terça-feira, 10 de dezembro de 2024

BRASIL, UM PAÍS AFOGADO EM FAKE NEWS

Publicado em 15 de maio de 2024, às 10:37
Fonte: Paulo Thiago Fernandes Dias – Advogado. Doutor em Direito Público (PPGD/UNISINOS). Mestre em Ciências Criminais (PPGCRIM/PUCRS). Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal (UGF). Bacharel em Direito (ICJ/UFPA). Professor universitário (CEUMA e UEMASUL). Pesquisador-líder do grupo de pesquisa “Instituições do Sistema de Justiça e Dignidade da Pessoa Humana” (dgp.cnpq.br/dgp/espelhogrupo/5436723442142911). Expert na comunidade jurídica “Criminal Player”. Membro do IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Instagram: @paulothiagof Youtube: https://www.youtube.com/@INFORMARDIREITO
Imagem: FreePik Premium

Enquanto o Estado-membro do Rio Grande do Sul enfrenta a sua maior tragédia ecológica (causada, obviamente, por ação e omissão humanas), todo um aparato industrial, profissional, caro e delinquente é utilizado para disseminar as mais absurdas perfídias sobre assuntos relevantes, ampliando o caos e comprometendo, consideravelmente, o processo de recuperação de pessoas afetadas pelas enchentes no maravilhoso estado gaúcho.

Residi durante quase quatro anos em Porto Alegre/RS. Fui muito bem recebido e tratado. Fiz amizades. Consolidei amizades antigas. Concluí o mestrado e o doutorado. Aprendi muito sobre a tradição gaúcha. Visitei Santa Maria, Pelotas, Gramado, Canela, Caxias do Sul. Estudei em São Leopoldo. Frequentei grandes e valiosíssimas bibliotecas. Participei de eventos culturais e acadêmicos que só pude participar pelo fato de estar ali.

É triste e desesperador assistir o estrago causado em quase todo o Rio Grande do Sul. Pessoas se foram. Animais partiram. Patrimônios físicos não serão mais recuperados. As perdas, em termos científicos e culturais, sequer foram realmente dimensionadas ainda.

Para piorar, enquanto tudo isso acontece, criminosos sacam de seu poder econômico para disseminar a morte, a desinformação, o ódio, o medo e a loucura. Influenciadores digitais (políticos da extrema-direita, coaches, subcelebridades, setores da mídia comercial tradicional e até líderes de seitas religiosas – especialmente as de cariz neopentecostal) têm lucrado com a amplificação da tragédia.

Sim. Essa é a lógica das putrefatas redes sociais. Quanto mais abjeto e mentiroso é o tal do post, mais ele se torna viral e lucrativo. É por dinheiro e poder que os abjetos influenciadores digitais divulgam mentiras. Eles possuem toda uma estrutura que vai da criação da mensagem falsa até à viralização da fake News.

Nenhuma rede social (whatsapp, telegram, facebook, instagram, X, tik-tok, dentre outras) possui real interesse em coibir essa indústria da mentira, do crime e do ódio. Quanto maior o número de visualizações, curtidas, compartilhamentos e comentários, desgraçadamente se eleva o lucro dos bilionários por trás dessas ferramentas da desunião. As redes sociais são armas com elevado potencial para a “patetização” dos seus usuários (se me permitem o neologismo).

Enquanto estratégia comercial, funcionam as redes sociais como espaços ou instrumentos poderosos para a monetização da mentira, pois não importa o conteúdo da informação (se falso ou verdadeiro). O que vale nessa racionalidade é a associação (ou veiculação) de publicidade à notícia falsa que, quanto mais acessada e compartilhada, mais lucro gera. “A oportunidade de ganhar dinheiro com notícias falsas se deve ao modelo de negócio da internet, que é a publicidade. O jogo da vigilância se transformou numa concorrência pela atenção do usuário”[i].

E quanto mais se procura ou se consome determinada informação/serviço, mais dados digitais e informações pessoais são adquiridas pelos que controlam as redes. Com isso, surge o grande espaço para a manipulação para fins políticos também, voltando-se ao dito acima sobre o envolvimento da extrema-direita com a indústria da mentira. “A partir do big data é possível extrair não apenas o psicograma individual, mas o psicograma coletivo, e quem sabe o psicograma do inconsciente”[ii].

