segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Ciência e Política, a razão contra o(s) Mito(s)

Publicado em 28 de janeiro de 2021, às 10:34
Imagem: Unsplash

Em 1947, Theodor Adorno e Max Horkheimer, residindo nos Estados Unidos da América, logo após serem perseguidos pelo regime nazista, escrevem um livro chamado Dialética do Esclarecimento. Nesta obra, eles argumentam que a possibilidade de esclarecimento e emancipação humana encontra-se definitivamente obstaculizada. Em outras palavras, é impossível o homem ser plenamente livre porque ele não se dá mais conta de que está no meio de um processo de alienação, em que ele se torna mercadoria, massa de manobra, receptáculo de ideologias e instrumento para enriquecimento de grupos privilegiados.

Adorno, três anos mais tarde, desenvolve uma investigação chamada Estudos sobre a Personalidade Autoritária (1950), pesquisa com uma grande coleta de dados e entrevistas para colher e analisar informações sobre o processo de crescimento do fascismo nos Estados Unidos, pós-guerra. Naquele período, Adorno identificava como principal expressão de autoritarismo e fascismo os movimentos antissemitistas. O trabalho de Adorno foi muito elogiado e representou à época um avanço nas pesquisas das ciências sociais, pelo seu caráter objetivo, ao utilizar métricas escalonadas para interpretação de dados coletados por meio de uma metodologia psicanalítica.

Esses dois estudos, dos pensadores da denominada Escola de Frankfurt, me levam a pensar com você, leitor, o nosso presente: o ocaso da razão e o descrédito da ciência. Sem cometer o equívoco da anacronia, mas motivado pelas circunstâncias atuais, quero levantar quatro pontos de similitude entre as críticas dos frankfurtianos e a contemporaneidade, para refletirmos sobre a emergência de uma ciência reflexiva.

O primeiro ponto é que autoritarismo e ciência não podem estar lado a lado. É tendência verificar que o crescimento do pensamento autoritário, que não aceita pluralidade e o questionamento de formas dogmáticas de conhecimento, seja fortemente repressor da ciência. O Instituto de Pesquisa Social de Adorno e Horkheimer foi depredado pelos nazistas em 1933, levando-os a emigrar para os EUA.

Na atualidade, em que pese agentes políticos desmerecerem as Universidades e centros de pesquisa, a depredação não acontece por meio de paus e pedras, mas de emendas orçamentárias. A camuflagem democrática de algumas nações não permite atos deliberados de violência contra as instituições, portanto, o meio do autoritarismo atuar é pela omissão de suas responsabilidades, pelo vazio e inércia. O Brasil, por exemplo, perderá 34% de sua verba anual destinada ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Informação (MCTI), saindo de R$ 3,6 para 2,7 bilhões. Se esse ritmo de redução continuar, os movimentos autoritários não precisarão se preocupar com prédios para depredar, porque eles nem sequer existirão.

O segundo ponto é: as pessoas importam menos que ideologias. Ideologias são crenças baseadas em falsas impressões da realidade. Adorno dizia que o problema das ideologias é que elas pintam a realidade com uma visão falsa do mundo. As ideologias autoritárias se baseiam em classificações e hierarquias sociais de acordo com critérios opressores. A principal ideologia é a do “nós e eles”. Esse dualismo torna-se perigoso a partir do momento em que se permite o extermínio do outros (eles).

Atualmente, a filosofia do “nós e eles” está muito em voga: direita e esquerda; progressista e conservador; estatista e liberal; religioso e não religioso. Nesse cenário, o outro é sempre o diferente, é aquele que “não sabe o que fala” é o “menos inteligente”, o que não precisa ou não merece ser ouvido, porque não tem nada de “relevante” a dizer. Em casos extremos, aceita-se o sofrimento e a violência contra esse “outro”, justificado pelo pensamento: “se ele estivesse do lado certo, isso não teria acontecido”.

O terceiro ponto: a ciência só merece credibilidade quando a serviço da autoridade. A ciência vive um conflito interno, que muitos que não estão acostumados com os bastidores acadêmicos não sabem. Ela deve ao mesmo tempo ser neutra em seus procedimentos e resultados, mas não pode ser totalmente imparcial, porque para fazer ciência é preciso recursos. Essas verbas não caem do céu, elas advêm de financiamentos estatais e privados. Então fica a pergunta: como assegurar autonomia e imparcialidade científica quando suas pesquisas dependem de recursos de terceiros? Esse espaço é muito bem explorado pelas autoridades políticas, que buscam submeter os rumos dos resultados científicos a seu favor.

O nazismo alemão financiou pesquisas com judeus para defender a supremacia ariana, proposta defendida por vários cientistas da época, como Arthur de Gobineau, Lydwig Geiger e Theodor Poesche. Por sua vez, pesquisas que desmentiam essa tese eram rechaçadas e desacreditadas. Tudo isso manipulado pelo Estado alemão. Ora, a liberação da cloroquina e a rechaço à vacina Coronavac não guardam semelhanças? No final, são vidas humanas em jogo. A diferença é que hoje a ordem não é matar, mas deixar morrer, o resultado é o mesmo: genocídio.

O quarto ponto: Aonde a ciência não chega, abre-se espaço para as mitologias. O mito é uma falsa impressão da realidade. Distintamente da ideologia, que é mais sofisticada, o mito é uma construção ilusória com base mais na crença do que em convencimento racional. O modo mais fácil de se criar mitos é apelando para narrativas dramáticas e morais. Temos como exemplo os mitos gregos, sempre recheados de tragédias e performance.

Acontece que a ciência é contrária ao mito. Ela não se deixa guiar por impressões de crenças e atuações teatrais, ela preza pela refutação, pela crítica, pelo método. O mito, para ser verdade, basta que nele creiam, a ciência não procura ser a verdade, apenas um caminho possível e deve sempre estar aberta a ser refutada.

Ainda vivemos em tempos dos mitos, das ilusões, das narrativas performáticas e teatrais. Desde a aparência construída nos perfis do Instagram de vidas felizes até imagens de atores governamentais como perseguidos, perfeitos, incorruptíveis, verdadeiros “messias”. O maior problema do mito é que ele não apenas cria uma estória ilusória, mas impede de ver a realidade, com o tempo, quando as cortinas das mentiras tanto contadas caem, resta-nos os destroços dos bastidores sujos, fétidos e imundos da barbárie.

Por fim, é preciso saber que ciência não é um dogma. Ela precisa ser autocrítica, mas não cabe às autoridades alheias ao processo científico definir o que é e o que não é científico. É preferível que a ciência guie a política, não o contrário. Mas é ingênuo acreditar que isso aconteça. Pelo menos não é o que nossos olhos testemunham. Por isso, acompanhando Adorno e Horkheimer, precisamos de uma ciência reflexiva, ou seja, aquela que reflete sobre seus objetivos e tem independência para contrariar os irracionalismos da mente autoritária. Lembremo-nos: onde a razão entra em ocaso, os mitos aparecem e reinam.

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