Hyana Reis – jornalista
Se lhe perguntarem: quais jornalistas mulheres e negras você conhece? Provavelmente Maju Coutinho e Glória Maria seriam os primeiros nomes que viriam à sua cabeça. Isso porque elas são algumas das poucas mulheres negras à frente de um programa jornalístico. E mesmo sendo extremamente necessárias, e de sofrer constantemente com o racismo, ainda são mulheres com privilégios dentro do universo jornalístico. O que mostra quão preconceituoso é este meio em que eu escolhi atuar como profissional.
Mesmo em um mercado de trabalho em que os profissionais sofrem com as poucas vagas, estrutura sucateada, informalidade e baixos salários (caso você não seja um William Bonner), o meio jornalístico vive principalmente de status e imagem. Há o mito de que é elegante e privilegiado aquele que atua neste mercado. Mesmo estando extremamente longe dessa realidade, o mercado mantém essa triste e ultrapassada imagem.
Assim, são raros os profissionais, especialmente mulheres, que sejam negras, gordas, de cabelo crespo, deficientes ou qualquer característica que fuja dos padrões estéticos esmagadores e quase inalcançáveis da sociedade. O espectador, ao que parece, se recusa a assistir aquilo que vê todos os dias, em si próprio, nos vizinhos, na família, no trabalho: pessoas normais.
E essa opressão de beleza e padrão não está apenas na televisão (apesar de ser mais latente), mas praticamente em todas as áreas do jornalismo, seja ele web, impresso, assessoria, etc, parece exigir a perfeição estética. E em um país racista como o Brasil, ser negra é estar fora dos padrões.
Como mulher preta sofro diariamente a opressão de ser uma jornalista “fora do padrão”, por não ser clara o suficiente, ou por me ser “aconselhado” a alisar o cabelo, ou por não ser magra o suficiente. Poderia contar diversas histórias sobre o preconceito disfarçado de “padrão Globo” sofrido ao longo de 11 anos de escolha pelo jornalismo, mas um dos mais marcantes é o que vou contar a seguir.
Em 2013, me formava em Comunicação Social pela UFMA, e já atuava como repórter de um jornal impresso e online de Imperatriz. Naquele dia eu iria passar por mais uma das cerimonias da formatura, e estava feliz que realizaria meu sonho de ter o diploma de jornalista (mesmo que de acordo com a legislação ele não seja mais obrigatório).
Naquela mesma tarde, havia marcado uma entrevista com um empresário local. Ao chegar, sua secretaria se recusou a me deixar entrar, pois não acreditava que eu pudesse ser a jornalista que seu chefe esperava com ansiedade.
Na época, com meus 20 anos, era apenas uma foca (como chamamos os iniciantes no jornalismo), e timidamente contei ao empresário que me atrasei para nossa entrevista pois sua secretaria se recusou a me deixar passar, pois não acreditava que eu era a jornalista que havia marcado a entrevista: uma jovem negra de cabelo crespo. Ele lamentou com um sorriso meio sem graça, e alí era o fim da conversa sobre o racismo que eu havia acabado de ser vítima.
Ao relatar o que havia acontecido para pessoas próximas, aos prantos, lembro de ouvir: “mas você estava arrumada?”. Lembro o quanto aquela pergunta me magoou e magoa até hoje, porque eu deveria estar mais bem vestida que qualquer um para ser minimamente levada a sério. Me senti culpada e incompetente por não parecer jornalista o suficiente. Pouco importavam meus méritos, anos de estudo, especialização, ou se tinha entrado na faculdade com apenas 17 anos. Afinal eu represento uma profissão elitista e cheia de estereótipos.
Naquela noite, na cerimônia de formatura, percebi a escolha que eu tinha feito: a de estar em um meio em que seriam constantes as situações de racismo e preconceito, afinal esta não foi a primeira e nem seria a última; e da constante perda de oportunidades por não estar em um padrão desejável para a profissão.
Anos mais tarde, foi com alegria que vi Maju Coutinho na frente da bancada, apresentado um jornal de nível nacional, com sua beleza inquestionável e sua pele negra. Não por falta de mérito ou esforço, mas, nem todas somos Maju Coutinho.
Uma resposta
Texto absolutamente necessário para demonstrar realidades que são cotidianas, apesar de passarem desapercebidas, quase invisíveis (não por acaso, mas justamente por ser uma das faces do racismo).
Parabéns a autora, como sempre, escrita certeira, além de um prazer para os leitores