domingo, 3 de novembro de 2024

ENTREVISTA – PAULO THIAGO FERNANDES DIAS: O que representa Flávio Dino no STF

Publicado em 14 de dezembro de 2023, às 1:59
Fonte: Da Redação
Imagem: Divulgação.

O professor Paulo Thiago Fernandes Dias, doutor em Direito pela Unisinos, analisa nesta entrevista o papel que o futuro ministro do STF, Flávio Dino, poderá ter na Suprema Corte e faz um balanço das funções do Tribunal. Vale a Leitura.

Região Tocantina – Para quem não conhece, como funciona o STF?

Paulo Thiago – O STF integra o Poder Judiciário, ocupando o topo do organograma desse Poder. Composto por 11 pessoas (ministro(a)s), indicados pelo Presidente da República, dentre brasileiros natos, na faixa etária acima dos 35 aos 65 anos de idade, e com “notável saber jurídico e reputação ilibada” (art. 12, § 3º, IV, e art. 101, ambos da Constituição da República); o Supremo Tribunal Federal atua tanto no julgamento de ações originárias, como também no que diz respeito a processos iniciados na justiça ordinária, em justiças especializadas ou em tribunais superiores, por intermédio de recursos. Uma vez indicado pelo Presidente da República, a posse no cargo de ministro do Supremo (cargo vitalício) está condicionada à aprovação pela maioria absoluta do Senado Federal. Sobre as matérias que aprecia, o STF é o órgão jurisdicional competente para emitir a última palavra acerca da defesa da Constituição. Logo, toda e qualquer discussão do direito do trabalho, das ciências criminais, do direito civil, etc que trate de impasse sobre a guarda da Constituição, ao STF competirá a decisão final (se o caso for remetido ao Supremo pela via recursal ou em se tratando de competência originária).    

Região Tocantina – O STF tem qual papel na institucionalidade brasileira?

Paulo Thiago –  Em apertada síntese, na condição de órgão de cúpula do Poder Judiciário, o STF possui considerável relevância para a institucionalidade da República brasileira. Basta ver a amplitude da competência conferida ao Supremo pela Constituição da República, seja na perspectiva jurisdicional individual (notadamente, quando julga crimes para os quais possui competência originária e/ou é provocado por meio das ações autônomas de impugnação, como no caso do Habeas Corpus), como também coletiva. Cito aqui as inúmeras ordens de soltura proferidas pelo STF, durante o julgamento de ações de Habeas Corpus, para o reconhecimento da atipicidade de furtos insignificantes. Não é raro tomarmos conhecimento de pessoas que foram presas (e até condenadas) por furtos de chocolate, sabonete etc e que só foram soltas após seus casos chegarem ao STF, isto é, após terem recebido negativas injustificáveis da Justiça Ordinária e do STJ.   Demais disso, o STF possui papel de destaque no denominado controle de constitucionalidade abstrato e concentrado de leis ou de atos normativos federais ou estaduais, cujo parâmetro de constitucionalidade seja a Constituição da República de 1988. Tentando ser didático, uma lei federal para ser aprovada, após 05 de outubro de 1988, ainda que obedeça aos requisitos do processo legislativo, pode ver sua validade questionada no STF, por alguns dos legitimados para a propositura das ações de controle, caso se demonstre que ela tenha, por exemplo, alguma incompatibilidade com a constituição. O STF também tem competência para julgar crimes comuns, crimes de responsabilidade e para promover o controle de constitucionalidade pela via difusa, isto é, a partir da análise de casos concretos (inclusive, é o que está ocorrendo no processo que trata da inconstitucionalidade do porte de drogas para consumo próprio).

Região Tocantina – Qual, na sua opinião, será o papel de Flávio Dino no STF?

Paulo Thiago – Após tomar posse no cargo[i], Flavio Dino terá atribuições constitucionais, legais e regimentais já conferidas aos demais ministros. Pela sistemática atual, não existe hierarquia entre os ministros do STF. Assim, além de herdar os processos pendentes de julgamento pela ex-ministra Rosa Weber, Flavio Dino será provocado a julgar outros casos levados a julgamento pela Turma ou pelo Plenário. Vale observar que, eventualmente, mesmo que algum processo já esteja sob a responsabilidade do gabinete do ministro Dino, ele pode se considerar suspeito para julgar esse ou aquele caso. As hipóteses de suspeição constam da legislação processual penal brasileira.   

