– Eu não gosto de você!
– Como assim? Você não gosta de mim?
– Não. Não gosto mesmo…
– Mas, por quê?
– Não gosto e pronto!
– Mas deve ter algum motivo. Eu fiz alguma coisa errada?
– Fez.
– E o que foi, que não me lembro.
– Não lembra, né? Não lembra…
– Então fale.
– Falo não.
– Fale, ou… ou… eu faço cócegas em você…
– Faz não… Faz não… Eu falo… É que ontem você não me deu um pirulito que eu pedi. Eu pedi e você fez que não ouviu.
– Meu Deus!!! Foi mesmo? Que hora foi isso, que não me lembro.
– Foi depois do banho…
– Uhmmm… Lembro não. Mas se eu der um pirulito hoje, você volta a gostar de mim?
– Volto, sim. Volto, sim!
– Tá bom. Depois do mingauzinho, dou o pirulito…
– Já voltei a gostar de você…
– Que bom…
– Que horas sua mãe volta?
– Não sei. Acho que ela vai demorar…
– Todo dia ela demora… Durmo e não vejo ela voltar…
– Acontece… Um dia vocês se encontram…
– Você parece muito com ela. Igualzinha aquela foto lá na parede.
– É verdade. É verdade.
– Está com sono? Parece cansada… Não gosta mais de ficar comigo?
– Não. Não é isso. Apenas um pouca cansada mesmo. Tenho dormido mal.
– Tem que dormir mais. Precisa descansar…
– Eu sei…
– Não esquece do pirulito…
– Esqueço não…
– Você é casada? Tem filho?
– Não. Não sou casada. Nem tenho filhos.
– Devia se casar… É nova ainda e é muito bonita. Parece muito sua mãe, pelo menos naquela foto da parede.
– É verdade… É verdade… Somos muito parecidas.
– E sabe hora que ela chega?
– Sei não… Sei não…
– Uma pena… Queria conversar com ela e dizer que você me negou um pirulito…
– De novo isso? Já disse que hoje você recebe o pirulito.
– Você acha que eu falo muito? Se quiser fico caladinho aqui.
– Nada. Pode falar, sim. Eu gosto de ouvir sua voz. Faz me sentir menos solitária.
– Que bom. Você tem irmão? Irmã?
– Tenho dois. Um homem e uma mulher.
– Nunca vi eles por aqui. Eles não visitam você?
– Faz muito tempo que não. Têm muitos compromissos, muitas coisas para fazer. Talvez um dia apareçam por aqui.
– E sua mãe? Que horas ela chega?
– Você não vê, mas assim que você dorme, ela aparece, dá um beijo em seu rosto e depois volta.
– Ah, sim. Tô com fome…
– Sim… Sim… É hora do mingau… Depois um pirulito e depois caminha… Tá bom?
– Bom…
– Tava bom o mingauzinho?
– Muito gostoso, melhor que a comida da tarde. Acho que tou com sono. Já tomei banho. Me leva para o quarto?
– Levo sim.
– Outra coisa… Fica comigo lá?
– Mas por quê?
– Só hoje…
– Só se me disser por quê?
– Acho que tem um monstro debaixo da cama… Ontem ouvi muitas vozes vindo de debaixo da cama. Eram umas vozes estranhas, misturadas com uns risinhos… Fica no quarto comigo?
– Tá bom… Fico, sim.
– Obrigado pelo pirulito. Sempre gostei de você. Tava só brincando.
– Eu sei… Eu sei…
– Pode deixar a luz ligada? Tenho medo dos monstros…
– Deixo sim…
– Me dá um beijo… Quando sua mãe chegar, diz que eu amo ela, tá?
– Digo, sim. Deite. Quer que eu conte uma historinha?
– Precisa não… Tou com muito sono Boa noite e até amanhã…
– Dormiu… Boa noite! Eu estarei aqui a seu lado para sempre. Boa noite! Durma bem, querido papai. Tenho certeza de que daqui a pouco, mamãe lhe dará um beijo bem carinhoso. Ela amava o senhor.
Uma resposta
José Neres, um escritor/poeta que escreve com maestria.