdade ilimitada? Quais as possíveis consequências de uma liberdade sem freio? E por que a democracia deve ser defendida por meio da restrição de algumas liberdades? Eu poderia, caro(a)s leitore(a)s, elencar várias argumentações possíveis, mas prefiro que você pare e pense. Mas pense de fato, não apenas repita, ou seja, indiferente. Como seria um mundo onde todos podem dizer o que querem sem consequências? Quem vai se responsabilizar pelas palavras que ofendem e pelas ideias que matam? Pensem!

Existe ainda outro problema neste caso específico: quem deve garantir a liberdade de expressão? A resposta é todos. Ora, é um interesse coletivo que todos possam manifestar os seus pensamentos, compartilhar com outros e  divulgar ideias. Todavia, quando a expressão se manifesta como violência, é preciso haver instituições que garantam que aquele que causou um dano, ou ameaçar causar, seja punido. Repito: palavras e ideias têm consequências. A Constituição de 1988 assevera que sua defesa cabe ao Judiciário, visto que os poderes Legislativos e Executivo, por sua natureza política, não estariam aptos a um julgamento jurídico. Portanto, penso que o problema não seja se o Judiciário (STF) pode ou não punir alguém por abuso de direito, mas sim em que medida ele pode fazê-lo e se aquele que abusou de tal direito terá o seu direito de defesa preservado.

Por fim, quero dar uma breve contribuição sobre o que se entende por “direito de democracia”. Essa expressão é muito abstrata e não pode ser compreendida sem referência histórica. Entendo que antes de tudo a democracia é uma expressão da igualdade como equidade. Veja bem, quando se acusa alguém de extrapolar os limites da liberdade, é porque sua conduta revela-se contrária à igual consideração e respeito que temos uns pelos outros. Uma liberdade que permite a violência e eliminação do outro não é uma liberdade democrática, portanto, deve ser questionada e limitada. É quando se permite tal abuso que surgem as “liberdades melhores ou maiores que outras”.

Concluo dizendo que a intenção desse texto não é dizer se a prisão é ou não constitucional. Não é uma questão simples, e optar pelo simplismo, nesse caso, é uma ótima receita para arbitrariedade. Desse modo, esse texto não é para leitores juízes, mas para leitores pensadores!

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