Há aproximadamente três décadas e meia, entro em sala de aula quase diariamente para ministrar aulas de Língua Portuguesa, Literatura e Produção Textual, três componentes curriculares complementares, mas que, vitimados por uma inexplicável burocracia administrativa, constantemente são impedidos de dialogarem entre si e acabam não cumprindo com seus objetivos gerais: fazer o alunado compreender que esses conhecimentos são interligados e devem servir para a compreensão global dos fenômenos linguísticos e fornecer a instrumentalização necessária para prosseguir (com autonomia) na busca do conhecimento.
No início, eu ficava bastante impressionado com a quantidade de alunos que diziam abertamente que não gostavam de literatura, que aquelas aulas em nada alterariam o curso de uma vida que buscava unicamente “passar no vestibular”, conquistar uma profissão e “seguir a vida”. Atualmente, o que me causa espanto é a quantidade de professores alardeando por todos os cantos que detestam literatura, que não sabem ensinar literatura e que não veem objetivos claros no ensino-aprendizagem dessa disciplina. Quando alguém graduado em Letras admite que não gosta de ler e que estudar literatura “é besteira”, o caos já está instalado em nosso sistema educacional.
De modo geral, o ensino de Literatura, assim como das demais modalidades artísticas ensinadas em sala de aula, não apresentam uma finalidade pragmática, servindo principalmente para humanizar um mundo cada dia mais tecnicista e movido por uma sistemática objetividade. O ensino das artes está diretamente ligado à necessidade de oferecer aos educandos algumas experiências que nem sempre seriam possíveis fora do ambiente escolar. Mais do que proporcionar um refinamento estético, o estudo da Literatura e o contato direto com poemas, romances, contos, crônicas e peças teatrais ajudam na formação de um lastro intelectual, na aquisição de um vocabulário mais diversificado e no aumento das capacidades de interpretação e de argumentação, além de possibilitar melhoria na expressão oral e escrita.
Com relação à Literatura, é muito comum encontrar pessoas – até mesmo educadores – dizendo que os jovens da atualidade fazem parte de uma geração perdida, de uma geração que nada lê. Discordamos parcialmente de tais afirmações. O que talvez esteja acontecendo seja um certo distanciamento com relação à leitura de obras de autores brasileiros, não importando se tais livros e autores sejam consagrados pelo tempo ou não.
Percebe-se um grande interesse da juventude pelas obras de autores estrangeiros, os chamados best-sellers. Não é raro encontrar garotos e garotas que “devoraram” alentados livros e suas respectivas continuações. Alguns desses jovem sabem citar e resumir os livros lidos e enumeram, na sequência cronológica, os títulos publicados por seus autores preferidos, contudo, quase sempre, calam-se quando são indagados sobre os autores da literatura brasileira.
Provavelmente, a sala de aula tem se tornado um dos poucos lugares onde ainda se toca em nomes como Tomás Antônio Gonzaga, Basílio da Gama, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire, Fagundes Varela, Joaquim Manuel de Macedo Artur Azevedo, Alberto de Oliveira, Cruz e Sousa, Alphonsus de Guimaraens, Guilherme de Almeida, Jorge de Lima, Carolina Maria de Jesus, Rachel de Queirós, Rubem Fonseca e Fernando Sabino, entre tantos outros nomes que muito contribuíram para nossa formação cultural. Fora nas escolas, esses autores tornam-se nomes praticamente desconhecidos para expressiva parte da população.
Muitas pessoas talvez considerem que os autores brasileiros não sejam bons o suficiente para seus gostos altamente refinados. Ou, quem sabe, apenas não tiveram oportunidade de saborear com atenção a boa prosa de Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Lima Barreto, Clarice Lispector, Jorge Amado, Monteiro Lobato, Josué Montello; a poesia de Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Ferreira Gullar, Vinícius de Moraes, Cora Coralina; as peças de Dias Gomes, Plínio Marcos, Nelson Rodrigues e de tantos outros talentos escritores da Literatura brasileira.
Seria importante encontrar estratégias que fizessem com que uma aula de Literatura tivesse ressonância para além dos horários oficializados pela escola, ou seja, seria essencial que as sessões de cinquenta minutos se multiplicassem nas peregrinações dos alunos em busca das obras citadas durante as aulas e na sede de conhecer pelo menos um pouco daquilo que, segundo o professor Antonio Candido, seria um direito de cada cidadão. Mas, como para uma parcela da população livro é luxo e para outra parcela livro é lixo, esse direito à literatura ora é negado pelo sistema educacional, ora é recusado pelos estudantes. Lastimável!!!
Ver a literatura a brasileira sendo devidamente explorada é um sonho para muitos professores. Mas pode ser um pesadelo para quem menospreza o poder criativo de nossos escritores. Confesso que tenho medo de que um desses educadores de gabinete com poderes além da compreensão humana decida que aprender-ensinar literatura brasileira nas escolas seja algo desnecessário. Se um dia isso acontecer, estudar nossas letras será muito mais que um ato de desejo, será uma forma de resistência.