segunda-feira, 7 de outubro de 2024

MARIA FIRMINA DOS REIS E O CEMITÉRIO DOS ESQUECIDOS

Publicado em 16 de maio de 2024, às 15:54
Fonte: Marcos Fábio Belo Matos – jornalista, professor e escritor. Membro das Academias Bacabalense e Imperatrizense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Imperatriz (IHGI)
Imagem cedida pelo autor

Uma vez, numa das minhas andanças por São Luís, garimpando livros, dei com uma obra, publicada por Jomar Moraes, com o título “Frutuoso Ferreira: o poeta devolvido”. O livro era uma coletânea de poemas deste que era qualificado como um dos poetas parnasianos de São Luís, que viveu meio recluso, na época em que fazia sucesso na capital do Maranhão o grupo da Oficina dos Novos, com Antonio Lobo como um dos seus próceres. Era um bom livro, os poemas eram bons, dignos mesmo de parear com Olavo Bilac, o príncipe dos poetas brasileiros.

Mas Frutuoso, dizia Jomar na obra, morreu esquecido, à margem do cânone literário.

E, assim como Frutuoso, o Maranhão tem um verdadeiro cemitério dos livros esquecidos, para trazer de empréstimo o título e a metáfora do grande livro do espanhol Carlos Zafón – que morreu milionário e famoso, há poucos meses.

Pode-se citar numa cova deste cemitério a professora, negra, colaboradora e jornais, que viveu no município de Guimarães e foi reconhecida como a primeira mulher a publicar um romance em toda a literatura brasileira. Maria Firmina dos Reis publicou o seu “Úrsula” em 1859, uns 40 anos, portanto, antes de Frutuoso. Na época, dadas as coerções discursivas próprias daquele tempo – tempo de autores homens, brancos, com carreiras que se dividiam entre a academia, a banca de advocacia ou os empregos na burocracia estatal – ela publicou o romance sob o pseudônimo “Uma maranhense”. Só muitos anos depois a literatura veio a ostentar  seu nome verdadeiro na capa do romance – que, não fosse pelo empenho de Nascimento Morais Filho, talvez ainda estivesse no esquecimento. Ele, Nascimento de Morais Filho, assim como o pai, também morador deste cemitério de esquecidos.

Também estão lá neste cemitério nomes de quem hoje quase ninguém lembra. Ou se lembra, não faz a menor re(v)ferência.

Penso em Viriato Correia e seu “Cazuza”; penso em Odylo Costa, filho (que, se não fosse pelo centro cultural que leva seu nome, situado na Praia Grande, ninguém saberia quem é/foi); penso em José Louzeiro, que introduziu no Brasil um gênero de livro chamado livro-reportagem (ou romance-reportagem), um misto de reportagem com literatura – algo pelo qual autores como Laurentino Gomes, Fernando Morais e Ruy Castro ficaram ricos; penso em José Chagas, cujos poemas (tão lind0s que quase chegam a ser música!) pouquíssima gente conhece, e menos gente ainda lê…; penso em Bandeira Tribuzzi, cujo memorial, na hoje disputadíssima Península, em São Luís, dorme o sono do esquecimento, poeta de grande inventividade, autor do Hino de São Luís (alguém por acaso sabe que existe?).

Há muitos esquecidos. O cemitério é grande, tem muitas lápides. E abriga também gentes de outros lugares do Maranhão, como Bacabal, Imperatriz, Caxias.

O livro de Maria Firmina, a propósito, não é nada mais que uma obra no mais autêntico formato do “romance romântico”, como tudo o que a fórmula exigia: uma mocinha, um vilão, um herói, muita religiosidade e um final trágico. No melhor estilo Iracema, A Escrava Isaura, Helena. Mas, talvez por isso mesmo, devesse figurar no rol dos bons livros do Romantismo, pois não lhes fica atrás. Mas está esquecido, dorme o sono profundo. Aliás, dormem ele e a mão que lhe trouxe à luz.

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