Como parte de um trabalho acadêmico, a escritora Lindevania Martins concedeu esta entrevista à estudante Keuane Ferreira, do Curso de Letras da UEMA, republicada, simultaneamente, nas páginas do Caderno Extra, que a Academia Imperatrizense de Letras mantém, aos finais de semana, no Jornal O Progresso, de Imperatriz, e no site Região Tocantina.
Keuane Ferreira: Lindevania, como escritora, o que a motiva nesse fazer artístico?
Lindevania Martins: Escrevo para pensar sobre o mundo. É o que me motiva. Exercito esse pensamento através da ficção, das teorias e imagens que inspiram essa escrita. Imagino uma mulher dialogando com uma família sobre o sentido da vida – uma vez que todos vamos morrer, e daí escrevo “Encontro Marcado”. Leio um livro sobre as possibilidades que indivíduos subalternizados possuem para construir autonomia e liberdade, e daí escrevo o conto “Teresa decide falar”. Estou buscando respostas pessoais para as questões que o mundo me propõe. Quando escrevo e publico esses textos, compartilho com os leitores minhas inquietações e esse processo de busca por respostas.
Keuane Ferreira: Como você vê atualmente a literatura maranhense?
Lindevania Martins: Tem acontecido muita coisa na literatura maranhense, com muitos homens e mulheres escrevendo de forma vigorosa. Contudo, esses escritores permanecem desconhecidos para o grande público. Muitos agem como se tivéssemos parado em Gonçalves Dias ou em Maria Firmina dos Reis. Quem escreve no Maranhão acaba sendo mais conhecido por outros escritores e escritoras, em pequenos círculos, que por um público mais amplo de leitores e leitoras. São vários os motivos, um deles é a maior valorização do que vem de fora, do que é produzido no eixo sul-sudeste ou fora do país, por exemplo.
Keuane Ferreira: Sobre o conto “A substituta”, que integra “Teresa Decide Falar” (2022), como explicaria a personagem Denise que, contra sua vontade e ironia do destino, se tornou a substituta de outra? E por que seu fim tão trágico?
Lindevania Martins: A ideia desse conto surgiu durante meu mestrado em Direito Constitucional, quando pesquisava de modo independente como ocorria a punição dos crimes contra a vida em outras culturas, em especial culturas tradicionais de base oral. Havia uma tribo indígena em que o homicídio não era punido com prisão. O assassino era obrigado a substituir sua vítima na comunidade, ocupando o lugar que o falecido ou falecida ocupava na família e em outros espaços em que circulava. Achei isso muito curioso. Imaginei como essa punição singular se daria em uma sociedade tecnológica, com todas as dificuldades que uma substituição como essa traria, e criei Denise. Mas como ocupar por completo a vida de outro? O fim de algo assim em nossa cultura só poderia ser trágico. É óbvio que essa é uma leitura muito pessoal e cada leitor constrói sua própria interpretação, pois o texto é livre e um autor ou autora não pode e não deve ter controle sobre a interpretação. Muitos leitores já me falaram sobre esse texto e acho muito bonito e interessante acompanhar a diversidade de visões sobre o mesmo.
Keuane Ferreira: Existe um conto mais fácil ou difícil de escrever? Se a resposta for sim, qual? E por quê? Dos seus contos, qual você mais gosta?
Lindevania Martins: Em relação a ser mais fácil ou mais difícil de escrever, cada pessoa tem um processo de criação de texto diferente. No meu caso, acho que os contos me vêm naturalmente, em imagens que vão invadindo minha mente e formando blocos, de forma gradativa. Não há um conto que goste mais, de modo absoluto. São como filhos. Alterno o carinho em relação aos mesmos de acordo com o tempo. Atualmente, o conto do livro Teresa Decide Falar que mais tem ocupado meu pensamento se chama “Duas Irmãs”. Após o fim de um casamento longo, foi necessário um momento de reflexão sobre o amor e a criação de vínculos: não apenas amorosos, mas também vínculos de amizade. “Duas irmãs” é um conto que fala sobre as possibilidades de amor: O que buscamos no outro? A nós mesmos? Por isso pensei nas protagonistas como sendo irmãs gêmeas com uma afinidade extrema. Parte da seguinte premissa: quando nos apaixonamos ou nos sentimos atraídos pelo outro/outra, o que nos atrai não seria nosso próprio reflexo? A busca por espelhamento? O que vejo de mim no outro?
Keuane Ferreira: Você teria alguma frase ou algo especial a dizer para minha turma do 8° período do curso de letras na UEMA, sobre a sua escrita ou qualquer outra coisa que gostaria de compartilhar para deixar registrado sua presença neste trabalho?
Lindevania Martins: Quero agradecer o convite para falar sobre minha literatura e registrar a importância de que possamos ler os autores e autoras contemporâneas, pelo que parabenizo a turma e professor de vocês por abrirem espaço para autores maranhenses do presente. Cada autor e autora, através de sua obra, fala sobre os desafios do mundo que nos cerca. Estamos em um momento grande de mudanças, com vários desafios, e é preciso parar para pensar sobre como responder às angústias que isso nos provoca. A literatura, através dos encontros que os livros possibilitam, entre as inquietações de uma autora e as de seus leitores, por exemplo, permite que possamos refletir em conjunto: cada um apresentando suas próprias respostas e construindo novas possibilidades.
A entrevistada – Lindevania Martins é graduada em Direito, mestra em Cultura e Sociedade (UFMA) e mestra em Direito Constitucional (UFF). Ex-Delegada de polícia civil, é defensora pública de Defesa da Mulher e População LGBT. Atua como escritora, palestrante e pesquisadora em Gênero, Tecnologia, Direito e Literatura. É membro do coletivo literário Mulherio das Letras. Venceu o 6o. Premio CEPE de Literatura (2021), além de outros prêmios literários locais e nacionais. Autora dos livros “Anônimos” (2003), “Zona de Desconforto” (2018), “Longe de Mim” (2019), “Fora dos Trilhos” (2019), “A Moça da Limpeza” (2021) e “Teresa Decide Falar” (2022). Possui contos e poemas publicados em diversas antologias e sítios eletrônicos.
A entrevistadora – Keuane da Silva Ferreira é acadêmica de Letras (UEMA), apaixonada por Letras/Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Pesquisadora da área de Literatura Brasileira, tem como tema de pesquisa: Literatura Intimista, Gênero e Mulher. Uma das principais autoras da sua pesquisa é Clarice Lispector.
Uma resposta
O única observação a comentar é admiração pela poeta escritora Lindevania pela sua lucidez em responder a entrevista de forma sensata e muita propriedade nas respostas. Concordo plenamente com ela.