Linda Barros, professora e atriz. Membro da Academia Poética Brasileira.
Bem, caro leitor, nesse texto de hoje peço licença para escrever em primeira pessoa (ato este que, se observaram, ainda não havia feito por aqui). Mas qual o motivo de fazer e não fazer? Nunca o fiz porque acredito que, quando escrevemos expomos nossas ideias, nossos ideais e nossa opinião e, nesse sentido, às vezes, o pessoal interfere no real sentido do texto. Explicando já, que essas poucas palavras não serão de autoajuda, mas, de reflexão.
Pois bem, entra ano, sai ano e estamos aqui fazendo mil planos. Mas antes de concretizar os tais planos, costumeiramente fazemos reflexões do que deixamos para trás: o que fizemos de bom? O que valeu a pena? O que gostaríamos de melhorar? E por aí vão nossos devaneios de boa conduta.
E em meio a esse turbilhão de reflexões vem à minha mente o “se”, ou mais precisamente o famoso “e se”. Como que uma pequena partícula ou pequena estrutura gramatical tem tanto peso na minha e em vossas vidas? Às vezes tenho vontade da bani-la do meu contexto vocabular, mas acredito que é quase impossível. Por isso falarei do “se” condicional e não do “se” partícula integrante. Pois então, como sabemos, a vida era para ser um percurso em linha reta. Era. No entanto, caro leitor, essa retilínea possui várias curvaturas e que cabe a cada um decidir para onde deva seguir. E como tudo está ligada à dúvida ou à possibilidade, o que vem à minha e à sua mente sempre é o que gostaria de fazer: “Ah se eu pudesse!” ou ainda “e se eu fizesse isso?”, “e se pudesse fazer aquilo”, “e se” tal coisa e coisa e tal?
Lendo A Louca da Casa, da escritora espanhola Rosa Montero, me deparei com uma arte em que ela expõe todas essas angústias que nós sentimos com relação ao “se”. Na obra, Rosa comenta sobre os dissabores pelos quais passa como romancista no processo de criação dos seus romances e que os tais dissabores são compensados “pela fabulação criativa, as outras vidas que os romancistas vivem na intimidade de suas cabeças”. Ela cita o autor português José Peixoto, que “batiza as imaginárias possibilidades de existência de os ‘e se’”. Ela fomenta que ele tem razão, pois “a realidade interna se multiplica e sai do seu controle assim que você embarca num “e se”. A partir daí a autora cria uma narrativa com várias possibilidades pelos quais passariam algum personagem usando o “e se”. Uma partícula realmente intrigante e que deixa não só a mim, mas com certeza a você, leitor, sempre atento à sua realidade e, por que não, à sua angústia.
O escritor, poeta e jornalista Mhario Lincoln em breve estará lançando seu livro de poemas SEXTO SEXO, e tomei a liberdade para transcrever um desses poemas, onde o autor também faz uso do “e se”:
SEEEEE’SHE.
Mhario LIncoln
Olhos lindos,
E se não fossem meus?
Pernas em redondilha maior,
presente da arquiteta natureza
E se não fossem minhas?
Ah! Alma da deusa Afrodite.
E se não fosse minha?
E se a deusa não fosse minha?
Como contar a história
do nosso mais puro amor,
da nossa beleza, dos nossos
desejos, de minha fertilidade
e de tudo que é carne humana?
E se fosse o mistério
dos nossos toques soberbos,
apenas um mito grego?
Ser ou não ser; se ou não se?
– Não, não pode ser mito,
porque fui seduzido
em cabeça, tronco e membros
e me tornei um mero mortal.
Várias vezes nas minhas salas de aula dei umas “sacudidas” nos meus alunos para que eles pudessem entender a real situação do “e se” em suas vidas. A ideia era fazê-los entender que na vida tudo é uma questão de querer fazer, de ter atitude e não só ficar se lastimando “ah se eu pudesse fazer isso” “se pudesse fazer aquilo”. Não só nesses casos, mas em quase tudo, a partícula condicionante está presente nas nossas atitudes, e, assim somos levados pelo “e se” colocando em dúvida os nossos anseios inalcançáveis.
Em uma recente postagem no Twiter, o escritor e acadêmico José Neres faz a seguinte reflexão: “Nunca vi o SE ganhar algum jogo depois do apito final, mas tenho visto muita gente tentando recondicionar o SE na esperança de mudar o placar”. Vou reproduzir aqui também um dos mais belos textos que já li sobre o “e se”.
“Querida Claire,
‘E’ e ‘se’ são palavras que, por si, não apresentam nenhuma ameaça. Mas, se colocadas juntas, lado a lado, elas têm o poder de nos assombrar a vida toda. E se… E se… E se…
Eu não sei como a sua história terminou, mas se o que você sentia naquela época era verdadeiro amor, então nunca é tarde demais. Se era verdadeiro então, por que não seria agora? Você só precisa de coragem para seguir seu coração.
É difícil imaginar um amor como o de Julieta, um amor que nos faça abandonar entes queridos, que nos faça cruzar oceanos. Mas eu gostaria de acreditar que se eu um dia sentir esse amor, terei coragem de persegui-lo. E, Claire, se não o fez naquela época, espero que ainda o faça um dia. Com todo amor, Julieta.”
O referido textos está no filme Cartas para Julieta, de 2010, direção de Gary Winick, tendo no elenco nomes como Amanda Seyfried, Marcia De Bonis, Gael García Bernal. Eu não posso também deixar de mencionar e reproduzir um texto também clássico sobre essa pequena construção gramatical. Trata-se (me perdoem o trocadilho, esse “se” é outra partícula) do poema “If”, de Rudyard Kipling; tradução de Guilherme de Almeida:
Se
Se és capaz de manter a tua calma quando
Todo o mundo ao teu redor já a perdeu e te culpa;
De crer em ti quando estão todos duvidando,
E para esses no entanto achar uma desculpa;
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
Ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
E não parecer bom demais, nem pretensioso;
Se és capaz de pensar – sem que a isso só te atires,
De sonhar – sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se encontrando a desgraça e o triunfo conseguires
Tratar da mesma forma a esses dois impostores;
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas
Em armadilhas as verdades que disseste,
E as coisas, por que deste a vida, estraçalhadas,
E refazê-las com o bem pouco que te reste;
Se és capaz de arriscar numa única parada
Tudo quanto ganhaste em toda a tua vida,
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
Resignado, tornar ao ponto de partida;
De forçar coração, nervos, músculos, tudo
A dar seja o que for que neles ainda existe,
E a persistir assim quando, exaustos, contudo
Resta a vontade em ti que ainda ordena: “Persiste!”;
Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes
E, entre reis, não perder a naturalidade,
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
Se a todos podes ser de alguma utilidade,
E se és capaz de dar, segundo por segundo,
Ao minuto fatal todo o valor e brilho,
Tua é a terra com tudo o que existe no mundo
E o que mais –tu serás um homem, ó meu filho!
E findando mais um ano, me despeço aqui com a possibilidade de “se” um dia tiver mais tempo “e se” tiver coragem, poderei expor um pouco mais minhas ideias e meus ideais transcritos em palavras e espero sinceramente que possa tocar a todos com a mesma simplicidade que sempre demonstrei a todos os meus queridos leitores (espero que tenham percebido). Ah, “e se” puderem ler este texto fiquem à vontade para dar um retorno. “E se” puderem acessar meu insta @lindabarros_ sintam-se todos benvindos.
FELIZ ANO NOVO PARA TODOS NÓS!
Uma resposta
Belíssimo texto. Parabéns!!!