EDMILSON SANCHES — [email protected]
Herênios vêm fazendo História há muito tempo. Antes e depois de Cristo.
Herênio Pôncio e seu filho, o comandante Caio Pôncio Herênio, o senador Lúcio Herênio, Herênio Etrusco, imperador romano, e sua mãe, Herênia Etruscila — todos Herênios cujos feitos e existência, a partir de 24 séculos atrás, têm merecido o cuidado e as consignações da História.
Nos primeiros cem anos antes de Jesus nascer, também pontificou Marcos Herênio (Marcus Herennius), cônsul romano, a quem foi dedicada a famosa “Rhetorica ad Herennium” (“Retórica a Herênio”), de autor ainda desconhecido, o mais antigo tratado sobre a arte da eloquência, do bem falar, o uso da linguagem com beleza e capacidade de persuasão, a arte da palavra — que era tão importante a ponto de constituir o “trivium”, a primeira parte do ensino universitário na Idade Média, com três disciplinas (retórica, gramática, lógica), ministradas antes do conjunto de saberes seguinte, o “quadrivium” (aritmética, geometria, música e astronomia). Juntas, essas sete disciplinas formavam as Artes Liberais ou as Sete Artes. A “Retórica a Herênio” mantém sua atualidade e desperta interesse até hoje, sendo objeto de estudos acadêmicos, em especial no Direito.
Outros Herênios — muitos — atravessaram tempos e territórios, entre eles o José Herênio de Souza, um filho de três cidades: nasceu em Marabá (PA), registrou-se em Carolina (MA) e viveu em Imperatriz, terra de Dª Raimunda Herênio de Souza, sua mãe, casada com o Sr. Conrado José de Souza, seu pai.
E é da história imperatrizense, a partir de seu início, que José Herênio hoje e de há muito tornou-se, provavelmente, a maior referência viva, o maior repositório, o melhor depositário, detentor do mais consistente repertório de fatos primevos. Nisso ele é mestre e disso ele é, em igual tempo, proprietário, herdeiro, legatário — como, aliás, está no significado do nome latino “Herennus”, originado de “heres”, herdeiro.
Em 1927, ano em que José Herênio nasceu, o piloto norte-americano Charles Lindbergh realizava seu primeiro voo transatlântico sem escalas. Em 1927 também “nasceu” a VARIG – Viação Aérea Rio-grandense, fundada em Porto Alegre (RS). A VARIG foi uma das primeiras companhias aéreas do Brasil e uma das maiores e mais conhecidas do mundo, a primeira a ligar o Brasil à África e à Ásia, para onde nosso país não tinha até então voos comerciais. Pois foi exatamente sua coetânea VARIG que, em maio de 1951, contratou José Herênio e deu-lhe oportunidade de fazer o curso de Navegação Celestial, tornar-se navegador e, depois, piloto de aeronaves de grande porte e chefe do Departamento de Rotas e Rotas Internacionais.
Desses acontecimentos de 1927 o recém-nascido José Herênio nada sabia, evidentemente, mas eles fariam sentido em sua vida, pois — coincidência? – tornou-se militar da Aeronáutica e, depois, aeronauta, contratado pela VARIG no mês e ano em que essa companhia aérea completava 24 anos de fundação. Certamente, à memória hereniana vieram as lembranças do rapazote que, em 1943, aos 16 anos, estava em Carolina e começou a trabalhar na Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul (a antiga Condor), empresa carioca fundada… também em 1927.
Outra profissão que, após a aviação, José Herênio exerceu foi a advocacia. Formou-se em Direito e especializou-se em Direito Processual Civil na Faculdade Cândido Mendes, sediada no Rio de Janeiro (RJ), a mais antiga universidade privada do Brasil, fundada em 1902, há 121 anos, por um maranhense que nem Zé Herênio, o político e advogado Cândido Mendes de Almeida.
Advocacia, sabe-o José Herênio, é voz e verbo, fala e escrita. Advogado é a voz (“vocis”) que está próxima (“ad-“) de alguém em função de algo. Nos anos em que exerceu a advocacia, e em outros anos, Herênio deve ter se lembrado de sua própria voz menina falando junto aos e para os demais colegas de formatura e professores do Colégio Santa Teresinha, das Irmãs Missionárias Capuchinhas, em Imperatriz, onde se formou aos 15 anos e foi designado orador da turma, em razão do brilhantismo e louvor com que concluiu os estudos.
Mais uma vez o futuro de José Herênio se fazia presente em sua mocidade: seria também advogado, uma voz a falar para pessoas, por pessoas. Coincidentemente, entre os seculares, milenares Herênios também se encontravam, entre outras atividades, homens do Direito, gentes de boas falas — de que a acima citada “Retórica a Herênio” é grande ilustração.
O caminho de José Herênio até os 96 anos, que se completam justamente neste 26 de agosto de 2023, foi um percurso iniciado, continuado e vencido com esforço (desde menino), dores (pelos sofrimentos maternos, inclusive), perdas (da mãe, do pai, da amada esposa Sophia), superação (pelas conquistas). Em tudo isso, dedicação e talento.
José Herênio, aeronauta, aprendeu a ler o Tempo, tornou-se amigo dos Céus e suas estrelas; soube decifrar códigos (a partir do Morse); cruzou, como Lindbergh em 1927, o Atlântico e outros oceanos; tornou-se homem dos sete mares e dos cinco continentes; cosmopolitou-se a partir do conhecimento de diversos países, para onde viajou e os quais percorreu, da cortina de ferro da União Soviética às veias abertas da América Latina, da oriental Ásia à ancestral África.
Autor de “Retratos sem Retoques”, “Maranhão – Apagando a Mentira”, “Crônicas Esparsas”, “Imperatriz! Nossa Avozinha, Aos 100 Anos de Idade” e, provavelmente, de rico material inédito, José Herênio mantém-se, sadiamente obstinado, na defesa de causas e coisas para Imperatriz. Por exemplo, faz tempo que ele propôs à cidade — via sua Câmara e Prefeitura municipais, por intermédio da Academia Imperatrizense de Letras, de que é membro — a construção de um monumento, obelisco, o que seja, que marque o “marco inicial” de Imperatriz.
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Já passei diversas semanas no apartamento do José Herênio, no Rio de Janeiro, em Ipanema. Com Herênio e com Dª Sophia (e suas calopsitas) reforçamos e reamarramos laços de amizade. Nas longas conversas na sala, nas demoradas conversas ao telefone, nos ricos registros e bem escritos enunciados de seus textos, Herênio e eu realimentamos essa incontida paixão pela cidade, por sua História, e nossa igualmente incontida decepção com tanta desvontade e “nonsense” havidos e existentes nos sucessivos gestores e representantes imperatrizenses oficiais.
José Herênio completa 96 anos com lucidez e sadio orgulho pela história de que é agente e usuário e da qual é maior autoridade — sua própria história. Gerou filhos (uma médica e um militar), escreveu livros e plantou árvores e amizades. Se dependesse dessa filosofia oriental, seria um homem realizado.
Mas José Herênio não é um homem realizado.
É um homem… realizando.
Porque ele só tem 96 anos.
E ainda há vida — muita vida – pela frente.
Parabéns, Amigo.
Ave, José Herênio!