Região Tocantina – Pode-se dizer que as indicações para o STF são políticas?

Paulo Thiago –  Geralmente, nas democracias mais tradicionais, a nomeação para o cargo de juiz ou ministro da corte suprema é proveniente da Política. E, convenhamos, nenhum problema existe nisso. O método de escolha de um Ministro para o STF pode diferir na forma ou na questão do prazo do mandato, por exemplo, mas costuma a ser uma escolha política do chefe do Poder Executivo, do Monarca ou do Parlamento, conforme o caso.  Veja-se, por exemplo, que os juízes da Suprema Corte estadunidense são nomeados pelo Presidente da República, depois de passarem por aprovação do Senado. Em Portugal, o próprio Tribunal Constitucional participa do processo de escolha dos novos integrantes. Na Espanha, além do Congresso, o Governo e o Conselho Geral do Poder Judiciário participam do processo de escolha. E por aí vai. Obviamente, eu não conheço o método de funcionamento de escolha de todos os países. Vale mencionar que não existe uma única tradição jurídica em vigência no mundo. Em verdade, nós trabalhamos muito com alguma ignorância deliberada à cultura de outros povos (destacadamente, os orientais e africanos), por conta da nossa colonização e também pela proximidade com os EUA. Eu trouxe algumas experiências jurídicas estrangeiras sobre o processo de escolha ou indicação do ministro da Suprema Corte apenas para ilustrar como essa indicação política não se configura como algo exclusivo da experiência brasileira. Ademais, é bom lembrar que, até mesmo para a primeira instância, a regra do concurso público (consagrada em nossa Constituição) não é comum a todos os países. A indicação política de juízes ou ministros para a suprema corte (ou Supremo Tribunal Federal, no caso brasileiro) tem como pressuposto o sistema de freios e contrapesos, por meio do qual, pelo menos em teoria, Legislativo, Executivo e Judiciário exerceriam o poder de forma equilibrada, sem que um prevalecesse sobre o outro.  Voltando ao caso brasileiro, acredito que a discussão tenha adotado outro grau de repercussão por conta do forte discurso que a extrema-direita utiliza contra o STF, especialmente após a derrota de seu principal líder nas eleições presidenciais de 2022. Como sugestão de melhoria, acredito que se deveria respeitar a política de cotas (gênero, cor, orientação sexual, etc) no processo indicação para o STF também.  Sobre o papel a ser desempenhado pelo Ministro Dino, espero que ele se paute pelo respeito à Constituição da República (aos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos, às leis e à Ciência Jurídica) e se cerque de bons assessores, julgando com independência e se tornando uma voz importante na luta contra o autoritarismo, destacadamente no campo processual penal, agindo sempre como julgador e nunca como parte ou agente político. A propósito, recentemente, o ministro Alexandre de Moraes participou de evento do governo federal para a inauguração do programa “Plano Ruas Visíveis – Pelo direito ao futuro da população em situação de rua”, no Palácio do Planalto. Não é preciso ser da área jurídica para se saber que esse tipo de postura não é aceitável. Espero que Flavio Dino, ao tomar posse no cargo de ministro do STF, recorde-se dos seus tempos de magistrado, de professor da UFMA e busque o necessário distanciamento dos holofotes e da sua fase como ocupante de cargo eletivo. Ele tem elevação suficiente para saber virar a chave. Uma coisa que me incomoda bastante, especialmente em se tratando de Ministro do STF, é essa impostura assumida por alguns, no sentido de opinarem sobre tudo, de se apresentarem como sabichões e curadores de todos os interesses da nação. Nada disso é da essência do cargo de juiz (seja da primeira instância, seja de um tribunal superior). Juiz tem que falar nos autos (e quando provocado).      

Região Tocantina – A composição do Supremo, na sua opinião, reflete a sociedade brasileira?

