Por: LIRATELMA ALVES CERQUEIRA, formada em Letras pela UFPB, Mestra em Ciências da Educação, especialista em Linguística Aplicada ao ensino de Língua Portuguesa e em Morfologia e Sintaxe da Língua Portuguesa. Professora aposentada da UEMA e membro da Academia Imperatrizense de Letras, ocupando a cadeira 39.
Por ser tão inquestionável como o ar que respiramos, ninguém se opõe a todo discurso da civilização humana – pelo menos em público – sobre a experiência da maternidade. “É uma coisa boa, sem nenhum vestígio de ambiguidade. Uma viagem heroica da mulher, rumo à plenitude do eu”. E Fim de papo.
Incessantemente, nesses últimos duzentos anos, a cultura ocidental divulga a boa nova sobre a maternidade e sobre as reais e abundantes alegrias dela transcendentes. É verdade que, para a absoluta maioria das mulheres, “ser (ou fazer-se) de boa mãe” tornou-se um estilo de vida, pelo menos em nível de comportamento e de discurso público.
Ainda bem que o universo da maternidade vem sendo levado a sério, como foco de estudos científicos, nas três últimas décadas. Pesquisadores, cientistas sociais, intelectuais acadêmicos e estudiosos vêm nomeando, reconhecendo e discutindo não só as dificuldades e o lado sombrio e nunca exposto da experiência completa da maternidade, mas também a luta das mães – principalmente, as primigestas – para conciliar as expectativas sociais com as realidades pessoais de tédio, frustração, medo, coerção, dor e outras mazelas mentais e físicas.
Com base em pesquisas e depoimentos de mulheres, Friedam expõe, em “A mística feminina”, algumas características ocultas da maternidade em toda a sua complexidade, e conclui que a temática menos discutida entre as mulheres instruídas de hoje é o papel da maternidade. A agenda da mulher profissional – financeira, social e culturalmente realizada – não contempla a visão realista dos bastidores do que é a vida das mães.
Na verdade, a maternidade quase sempre é vivenciada com outras atividades, o que aumenta essa onda de culpa, de ressentimento, de ansiedade e, por mais que amem seus filhos pequenos, é desgastante, física e emocionalmente, haja vista que é, exatamente, no “trabalho das mães” para ter e criar seus filhos, “onde a mulher põe todo o seu ser: corpo, alma, inteligência e espírito”. É um papel especial. É diferente, em todos os sentidos, de qualquer outro desempenhado pela mulher.
Os medos, as frustrações e as pressões de uma mulher, depois que se torna mãe, transformam completamente a sua personalidade, suas relações afetivas, sua vida social e profissional, sua visão sobre si mesma. Cria-se um abismo entre as que são mães e as que não o são; aumenta-se a distância entre o significado de ser, ao mesmo tempo, mãe e pai (ou pãe); torna-se mais clara a desigualdade na distribuição das responsabilidades pela reprodução e criação da prole. Sem dúvida alguma, sem rediscutir o desequilíbrio na divisão desse trabalho humano, o feminismo só pode oferecer soluções provisórias, mesmo para as mães modernas, beneficiárias de três décadas de lideranças feministas.
Minha experiência de mãe de quatro filhos pode ser definida como uma espécie de “ignorância estrutural”. Principalmente, com o nascimento dos gêmeos, quando fui descobrindo, forçosamente e em doses homeopáticas, fórmulas próprias de conviver com meus medos, minha insegurança, minha sensação de culpa, por achar que estava fazendo tudo errado. Por que aquela que me gerou e me pariu não me preparou para a maternidade? Não por pura coincidência, eu também não orientei minha filha para essa tarefa, a mais densa que realizamos na vida. Não só pela trabalheira insana e rotina extenuante, mas, sobretudo, pelos conflitos das profundas transformações físicas, psíquicas e emocionais.
E por que ninguém me disse que seria assim? Por que ninguém escreve a respeito? Por que tanto material (muitos poéticos e sentimentaloides, até) sobre as alegrias da maternidade, sobre o significado de ser mãe, a cumplicidade no convívio amoroso, a incondicionalidade da proteção, da dedicação, da “devoção”… a consubstanciação do amor absoluto, o porto seguro, a fonte de sabedoria, e…e…e…? No entanto, nada sobre o quanto a maternidade é difícil, confusa, dolorida. Nada sobre os debates que julgam “o que é bom para a criança”, como se se pudesse separar as necessidades dos filhos das de sua mãe, de sua família; nadica de nada sobre a tolerância das mulheres com a surdez seletiva dos pais, às três horas da manhã, (“um homem precisa dormir bem, porque trabalha (sic) de manhã”); nada sobre uma cultura que exalta o ideal da maternidade, porém subestima ou ignora o trabalho das mães; nada sobre os manuais que descrevem a dor do parto como uma “cólica forte”, e a amamentação apenas como um “pequeno desconforto”. Nada, também, sobre as dores pós-parto, violentas contrações que fazem o útero encolher e voltar à posição normal em alguns dias. É essa conspiração do silêncio que esconde, de nós mesmas, que criar filhos é como jogar vídeo-game: a próxima etapa é sempre mais difícil.
Apesar disso, a sociedade oferece menos preparo para a maternidade do que para qualquer outra atividade. “Quem se envolveria com criação de cavalos ou cães, com tal ignorância?” pergunta a pesquisadora e especialista em criação de filhos, Penelope Leach.
O que sobra é um silêncio complacente, um logro disfarçado, uma pieguice comum de declarações poéticas pueris. E seja o que mais eu possa dizer, essas mulheres amamos nossos filhos, tão absoluta e ferozmente, que não abrimos mão desse viver perigosamente, até para garantir a agridoce manutenção da humanidade.