Ainda que não se busque demonizar as novas tecnologias, há que se reconhecer, até o momento, a eventual possibilidade de que o uso de tais ferramentais mais tenha causado problemas do que apresentado soluções. “Em todas essas novas tecnologias incertas de risco, estamos separados da possibilidade e dos resultados por um oceano de ignorância”[iii].

Com tamanha “patetização” dos usuários, o interesse deles em conferir a seriedade da informação também se esvai e com isso, chega-se ao fenômeno estudado pelas Ciências Sociais, e atualmente identificado como zumbificação da informação, compreendido como “[…] o processo de disseminar e consumir informação falsa ou distorcida sem perceber, devido à ausência de interpretação crítica e checagem de fontes, contribuindo para a infecção generalizada da desinformação na Web”[iv].

E se esse caminho foi trilhado, há uma razão muito bem definida. É que esse caos informacional, essa zumbificação da informação, essa “patetização dos tik-tokers, instagramers, youtuber, etc”, essa perda de controle sobre a criação e disseminação de conteúdos falsos repercute violentamente no aumento da sensação social de insegurança. Sentimento esse causado pela perda de confiança no que vem do outro. Desconfiança nas instituições democráticas. Insegurança que advém, insofismavelmente, da noção de que fatos não existem mais[v]. Insegurança que surge da incapacidade para discernir o falso do verdadeiro. Insegurança que se conecta com o risco inerente ao que se ignora (o uso das redes sociais). Insegurança nascida da dificuldade encontrada pelos mais diversos países no que toca à regulamentação da internet[vi] e, logo, à proteção de direitos fundamentais (vide a quase ausência de medidas eficazes para conter a prática da chamada pornografia de vingança no ambiente digital)[vii], cada vez mais expostos e violados pela maneira com que as redes sociais, especialmente, são manuseadas, pelas mais diferentes pessoas, dos mais distantes países[viii]. E onde insegurança e risco predominam nas relações interpessoais, o medo se faz presente.

Os riscos decorrentes da (des)informação difusa, veloz e descontrolada se somam a outros preexistentes historicamente. Tem-se um tipo de sociedade marcado pelo risco: “uma sociedade que congrega problemas e conflitos absolutamente novos e transindividuais e, ao mesmo tempo, mantém a ocorrência de velhos tipos de conflitos, próprios de um tempo que está, cada vez mais, em extinção”[ix].

Você poderia me perguntar se existe alguma dica para não cair em fake News. A resposta é positiva. Se aquele seu coleguinha de trabalho/escola/igreja/bar/futebol ou familiar simpatizante de políticos da extrema-direita (bolsonaristas e lavajatistas) mandar uma mensagem “ENCAMINHADA” ou “ENCAMINHADA COM FREQUÊNCIA” no seu grupo de whatsapp ou telegram, as chances dessa mensagem ser falsa beiram os 100%.

Aliás, mensagens do tipo “ENCAMINHADA” ou “ENCAMINHADA COM FREQUÊNCIA”, quase sempre, adotam um tom apocalíptico, amedrontador e alarmista. Não é raro que tais imundícies digam que as famílias tradicionais, deus, as nossas crianças ou a nossa segurança estão sob ataque. Desconfie. E seja honesto(a) também.

Não vejo necessidade na tipificação da conduta de “disseminar fake News via redes sociais ou rede mundial de computadores” (ilustrando). Conforme lição de Raphael Boldt, “[…] já existem inúmeros tipos penais que podem ser aplicados a casos envolvendo a difusão de fakenews no ambiente digital. Além do recente art. 323 do Código Eleitoral (LGL\1965\14), os crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria) e, em casos mais graves, os delitos de ameaça, incitação ao crime e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, podem estar configurados a partir da divulgação dessas notícias”[x].

As instituições do Sistema de Justiça têm todos os meios e elementos possíveis para investigar, processar e até condenar os envolvidos nessa abominável rede de mentira. Está faltando interesse e zelo com o Estado Democrático de Direito. Alguém viu o Ministério Público por aí?

O Rio Grande do Sul será reconstruído com a força de sua gente, com a seriedade do Estado brasileiro (com destaque para as ações do governo federal) e com a solidariedade dos quatro cantos do país.

Até semana que vem.  

