IMPERATRIZ: UM PANORAMA DE 4 DÉCADAS
O professor José Geraldo da Costa está em Imperatriz desde os anos 1980, aqui chegado para coordenar o câmpus da UFMA, que estava sendo implantado. Se veio ver o que por aqui tinha, acabou se ligando à cidade e ficou. Hoje, 40 anos depois, Zé Geraldo (como o conhecemos) é pessoa muito conhecida, ativa e reflexiva em relação aos problemas da cidade, sobretudo os de natureza cultural e ambiental. Nesta entrevista, ele detalha um pouco do seu percurso na (e do seu pensamento sobre a) cidade que escolheu para viver. Acompanhe.
Região Tocantina – Quando o senhor chegou a Imperatriz, que cidade encontrou?
José Geraldo – Logo que ficou definido que viria mesmo pra cá, e até por hábito profissional, sociológico, procurei estudar informações sobre a cidade e seu contexto. No que me foi de grande valia o Arquivo do jornal O Estado de S Paulo, com sua rica hemeroteca, onde havia uma pasta justamente intitulada IMPERATRIZ. Marquei com papeletas várias matérias, solicitando copiar (era parte dos serviços do Arquivo para o público consultante) … e fiz minha pasta, que veio a sumir por aqui… O que mais me impressionou foi então saber que era de 28% a taxa de incremento demográfico, então sendo a mais alta do Brasil, alimentada especialmente por imigrantes, de todos os estados… O que foi certamente “acelerado” pela abertura da dita “BELÉM-BRASÍLIA”, fator que se somaria a outros, predominantemente econômico-financeiros; como, por exemplo, o Programa GRANDE CARAJÁS, que primatizou seu PROJETO FERRO… com “n” desdobramentos em termos de desequilíbrios ambientais, físicos e humanos. Do que pude logo imaginar seus potenciais desdobramentos críticos, no processo de estruturação/desestruturação social/cultural… etc…. em uma cidade nodal. De modo que, em (in)certo sentido, não me foi surpresa aqui encontrar uma cidade alvoroçada… dizendo por eufemismo. Especialmente, naqueles anos, por causa do “acontecimento” SERRA PELADA, que potencializou negativamente o referido alvoroço urbano social. Ainda mais por Imperatriz ser, ao mesmo tempo, base de serviços e para retornos do que ocorria, por bamburros e/ ou por desgraças…, desde inflação nos preções dos que aqui se comercializava… até a desestruturação de muitas famílias… e de mortes “trabalhadas” pela competição entre barrancos, ou por ciúmes/raivas mais familiais.Teria MUITOS “exemplos” a narrar, do que acabo de apenas esboçar, mas não cabe(ria) aqui neste espaço.
Região Tocantina – O senhor é também da leva dos muitos migrantes que buscaram fazer a vida na Princesa do Tocantins?
José Geraldo – Não exatamente assim; mas, de modo indireto (…) sim. Diferente, no entanto, de ter vindo … “buscar fazer a vida”. Vim, digamos, para mudar de vida. Estava residindo em Ribeirão Preto, em razão de docência, ali, no campus da USP. Mas, me arrumando (contatos e documentação em curso) para sair do Brasil… Condições, sem rigidez: ir para um lugar em que ninguém me conhecesse, e eu, a ninguém; e, de preferência, com português como idioma principal. E se foram armando duas opções, em ÁFRICA: Maputo e Bissau; esta, já com acertos diretos, com Amilcar Cabral, Ministro da Economia e do Plano, por indicação do Paulo Freire, já retornado do exílio, na redemocratização. Era final já de 1981… Foi quando surgiu (saberia depois que fora iniciativa da Secretaria Geral do MEC) convite da Reitoria da UFMA para, como “Assessor Especial” (?) assumir a coordenação do campus de Imperatriz. Sem detalhes, agora, sobre o não-campus de então, que aqui tive de encarar… Imperatriz, no caso, satisfazia exatamente às duas condições acima resumidas; com adendo positivo: no íntimo, eu não queria mesmo sair do Brasil… O que daqui confessaria por telefone ao Ministro Cabral que, por telegrama (Western…), eu já aqui, dizia, com ênfase: “Vem para tuas origens! Tu vais te achar”. Esta foi, em resumo, a motivação principal para aqui ter aportado, que costurou as posturas aqui assumidas, e os compromissos que se seguiriam. Aqui e assim, casei de novo, hoje temos quatro filhos… uma neta e um neto.
Região Tocantina – Na sua opinião, o que mudou para melhor e para pior nesses 40 anos?
