Deus poderia ter usado qualquer elemento ritualístico para criar o mundo. Poderia ter apontado o dedo para o breu; poderia ter tocado com o cajado sobre o nada absoluto; poderia ter batido palmas; poderia ter piscado; enfim, ter feito qualquer coisa. Mas não. Deus usou a palavra para iniciar a sua monumental obra. Para quem não se lembra: “… E disse Deus: Haja luz. E houve luz. E viu Deus que era boa a luz; e fez Deus separação entre a luz e as trevas. E Deus chamou à luz Dia; e às trevas chamou Noite. E foi a tarde e a manhã: o dia primeiro”. A palavra sempre esteve no centro de todo ato de criação, divina ou humana.
Ela também é ato de poder, nas menores ou maiores esferas da vida. Pense num bebezinho botando a casa de cabeça para baixo ao pronunciar um “mamã” ou um “papá”. Pense em todos os discursos célebres da humanidade e nos seus grandes oradores. Pense no magnetismo das palavras que envolvem multidões – as imagens de Hitler discursando são paradigma disso; as de Martin Luther King também; e o silêncio de Gandhi – que é a contraface da palavra – também, numa perspectiva inversa…
Palavras são a expressão do pensamento. Mas também podem ser a expressão daquilo que nem se pensa que está pensando. Palavras são o espelho da alma, seja ela cristalina, turva ou intransponível. Palavras sempre são o designativo de todas as nossas emoções. Muitas e muitas vezes, sem perceber, elas nos traem…
Palavras ferem mais do que lanças afiadas, quando nos atingem bem no alvo. Quem já não teve a sensação de que uma palavra, dita por outrem, teve o poder de acabar com todo o colorido que prometia ser o seu dia? Ou uma palavra que, há dez ou doze anos, nos persegue, como um cão raivoso que alguém nos pôs no encalço, sedento pelo nosso cansaço e desejando nossa derrota? Ou uma outra que, de tão pesada e injusta, nos esmaga? Quem nunca viveu isso que atire a primeira palavra mentirosa.
Palavras também edificam. Não é por acaso que as livrarias estão cheias de um arrazoado de palavras, bem arquitetadas, enfeixadas em livros ditos de autoajuda, que também têm o poder de transformar quem as profere em bem aquinhoados autores, alguns até celebridades. Não é à toa que todas as religiões têm na palavra o seu ponto de conversão, o seu ritual de mudança de comportamento. Pastores, padres, rabinos, xamãs usam a palavra para levar as almas perdidas aos caminhos da luz. É a palavra como terapêutica redentora dos espíritos desvirtuados.
Palavras têm peso, cor, sabor, altura, comprimento, intensidade, cheiro, textura. Palavras têm regras de etiqueta para uso. Palavras têm tarja vermelha, algumas até tarja preta. Certa estava Cecília Meirelles, quando escreveu: “Ai, palavras, ai palavras,
que estranha potência, a vossa!”. Ou Drummond, quando se rendia: “Lutar com palavras é a luta mais vã…”.
Saber usar as palavras é uma regra de sobrevivência no mundo.