segunda-feira, 7 de outubro de 2024

Mural das Minas #50: LILIA DINIZ: O sabor das palavras cantantes

Publicado em 10 de junho de 2023, às 8:30

Lília Diniz  é maranhense. Escritora, atriz, cantora, brincante, produtora e gestora cultural.
Tem cinco livros publicados, sendo eles: “Babaçu, Cedro e Outras Poéticas em Tramas”, “Miolo de Pote da Cacimba de Beber”, “Sertanejares”, “Mundo de Mundim” e um livro de contos, “Ao que Vai Chegar”.
Ocupa a cadeira nº 06 da Academia Imperatrizense de Letras e a cadeira “Leandro de Barros” da Academia de Letras do Brasil/Seção Brasília.
Transita entre os palcos do Maranhão e do DF, tendo sido premiada diversas vezes por seu trabalho literário na capital federal. Desenvolve um trabalho literomusical com os poemas do livro “Miolo de Pote”, do qual extraiu conteúdo para o espetáculo “Miolo de Pote em Cantigas e Versos”, e do livro “Sertanejares”, gestados ao longo de 20 anos de jornada e com influências do Brasil profundo, nas nascentes entre os babaçuais maranhenses.
A artista circula ainda, divulgando a obra da escritora goiana Cora Coralina e do Cearense Patativa do Assaré.
Está presente nas redes sociais: Instagram e Facebook:liliadinizpoeta;Site: www.liliadiniz.com.br; Youtube: LiliaDiniz.

CUIDADEIRA

Que eu saiba cuidar
das palavrinhas ainda crianças
que se achegarem ao terreiro
do meu pensar.

Traquinando
no balanço da minha retina,
se liquefazem e
evaporam no céu do meu poema,
ainda anuviada
de ignorâncias.

Que eu saiba agradecer
às palavrinhas anciãs,
enrugadas,
de tempos imemoriais,
com seus cajados
de pontos, vírgulas, interrogações
e parênteses.

Palavras avozinhas
que me ensinam, pacientemente, a
soletrar meu pouco entender,
de um vocábulo raquítico,
e iniciam meus dedos analfabetos
no labor de desentocar
metáforas semeadas
nos quintais do universo.

BRINCADEIRA DE MENINA

Então a gente brincava
imitando as lavadeiras
as dos açudes, dos poços
em cantigas corredeiras
fazendo espuma branquinha
lavando com as casquinhas
daquelas saboneteiras
as roupas das bonequinhas
todas bem prazenteiras.Y

CACIMBA DOS CAÇOTES

É verdade
eu bebi água da cacimba
dos caçotes

De lá pra cá
sinto coaxar das rãs
em minha pele costurada
com fios d’água serenada

Vez por outra
vagalumes saem dos meus ouvidos

Minha língua insiste
falar o vocábulo secreto
das cacimbas
cochichando a mim
estranhezas do lamaçal
que nutre bichinhos gosmentos
e borboletas azuis

À noitinha
é comum brotar raízes dos meus pés e
dos meus seios jorrar mel
lambuzando meu ventre de metáforas doces

A cacimba dos caçotes
fica ali entre a fonte dos tontos
e o córrego do urubu

Quem quiser beber de lá
saiba do risco que é
desvestir-se do que
já não cabe.

AFOGADA

Náufraga no açude
dos teus beijos
pesco estrelas
no céu da tua boca.

ALMAZÔNICA

Por um triz
minha alma não encarnou cigarra.
Talvez por carecer provar o
musgo da palavra
lamber
miudezas rimadas
rastejar
no visgo do poema
minha nascença
teve que ser assim
rastejante

coroada de flores
anônimas
calçada de embiras retorcidas
vestida de folhas falantes e
com vocação
para eclodir cantando.

DÓI INTÉ A ALMA

Mode tua ida repentina
inda hoje é dia que
meus olhos e alma
estão diluridos

Pelejo dias e noites
pra arrancar o gosto
que ainda sinto
das tardes quentes
quando amantes em pecado
nos lençóis de carne ardente
breamos nossos corpos
na estação das mangas.

ALUMIADA

Careço de ti
iluminando os meus dias
com a lamparina
dos teus olhos.

5 respostas

  1. Lília, já fazia um tempo que não lia algo que me encantasse. E, aí, você nos traz essa constelação de poeminhas que são um afago em minha mente e no meu coração. Ferreira Gullar diz que o poema “é capaz de encantar”. Seus poemas confirmam que encanto rima com espanto e com simplicidade criativa.

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