Paulo Thiago –  Conforme o gancho deixado pela resposta à pergunta anterior, pesquisas feitas pelo próprio Conselho Nacional de Justiça, acerca do perfil da magistratura brasileira em geral, já evidenciam que o Judiciário é majoritariamente composto por homens brancos, de classe média alta e casados (ou em união estável)[ii]. Quando a análise recai sobre a progressão na carreira (da primeira para a segunda instância) ou sobre a indicação para os Tribunais Superiores (TST, STJ, TSE, STF e STM), a elitização do Poder Judiciário se mostra ainda mais chocante (e reprovável). Voltando ao STF, após a saída da Ministra Weber, apenas a Ministra Carmen representará o gênero feminino no Tribunal, sendo que nenhuma mulher negra tomou posse como ministra do Supremo. Quando teremos uma jurista indígena no STF?  Sobre esse tópico, acredito que a posse de Flavio Dino colocará uma marca negativa sobre a sua ida para o STF. Pois se ele já era perseguido pela extrema-direita (por conta de motivos espúrios, é bom que se diga), Flavio Dino passa a ver a reprovação de seu nome por setores democráticos relevantes (com ênfase para movimentos sociais) que, corretamente, cobravam a indicação de uma mulher negra ou indígena para a vaga deixada pela ministra Weber. Dino não merecia tomar posse no cargo com esse constrangimento. Aliás, deixo aqui a minha posição a respeito: é inadmissível que o órgão de cúpula do Judiciário brasileiro seja o retrato fiel da elitização e da falta de representatividade de seu povo. Dino preenche os requisitos para o cargo de ministro do STF? Com absoluta certeza, tanto que seu nome foi aprovado pelo Senado ontem. Ocorre que centenas de juristas negras e indígenas também estão à altura do cargo. Não custa lembrar que o Poder Judiciário é um órgão que decide de forma contramajoritária, se preciso for para garantir o respeito aos princípios e fundamentos constitucionais. A ausência de representatividade pesa.

Região Tocantina – Fazendo um exercício de futurologia, Flávio Dino no STF fecha as portas para uma possível candidatura?

Paulo Thiago –  Não necessariamente. Enquanto ministro do STF (caso seja empossado no cargo), Flavio Dino não poderá concorrer a nenhum cargo eletivo como prefeito, governador, presidente da República ou parlamentar. Basta lembrar que o ex-ministro Joaquim Barbosa teve seu nome ventilado para a disputa eleitoral de 2022 e que ex-integrantes da chamada “operação lava jato” disputaram e até tomaram posse como parlamentares no último pleito. O próprio Dino pediu exoneração do cargo de juiz federal para se tornar deputado federal, deflagrando a sua carreira na Política. Entretanto, segue em discussão no Congresso Nacional uma provável quarentena para que magistrado(a)s possam disputar eleições após deixarem seus respectivos cargos no Judiciário[iii].  Enquanto esse projeto de lei não é aprovado, nada impede que um magistrado se exonere do cargo e dispute as eleições (desde que respeitando as demais regras previstas na legislação eleitoral e na Constituição). Obviamente, Flavio Dino terá muita atenção da mídia, após tomar posse como ministro. Porém, pelo que conhecemos de sua trajetória, Dino não fará do STF um palanque para futuros projetos eleitorais. Não é do seu perfil. Flávio Dino já foi magistrado. Durante o exercício da magistratura federal, Dino atuou com decência e respeito ao cargo. Creio que ele também respeitará o STF. Sua biografia dá indicações nesse sentido. Por fim, espero que Flavio Dino contribua consideravelmente para o debate jurídico e para a confirmação do STF como guarda máximo da Constituição da República, fundamentalmente, no que diz respeito à defesa dos direitos fundamentais.


[i] Paulo Thiago Fernandes Dias é Doutor em Direito (PPGD/UNISINOS). Mestre em Ciências Criminais (PPGCRIM/PUCRS). Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal (UGF). Bacharel em Direito (CCJ/UFPA). Advogado. Professor Universitário (UNICEUMA e UEMASUL). Pesquisador. Autor de livros e artigos jurídicos. Esta entrevista foi concluída após o conhecimento da aprovação da indicação de Flavio Dino para o STF pelo Senado, conforme: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2023/12/13/senado-vota-dino-e-gonet-para-stf-e-pgr.htm

[ii] Fonte: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2019/09/a18da313c6fdcb6f364789672b64fcef_c948e694435a52768cbc00bda11979a3.pdf

[iii] Fonte: https://www.camara.leg.br/noticias/804662-quarentena-para-militares-policiais-e-juizes-e-excluida-do-novo-codigo-eleitoral/

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