 


[i] RUNCIMAN, David. Como a democracia chega ao fim. São Paulo: Todavia, 2018. p. 161.

[ii] HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas de poder.Belo Horizonte: Ayiné, 2018. p. 36.

[iii] BECK, Ulrich. Incertezas Fabricadas. IHU Online, São Leopoldo, v. 181, p. 05, 2006. Disponível em: http://www.ihuonline.unisinos.br/media/pdf/IHUOnlineEdicao181.pdf. Acesso em: 14 mai. 2024.

[iv] RIPOLL, Leonardo; MORELLI MATOS, José Claudio. Zumbificação da informação: a desinformação e o caos informacional. Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, São Paulo, v. 13, p. 2339, dez. 2017. Disponível em: https://rbbd.febab.org.br/rbbd/article/view/918. Acesso em: 15 mai. 2024. 

[v] “Este tipo de experiência condiciona os cibercidadãos a suspeitarem de que nada seja o que parece. Quanto mais as pessoas se aglomerarem no ciberespaço, mais a sociedade em geral será povoada por aqueles que presumem que a autenticidade seja uma quimera. Ao longo do caminho, perderemos a confiança em nossos próprios olhos e ouvidos. Ao mesmo tempo, um número cada vez maior dos nossos contribuirá para essa atmosfera porque, tendo se acostumado a dissimular no ciberespaço, podemos achar mais fácil fazê-lo no espaço genuíno também” KEYES, Ralph. A era da pós-verdade.Petrópolis: Vozes, 2018. p. 204.

[vi] “A criminalidade, associada aos meios informáticos e à internet (a chamada ciberdeliquência), é, seguramente, o maior exemplo de tal evolução” SILVA-SÁNCHEZ, Jesus-María. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 36.

[vii] Dificuldades que vão da prevenção da conduta, da identificação de todos os agentes, da redução dos danos causados à vítima, até à responsabilização penal dos envolvidos, fundamentalmente, quando se estiver diante de uma rede global de disseminação de material pornográfico ou erótico. “A incapacidade de garantir a extinção do conteúdo íntimo da web faz com que a vítima viva constantemente sob o medo de ser confrontada novamente com o material que lhe causa vergonha, dor, insegurança, temor e humilhação. Ainda que a vítima exerça nova profissão, assuma outra identidade e mude de cidade para mitigar o impacto que a agressão teve em suas relações e status sociais, a internet não conhece limites e a agredida pode voltar a ter a sua ‘nova vida’ invadida pela agressão sofrida no passado. Não é possível precisar quantas e quais pessoas visualizaram o conteúdo divulgado. Ao considerar a possibilidade de se reviver infinitas vezes a agressão, pode-se alegar que, além de ser uma violência global, a pornografia de vingança também é uma violência que se perpetua no tempo – o que a torna ainda mais cruel e de difícil reparação” DUTRA, Gabriela Ferreira et al. A pornografia de vingança como violência global e a alternativa (de contenção) apresentada pelos intermediários. In: BAGGENSTOSS, Grazielly Alessandra et al. (org.). Não há lugar seguro: estudos e práticas sobre violências contra as mulheres nas perspectivas dos direitos sexuais e reprodutivos. Florianópolis: CEJUR, 2019. v. 4, p. 146-147.

[viii] “E como num mundo de redes digitais em que todos podem se expressar não há outra regra além da autonomia e da liberdade de expressão, os controles e censuras tradicionais se desativam, as mensagens de todo tipo formam uma onda bravia e multiforme, os bots multiplicam e difundem imagens e frases lapidares aos milhares, e o mundo da pós-verdade, do qual a mídia tradicional acaba participando, transforma a incerteza na única verdade confiável: a minha, a de cada um” CASTELLS, Manuel. Ruptura. Rio de Janeiro: Zahar, 2018. p. 28.

[ix] WEDY, Miguel Tedesco. A eficiência e sua repercussão no direito penal e no processo penal. Porto Alegre: Elegantia Juris, 2016. p. 42.

[x] Boldt, Raphael. Direito penal e fake news: os limites democráticos à criminalização da desinformação. Revista Brasileira de Ciências Criminais | vol. 201/2024 | p. 161 – 194 | Mar – Abr / 2024. DTR\2024\4416, p.

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