José Geraldo – São duas dimensões ENORMES de questões; que aqui apenas poderei arranhar… Para “melhor”, não muita coisa, infelizmente. Por exemplo, o atendimento a menores carentes e/ou “em situação de risco”. Não tanto por políticas púbicas existentes, mas pela dedicação humana e profissionalizada especialmente de assistentes sociais e voluntários. Para “pior”, então, haja paciência para arrolar tanta ferida…
Região Tocantina – O senhor viveu aqui no ciclo em que a cidade tinha um forte estigma de crimes. Que análise faz daquela época?
José Geraldo – Disse RIOBALDO: “O senhor não duvide – tem gente, nesse aborrecido mundo, que mata só para ver alguém fazer careta…”. É de lembrar que, espacialmente, IMPERATRIZ está situada mais para o CENTRO-OESTE, quase mesmo (arriscando referência tipo cowboy…) num FAR-OESTE… Na ambientação propiciada por tal “distância”, historicamente ao abandono pelos serviços públicos de saneamento básico, muita coisa se pode esconder, e resultarem muitos cantos para se “jogar presuntos”. Procure-se saber, por exemplo, do que se conta que acontecia no antigo campo de pouso (pois não era propriamente “aeroporto” ) na faixa em que está o C-II da UFMA, que vai dos Correios até o cemitério velho: servia ora para futebol de várzea, ora para “desova de presuntos”… Mas…
Mas acho que tal “fama” foi, até certo ponto. trabalhada maliciosamente. Em muitas outras cidades, sabe-se quando se o quer, também há – sempre houve – crimes “encomendados” e praticados. E aqui em IMP, pelo apurado mesmo em vários casos é que a cidade acabou sendo “apenas” local para “acertos de conta”, praticados por pistoleiros profissionais “de fora”… planejados/encomendados/pagos em outras cidades. É de sentir, no entanto, as resultantes do contexto socioeconômico – e humano, psicossocial – conforme apenas rabiscado na resposta à primeira pergunta… Numa cidade com muita “gente aborrecida” … no apre$$amento geral.
Região Tocantina – O senhor tem uma identidade vinculada às questões ambientais. Na sua opinião, quais são os maiores problemas ambientais de Imperatriz hoje?
José Geraldo – No plano maior – e liminar – sempre inexistiu um PLANO DIRETOR DAS ÁGUAS.
Das naturais, correntes e dormentes, pluviais; às tratadas e servidas. Itens primários de saneamento básico, junto com os RESÍDUOS SÓLIDOS. Todos regidos por legislação maior, bem explicitada quanto não respeitada, na execução atabalhoada (para dizer por menos) dos serviços urbanos. Nos aspectos edificados – loteamentos, arruamentos e edificações – no geral, não são respeitados os níveis/desníveis os diferentes solos/terrenos explorados. E, piormente, não são devidamente respeitados – e salvos – os córregos e riachos naturais preexistentes. Agora, então, não há por que estranhar transbordamentos, alagamentos e transtornos “do ramo”. No que respeita aos RESÍDUOS SÓLIDOS… Veja-se ATERRO SANITÁRIO versus COLETA SELETIVA. Esta é propagandeada como tendo sido já implantada, sem ser verdade. E aquele já tendo sido contratado, com área já adquirida etc. Contradição técnico-profissional e improbidade administrativa a explicar. E a situação profissional e de SAÚDE dos garis e coletadores: sem qualquer atenção em termos de vigilância e assistência sistemáticas. Só para falar de algo mais fundamental, mas há(veria) outros também relevantes a comentar…
Região Tocantina – Estamos em pleno início de um novo governo municipal. O que o senhor espera desses próximos anos?
José Geraldo – “Esperar” bem que poderia significar ter esperança… Mas, infelizmente, não a posso cultivar… Digo assim, a julgar pelos candidatos definidos – tanto os que estiveram no métier, quanto os ditos “novos” – considerando o que já fizeram/deixaram de fazer, bem como pela desinformação/desorientação com que se apresentam os estreantes, e não só eles. O mínimo que aqui poderia acrescentar é que atentassem – e se preparassem adequadamente – para o que ficou exposto na resposta acima, e o que consta da seguinte. Com isto, cuido de exercer a cidadania esperada de todos nós.
Região Tocantina – Qual, na sua opinião, será a Imperatriz do futuro?
José Geraldo – A continuar com falta de POLÍTICAS PÚBLICAS, coerentes tecnicamente e socialmente transparentes – especialmente nos aspectos antes aqui ressaltados, mas igualmente as atinentes a EDUCAÇÃO, CULTURA e SAÚDE – poderá vir a ser um CAOS …Com os resultantes desperdícios de recursos públicos, além dos desgastes humanos, existenciais e quetais… E não terá sido por falta de PROPOSTAS/PLANOS/PROJETOS, devidamente elaborados, discutidas e oferecidos; que aqui não há(veria) espaço nem seria oportuno listar… “coisas” de já mais de três décadas.