Domingo de eleição, 7h00. Renato acordou com o telefone tocando. Era seu amigo de longa data, Tiago. A voz dele, carregada de café e fumaça, soava como um velho disco riscado.
— Vai votar em quem, seu imbecil? — disparou, sem nem se dar ao trabalho de cumprimentá-lo.
— Você sabe que só voto na direita. E você? — perguntou Renato, espreguiçando-se na cama. A luz do dia entrava pelas frestas da cortina, e ele começava a se enraivecer com a conversa.
— No meu candidato da esquerda, é claro. Não sei como um cara inteligente como você cai na balela desse pessoal da direita, um bando de desequilibrados.
— Ah, não me venha com essa papagaiada esquerdista! — esbravejou Renato. — Você sabe que essa gente só sabe falar bonito e fazer promessas furadas.
— E os da sua turma? O que eles fazem? — Tiago elevava a voz e não conseguiu conter o sarcasmo. — Prometem, roubam e depois vão para casa dormir tranquilos, como se fossem deuses.
Renato respirou fundo, tentando canalizar uma força invisível. — Olha, eu não sou defensor dos canalhas da direita. Mas, pelo menos, eles têm um plano! Ao contrário dos sonhadores como vocês, que só fazem terrorismo emocional.
— Terrorismo emocional? Tá de brincadeira! O que você chama de emoção é o que eu chamo de realidade. O povo tá passando fome, e você ainda acha que a solução é acreditar nessa minoria que come o dinheiro dos outros? — A cabeça de Tiago latejava, mas a adrenalina o mantinha firme.
— Eu não vou ficar aqui ouvindo você falar como se fosse o porta-voz do proletariado. Cada um por si, meu amigo! — A voz de Renato subia, arranhando a linha.
— Você só pensa em si, como todo direitista! E ainda tem a cara de pau de se achar superior! — Tiago explodiu, a raiva queimando como um fogaréu. As palavras saíam dele como flechas.
— E você, sonhador, acha que o mundo vai mudar porque vai votar? — Renato riu, mas não era uma risada genuína. Era mais como um caco de vidro que corta ao tocar a pele.
— É claro que a mudança começa assim! Não sei se você percebeu, mas a vida não é um grande cassino em que os mais espertos se dão bem e os idiotas ficam para trás! — Tiago quase gritou, com a raiva pulsando no peito.
— Idiota sou eu, é? — retrucou Renato. — Eu só quero viver minha vida em paz, sem a utopia maluca dos outros sendo empurrada goela abaixo.
O silêncio se instalou. Não havia mais o que dizer. O rancor flutuava como fumaça no ar. Era um jogo de palavras, um duelo de egos. E, no fundo, a amizade não merecia isso.
— Fala logo o que vai fazer domingo depois da votação — Renato ordenou, mudando de assunto repentinamente.
— Não sei. Sei lá! Provavelmente vou votar e depois pedir uma pizza — Tiago respondeu, tentando ser casual.
— Pizza? — Renato riu, dessa vez com uma risada mais leve. — Calabresa?
— Pode ser, mas só se você prometer não vir com suas besteiras. — Tiago sorriu, aliviado pela mudança de tom.
— Quem ligou não fui eu. Mas você vai ter que me ouvir falar do Palmeiras! — disse Renato, com um tom provocativo.
— Você quer dizer Mengão, né? Esse sim é time! — Tiago sorriu, desta vez com um sorriso genuíno.
A conversa fluiu mais suavemente sobre o horário e o local do encontro. O rancor dissipou-se, e, ao fundo, a cidade continuava a girar, indiferente às suas disputas.
— Então, a pizza é por minha conta — decidiu Renato, como se a amizade valesse mais do que a política.
— Combinado. A próxima, eu pago.
— Beleza.
E assim, a linha foi desligada, mas a amizade permanecia, mais forte que qualquer discussão. Eles estavam na casa dos 40 e se conheciam desde os 15 anos.
SOBRE O AUTOR – Humberto Cupertino Barcelos nasceu em Formosa, GO, mas reside no Maranhão desde a infância. Por isso, se identifica como “goianense”, uma fusão de goiano com maranhense. É graduado em Letras – Língua Portuguesa e pós-graduado em Docência do Ensino Superior, além de possuir uma segunda licenciatura em Marketing Digital.
Membro da Academia Imperatrizense de Letras, onde ocupa a cadeira 17, lançou, nos últimos anos, os livros “Viver Não é Suficiente” e “Onde Está a Poesia?”, ambos em verso, além de “A Moça de Pele Marrom” e “A Noiva do Rio”, em prosa, nos formatos impresso e audiolivro.
Através das redes sociais, Humberto realiza um trabalho contínuo de divulgação da literatura maranhense, apoiando as iniciativas das Academias de Letras e seus acadêmicos. Seu objetivo é aproximar a comunidade, especialmente os jovens, dos projetos promovidos pelas Academias, com foco na educação literária.