terça-feira, 15 de outubro de 2024

Natal no sertão

Publicado em 14 de dezembro de 2022, às 9:14
Fonte: Por Cristiane de Magalhães – poeta, professora de Língua Portuguesa.
Imagem cedida pela autora.

Por Cristiane de Magalhães – poeta, professora de Língua Portuguesa.

Entre o fogareiro e a entrada do barraco, o presépio montado desde o dia 06 de novembro, como manda a tradição. Algumas peças de um gesso estragado, arranhado pelo passar dos anos. As decorações, levemente empoeiradas, tinham lugar certo no cenário de natal. Naquele ano não teria vaquinhas no presépio. Elas não resistiram às sacudidas do caminhão durante a mudança.

A hora do Ângelus tocava no rádio de pilha, o sol se despedia pelas brechas das palhas. Eu me distraía com uma borboleta no chão de barro, enquanto minha mãe acendia o fogareiro para preparar a ceia de natal. Não havia portas. Apenas uma peça grande de palha tapava a entrada do barraco e simulava proteção.

Num susto, minha mãe me escanchou em seu quadril e fugimos para o lado de fora após um estrondo abafado. Eles eram muitos. E destruíram tudo: as paredes, as panelas velhas, as camisas estendidas no varal próximo às redes e ao presépio. Aquela foi uma noite de natal atípica. Apesar da pouca idade na época, lembro que demorei para engolir o choro.

Aquele homem permanentemente fatigado, como o sertanejo de Euclides da Cunha, sempre tocava o rebanho ao longe. E de lá, eles pareciam pequenos e inofensivos. Nunca chegariam tão perto, era o que todos acreditavam. Mas, mesmo o sertanejo sendo, antes de tudo, um forte, não impediu que as criaturas invadissem o barraco.

A construção da nova parede, a compra de novas panelas e camisas ocorreria num ritmo deprimente. E havia a certeza de que nos anos seguintes não haveria presépio. O símbolo do nascimento do menino Jesus, reaproveitado há vários natais, agora havia sido pisoteado por búfalos e, por isso, foi reduzido a pó.

O medo de dormir ali já era muito grande, mas agora, que estávamos literalmente ao relento, não tinha o que fazer a não ser procurar algum vizinho. Em plena noite de natal, seguimos até o barraco mais próximo, que ficava a uma légua de distância, peregrinando entre a vereda e o clarão da lanterna de meu pai.

O dono da vendinha, a quem todos chamavam compadre, armou para nós três redes. Após um pai-nosso e uma ave-maria, fomos dormir com o estômago forrado pela nossa ceia farta de ovo e farinha. E ao ranger uníssono dos punhos das redes, ressoava a frase sertaneja de meu pai: o pouco com Deus é muito.

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