Esta crônica foi gestada na minha mente, enquanto eu aguardava na fila para pagar os pães e outros poucos itens acomodados num carrinho do supermercado. Rejeitando a ideia de me estressar e desistir da longa fila, fiquei observando a movimentação dentro daquele estabelecimento comercial.
As filas se alongavam cada vez mais e os corredores se enchiam de pessoas apressadas em preencher o vazio de seus carrinhos. Em pouco tempo, a tenda armada com ovos de páscoa, ficava desfalcada pelas centenas de mortais cedendo ao apelo comercial.
Os funcionários agitados, correndo de um lado para o outro, empacotando, entregando, repondo itens nas prateleiras e o papel do caixa, dando informações, falando ao rádio amador, e anunciando promoções no serviço de som. E cada vez mais as pessoas se agitavam pelos corredores.
A mulher de calça jeans e blusa rendada, alheia a tudo, enchia o carrinho com chocolate de todas as formas e tamanhos. A outra, de cabelo escovado, pranchado, esticado, caminhava afoita, pelo adiantado da hora do seu relógio. Sentada no banquinho de madeira, a jovem de vestido preto, com as pernas cruzadas e queixo apoiado na mão, nem percebia a inquietação do seu pé, à espera do marido que estava em uma das longas e lentas filas.
Uma criança de calundu, esperneando, porque certamente queria um brinquedo daqueles bem caros. Nos braços, bebês recém-nascidos já participando ativamente da roda-viva em que se tornou a páscoa e a vida.
Lá fora, no estacionamento engarrafado, meu marido encostado no carro, com a cara já desamarrada, depois que liguei em seu celular para comunicar o motivo da minha demora dentro do supermercado.
Esbocei um gesto para cumprimentar a amiga que há muito não via, mas ela desapareceu apressada nos corredores da loja. Lembrei-me da antológica cena do Dr. Jivago.
Algo tocou a minha sensibilidade, e lembrei-me que Jesus estava a caminho do calvário. No Seu tempo a Páscoa era uma festa cultural. No tempo de minha infância, era uma festividade íntima, sem compras, sem filas, apenas com sentimento e compaixão. Minha mãe preparava uma cestinha com poucos itens: ovos, legumes e ervas do canteiro suspenso que ela cultivava no quintal, e mandava cada um dos filhos levar para uma família mais necessitada do que a nossa.
As crianças não podiam fazer algazarra, e os pais não as puniam, mesmo que fosse necessário. Era tempo de exercício absoluto de reflexão, tolerância e perdão. Pura manifestação de amor e religiosidade.
Hoje, a páscoa tem um caráter bem comercial. Mas, enquanto as filas do consumo se movimentam para frente e para trás, e o mundo se reduz a um punhado de chocolate embrulhado num papel colorido, é possível que Jesus ressuscite nos corações já libertos da ignorância, distantes das mazelas, das trevas e da morte.