Diversas vezes – quase sempre a trabalho – visitei Pinheiro, cidade hospitaleira onde sempre fui bem recebido. Ontem, novamente tive o prazer de passear pelas ruas, praças e demais logradouros do município. Porém desta vez não precisei utilizar carro, van, ônibus ou algum tipo de embarcação para chegar à cidade. Apenas tive o trabalho de abrir o livro Litanias de Mim (Edição do Autor, 2020, 84 páginas), do professor, cronista e poeta José Carlos Gonçalves Filho, e ler atentamente os variados poemas que descrevem de modo poético aquela bela e acolhedora cidade.
A viagem foi tranquila. Logo após uma paradinha para apreciar alguns momentos de prosa com o professor e acadêmico Fernando Novaes e com o escritor, José Jorge Leite Soares, que assinam os textos de apresentação do livro, segui caminho. Minutos depois, aproveitei a brisa da manhã para passear pelas margens do Rio Pericumã, o “esplendoroso rio-mar (…) a explodir na maré-enchente” (pág. 13). Impossível não se encantar com a beleza daquela paisagem vertida em melodiosos versos.
Era o momento então de encontrar o cicerone que me conduziria pelos diversos pontos da cidade. Ele, além de falar do amor que sente por aquela terra, apresentou-se falando um pouco sobre suas origens. Em sua linguagem simples e carregada de regionalismos, falou-me das dificuldades sofridas na infância e de como conseguiu superar tais obstáculos, lembrando que “num fui vencido / im bataias a toa, não / nim em tolas intriga” (pág. 17). Depois de um café reforçado, pois a caminhada seria longa, finalmente iniciamos nossa jornada rumo a uma cidade calçada com os ladrilhos da história e cujas paredes foram pintadas com a tinta de memória.
Por diversas vezes, paramos para ouvir os gritos dos vendedores, para observar as “mexeriqueiras de plantão” (pág. 20), para nos atirarmos “ao pirão de farinha seca / e à fritada de piaba” (pág. 24). Atento às minhas perguntas e curiosidades, meu guia pelas ruas da cidade me falou um pouco sobre as mais tradicionais famílias da região, dessa forma, me senti como se fizesse parte daqueles diversos clãs que tanto contribuíram para a formação social e política daquela cidade. Então, nesse périplo, acabei conhecendo descendentes das famílias Rosário, Pessoa, Coelho, Gonçalves, Martins e Pereira (Pág. 23). Além disso, acabei entrando em contato com algumas personalidades pinheirenses que marcaram a história da cidade, como é o caso “de Zé Beicinho / Mané Tucura / Seu Lezinho” (pág. 40).
Ouvi dezenas de “causos” sobre aquela gente tão simples e ordeira, e não pude deixar de aproveitar a oportunidade de me deleitar com o ritmo do tambor de crioula e me encantar “nas rodadas de saias / dançantes / alegres / festivas / impregnadas de mistérios / morenices / cheiros / cores / sabores / sorriso / ladainhas / terços… (pág. 41). Demos uma passadinha também nas imediações do tradicional Liceu Pinheirense. Nas imediações, dessa escola, como se mergulhássemos nas veredas do tempo, cruzamos com muitas crianças “a embalar santas brincadeiras, / na destreza com a bolinha de gude / e com o carrinho de “rolamento” / e com o futebol de botões / e com os álbuns de figurinhas…” (pág. 44).
Era hora de descansar um pouco. Paramos para “comprar uma água, de pote, / no Noratinho” (pág. 47). Aproveitamos para degustar “o doce de casca de laranja da terra” e provar uma dose da “cachaça no murici” (pág. 48). Já estava ficando tarde. Era hora de voltar. Regressamos ao ponto de partida, mas agora sob a “luz de candeeiros mágicos” e ao som dos saxofones / de Pedro Bastos / João Oliveira / Benedito do Rosário / Epifânio” (pág. 21), mas, ao longe ainda podíamos ouvir uma mescla de serenata, trombones, pandeiros e violinos. Uma verdadeira sinfonia!!!
Antes de nos separarmos, meu poético cicerone aproveitou para fazer uma comparação entre a cidade de ontem e a cidade de hoje e que tudo agora adormece na “(in)certeza de um sono tranquilo” (pág. 62). De repente, ele esboçou um sorriso, acenou-me com um breve adeus e mergulhou nas páginas daquele livro aberto sobre a mesa.
Antes de devolver o livro à estante, não posso deixar de agradecer ao poeta José Carlos Gonçalves Filho pelo belo trabalho com as palavras e com as lembranças individuais, mas que servem para trazer de volta aquela cidade adormecida na memória de tantas pessoas. José Carlos é um escritor cuidadoso e que conhece o poder das palavras e a força dos versos. Sua poesia é carregada de uma melodia própria que não se vê presa ou ofuscada pelas travas de um rígido sistema de normas academicistas. Para ele, poesia é liberdade.
Para terminar, lembro-me de certa vez, creio que em 1993 ou 1992, quando eu e dois amigos estávamos em Pinheiro. Era período junino. Um deles se encantou com uma bela garota da região e com ela marcou um encontro em determinado arraial. Porém, por um problema de comunicação, ele acabou indo para o arraial errado e ali esperou por sua musa até a madrugada, debaixo de um temporal. Dessa bela história, restaram apenas boas gargalhadas e um resfriado. Impossível passar – mesmo que literariamente – por Pinheiro e não me lembrar desse episódio.
2 respostas
Muitos causos que ficam pra eternidade. A Prucesa merece melhor trato, nóis muito orgulha o baixadeiros e odo maranhense. Parabéns
… Muito orgulha o baixadeiro e todo maranhense… corrigindo.