sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

ARTIGO DE SEGUNDA #09 – ALGUNS INSTANTES COM CELSO BORGES

Publicado em 23 de outubro de 2023, às 9:21
Fonte: José Neres – Professor. Membro da AML, ALL, APB e da Sobrames-MA
Imagem cedida pelo autor.

Recentemente, no dia 23 de abril deste ano corrente, portanto há apenas seis meses, a música, o jornalismo e a literatura maranhenses se despediam da presença física de Antônio Celso Borges Araújo – mais conhecido como Celso Borges, um artista que transitava por diversas searas e que por onde passava deixava seus rastros de criatividade e de cuidado com as palavras, fossem elas para serem degustadas pelos olhos, a partir da leitura de seus poemas eternizados em livros, fossem elas transmitidas pelas ondas sonoras, pela audição de suas canções que continuam ecoando na interpretação de diversos artistas.

Autor de diversos livros, Celso Borges era o tipo de poeta que se preocupava com cada mínimo detalhe de seus livros, desde o permanente cuidado com as escolhas lexicais até a preocupação com os aspectos gráficos de cada trabalho que publicava. Em suas mãos, as palavras ganhavam vida, mesclavam-se e se multiplicavam nas diversas possibilidades oferecidas pela relação existente entre vocábulos, imagens, vazios e silêncios. Seus poemas eram planejados minuciosamente e podem esconder dentro de si muito mais do que aquilo que é captado pelos sentidos nos contatos iniciais.

Sabedor de que “a palavra é tudo ou nada” (Nenhuma das Respostas anteriores, 1996, pág. 11), o poeta equilibrava-se entre as inovações estéticas e uma percepção de que às vezes é preciso curvar-se às tradições sem nelas sentir-se eternamente preso. Logo no início do livro Vinte e Um: Poemas (2000, pág. 19), ele escreveu:

tua bênção, poesia

em nome do pai

do filho

e do espírito

              canto

Irônico e observador, Celso Borges era especialista em provocar o leitor e levá-lo a uma reflexão acerca de tudo aquilo que nos cerca ontem, hoje e sempre, já que, embora seus textos estejam ambientados em um determinado tempo e espaço, ele tinha consciência da inefabilidade da poesia e de que as singularidades locais não deveriam sucumbir diante das universalidades pontuais. Talvez por isso, situar a poesia de CB dentro de um determinado estilo literário seja uma tarefa árdua para quem se preocupa mais com os escaninhos da literatura do que com a leitura aprofundada dos textos. Essa indefinição quanto a alguma filiação estética chega a transparecer no irônico poema “Mefisto” (Nenhuma das Respostas anteriores, 1996, pág. 77), onde está escrito que:

nem eterno nem moderno

desejo por desejo

prefiro o inferno

Outra característica bastante marcante na poética de Celso Borges é a recorrência intertextual aos escritores que marcaram sua trajetória, tanto de consumidor quanto de produtor de poemas. É possível perceber em seus textos a presença de autores de diferentes linhagens literárias, como Haroldo de Campos, Maiakóvski, José Chagas, Ferreira Gullar, Vinícius de Moraes, E. E Cummings, Shakespeare, Caetano Veloso, Ezra Pound, Edgar Allan Poe, Nelson Rodrigues, Mary Shelley, John Fante, Bukowski, Jack Kerouac e Cecília Meireles, entre outros tantos que aparentemente contribuíram para a construção de seu estro poético e de sua sólida formação leitora.

Não era do feitio de Celso Borges fugir dos conflitos ideológicos e colocar-se sobre um muro. Ele preferia um justo combate no qual as palavras eram as armas utilizadas para enfrentar as adversidades sociais e políticas detectadas por seu arguto olhar. Ele escolheu um lado para lutar e muitas vezes abandonava as trincheiras para enfrentar os problemas de peito aberto, como ocorre no poema abaixo, intitulado “Fascista” (Belle Époque).

PORQUE A VIDA É BREVE

E A ARTE RARA

FODA-SE A MASSA IGNARA

Em seu livro No Instante da Cidade, publicado em 1983, o poeta fragmentou sua cidade natal em quatro partes, ou em quadrantes, intitulados 1. Antes da Cidade; 2. A carne da cidade; 3. A cidade e o tempo dentro da vida e 4. O ciclo das cidades. Em cada um desses quadrantes, o poeta demonstrou a seus leitores que há múltiplas possibilidade de leitura da cidade, de acordo com o viés do olhar, como o momento ou com o ângulo adotado, afinal:

num primeiro instante – mesmo antes –

a cidade é uma pedra só

                            desguiada do meu propósito

no momento seguinte

é um monumento

uma fotografia de álbum

                            estática irreversível

do tamanho – por exemplo – de meu coração

no instante do homem

é um bloco infértil

um robot

do tamanho dela mesma

no instante da máquina

é um túmulo

ou se você quiser

                            um campo de concentração

Cada parte do livro, então, se multiplica em breves poemas que podem ser vistos como independentes, mas que também podem formar um grande mosaico, um grande painel que precisa ser completado a partir de uma ideia de plena incompletude. O eu lírico do livro flana não apenas pelos pontos físicos ou (a)temporais da Cidade, mas também pela busca de algo que faça com que ele mesmo se compreenda como parte integrante e ativa da cidade, afinal de contas:

(…)

já não tardo

se sou terno – padeço

se sou verbo – esqueço

se sou carne – apodreço (pág. 63)

Celso Borges foi um poeta de grandes recursos literários. Em seus livros e em suas canções o poder das palavras emana não apenas da fixação definitiva das letras no papel, mas sim das dúvidas que dali emanarão. Habilidoso com os versos, ele elevou à segunda potência poética a seguinte “Dúvida”: “Luto: verbo ou substantivo?”. As possíveis repostas parecem não interessar, pois em pleno século XXI, quando “o futuro tem o coração antigo” e o mundo está “pelo avesso” e repleto de “persona non grata”, talvez o mais correto seja esquecer a tal da “belle époque”, aproveitar cada “instante da cidade” e marca “nenhuma das respostas anteriores”.

Celso Borges não é um Poeta de (in)definições. É um Poeta que apenas defendeu a ideia de que “há simplesmente poesia em tudo de mim”. A poesia habita o poeta e faz dele uma cidade repleta de infinitos instantes… todos repletos de Poesia.

2 respostas

  1. O intelectual e consagrado José Neres dispensa comentários. Ele é competência plena em seus trabalhos. Seus escritos em qualquer área literária, há presença do professor.

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