Recentemente o Conselho Nacional de Educação (CNE) criou a Comissão Especial de Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito. A sociedade em geral terá sua participação assegurada? Essa pretensa atualização do currículo será estabelecida somente pelo Ministério da Educação (MEC) ou também contará com docentes profissionais dos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)? Quais os parâmetros adotados pelo CNE para montar a lista dos componentes? Qual o significado de atualização para o CNE e para a OAB? O que realmente pretende o CNE com essa almejada alteração curricular?
O MEC é órgão da administração pública federal direta e tem como uma de suas áreas de competência a educação no ensino superior. Possui alguns órgãos específicos singulares como a Secretaria de Educação Superior e a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior. Na sua estrutura conta com o CNE para exercer as competências de que trata a Lei que fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Tendo este em sua composição a Câmara de Educação Superior (CES), que tem como uma de suas atribuições deliberar sobre as diretrizes curriculares propostas pelo MEC para os cursos de graduação.
Dito isso, percebe-se claramente que em meio à Legislação Educacional que é esparsa, existe o protagonismo do MEC e, mais especificamente do CNE/CES, para instituir, por Resolução, as Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de graduação em Direito (DCNs), bacharelado, a serem observadas pelas Instituições de Ensino Superior (IES).
No entanto, em meio a essa construção normativa, o art. 7◦ da Lei n◦ 4.024, de 20 de dezembro de 1961, que ainda está vigente, tem sido “solenemente” olvidado: “O Conselho Nacional de Educação, composto pelas Câmaras de Educação Básica e de Educação Superior, terá atribuições normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministro de Estado da Educação e do Desporto, de forma a assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional.” (grifo nosso)
Salvo melhor juízo e com a máxima vênia, o MEC/CNE/CES não tem estabelecido meios para democratizar a reorganização do ensino superior. Evidências de participação social em processos decisórios, de regulação ou de criação de DCNs não fazem parte dessa rotina burocrática do Executivo Federal.
E, embora figurem alguns causídicos renomados na composição da Comissão Especial de Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito, parece-nos que aqueles que efetivamente vivenciam a realidade dos cursos de Direito (advogado(a)s docentes e que participam da Comissão Nacional de Educação Jurídica da OAB (CNEJ) e/ou das Comissões de Educação Jurídica das Seccionais da OAB (CEJs)) não fazem parte do rol necessário para a readequação curricular. E isto se apresenta, no mínimo, como uma incoerência institucional e sem base legal.
Em outras palavras, os integrantes da CNEJ e das CEJs, em tese, conhecem os documentos institucionais, os representantes de cada IES, o corpo docente e discente, as infraestruturas, o acervo físico e digital, o contexto no qual os cursos estão inseridos, as principais demandas, o que está ou não produzindo efeitos positivos, etc. Então por que não são convidados a colaborar? Quem sabe mais do dia a dia dos cursos de Direito que o(a)s advogado(a)s docentes e coordenadore(a)s?
Humildemente falando, quem realiza as visitas presenciais das Comissões de Educação Jurídica nas Seccionais sabe que a “leitura” dos examinadores do INEP/MEC (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) é meramente documental e à distância. Diferentemente do que é realizado pelas CEJs que, para produzirem suas manifestações (Relatórios de Visita Técnica Presencial), em regra, verificam “in loco” as Instituições no sentido físico e conversam com profissionais de vários setores, confrontando o que está escrito e o que realmente existe. Até quando o MEC irá desconsiderar os esforços da OAB em prol de um Ensino Jurídico de qualidade?
O MEC/CNE/CES tem a incumbência de “liderar” esse processo, mas não deve desconsiderar a expertise daqueles que realizam diuturnamente o Direito nas milhares de academias mal distribuídas nas dimensões continentais do Brasil. E, em relação à participação da OAB, entende-se que deve ser prioritária não apenas nos processos de regulação (por força do Decreto Presidencial n◦ 9.235, de 15 de dezembro de 2017 e do Regulamento Geral previsto na Lei n◦ 8.906, de 04 de julho de 1994), mas também na contrução das DCNs que irão nortear os Projetos Pedagógicos dos Cursos (PPC) por ser capaz de revelar ao legislador a interseção entre o mundo acadêmico e o mercado de trabalho.
Além disso, os presumíveis parâmetros adotados pelo CNE para montar a lista dos componentes estão envoltos em mistério. O que reitera a sensação de não participação da sociedade e da OAB (CNEJ e/ou CEJs) no aperfeiçoamento da educação jurídica nacional.
É imperativo que as DCNs dos cursos de Direito sejam atualizadas sempre que as demandas sociais e profissionais estiverem incompatíves com os processos dialógicos e dialéticos utilizados nas metodologias de ensino. Porém, esse conceito ou proposta de atualização deve ser tornada pública e seus critérios devem ser intelegíveis e de fácil efetivação nos bacharelados.
Espera-se, com alguma esperança, que a pretexto de modernizar ou melhorar o currículo dos cursos a partir de 2025, não estejamos diante de mais uma tentativa do MEC em preparar o caminho para a autorização em massa de cursos de Direito na Educação a Distância (EaD). Pois, como já amplamente discutido em textos anteriores, ainda não é o momento: por ausência de previsão legal expressa, inúmeras deficiências de ordem pedagógica e falta de estrutura técnica relacionada à internet que compromete a eficácia de estudos remotos. Além dos péssimos resultados obtidos no ensino presencial do Direito ao verificarmos os dados do ENADE (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes) e do Exame de Ordem (Teste Nacional Unificado de Proficiência Profissional na Advocacia).
E por falar na notória precariedade do ensino do Direito (presencialmente) uma reflexão salta aos olhos. O que motivou o MEC/CNE/CES a preocupar-se agora com as DCNs dos cursos de Direito em meio a sua inegável falta de supervisão da Educação Jurídica? Embora uma ação não impeça a outra entende-se que, tão importante quanto reorganizar legalmente os cursos de Direito, é realizar ações de supervisão para que os documentos produzidos tenham capacidade de gerar um efeito real.
Acredita-se que este singelo texto sirva de reflexão e ação tempestiva. De acordo com uma máxima no Direito, este não socorre aos que dormem. Porém estamos acordados e ávidos por contribuir realisticamente para um ensino jurídico de qualidade.
Diante dos aspectos abordados, conclui-se que: a sociedade em geral e a OAB (CNEJ/CEJs) ainda não participam da contrução e/ou alteração das DCNs dos cursos de Direito; a atualização pretendida será presidida e estabelecida pelo MEC/CNE/CES e não pelo(a)s advogado(a)s docentes e/ou coordenadore(a)s de cursos de Direito; a escolha dos integrantes da Comissão Especial de Revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito não teve seus fundamentos revelados; ainda não se sabe o que será atualizado e o porquê.
Uma resposta
Meus parabéns! Dr. Cláudio Santos, excelente reflexão.