Como praticamente tudo no mundo, a literatura está sempre em processo de renovação. Novos livros e autores iniciantes convivem com obras consagradas e com nomes que são considerados referência nos vastos terrenos das letras tanto em prosa quanto em verso. Apesar de algumas pessoas ficarem presas ao passado e à tradição, é sempre importante observar o surgimento de novos valores, que nem sempre aparecem com o objetivo de desafiar um sistema literário hipoteticamente solidificado, mas sim como forma de oportunizar novas experiências de leitura para os admiradores da literatura.
Um desses talentosos escritores que vem conquistando espaço entre os leitores é o poeta Neurivan Sousa, que tem se dedicado à poesia e às obras voltadas para o público infanto-juvenil. Nascido no município de Magalhães de Almeida, quase na metade dos anos de 1970, quando o Brasil enfrentava um momento histórico bastante complexo, o jovem mudou-se para a cidade de Santa Rita, onde fincou raízes. Além de poeta e prosador, Neurivan Sousa é também professor e já participou de diversas antologias, tendo publicado os seguintes livros: “Polifonia do silêncio”, “Lume” (2015), “Palavras sonâmbulas” (2016), “Minha estampa é da cor do tempo” (2017) e “O pequeno poeta” (2015-2017) e “Ribamar: o menino peixe” (2020), voltados para o público infanto-juvenil, mas recomendados para leitores de todas as idades.
Desde seus primeiros trabalhos, Neurivan Sousa demonstrou uma criteriosa preocupação com a escolha das palavras. A construção de seus poemas evoca sempre um cuidado com as escolhas lexicais e com o conteúdo a ser transmitido. Não são poemas escritos com o objetivo de apenas preencher uma página ou de solidificar imagens poéticas sem profundidade. O que se percebe é que o poeta está sempre atento aos acontecimentos do mundo, seja com relação às questões sociais, seja nas incursões do ser humano em suas próprias angústias e (in)decisões.
Em “Lume”, no poema As palavras (pág. 42), ele leva o leitor a atentar para a ideia de que:
as palavras não ditas
se tornam fantasmas
daqueles que um dia
cortaram as suas asas.
Essa luta com as palavras, como diria Carlos Drummond de Andrade, é uma constante na poética de Neurivan Sousa, conforme pode ser visto no poema que dá título ao livro “Palavras sonâmbulas” (pág. 34), no qual é possível encontrar a seguinte estrofe inicial:
As palavras me vieram
transversas e sonâmbulas,
teimando em fazer ninhos
na poeira de meus olhos.
A escrita parece fazer parte do metafórico cardápio essencial desse poeta que procura sempre as melhores soluções para condensar suas ideias nas páginas dos livros. Como faz parte de uma necessidade premente, o convívio com as palavras acaba servindo como uma espécie de válvula de escape para tudo o que atormenta o eu lírico, conforme pode ser visto no poema Móbil, na página 51 de “Palavras sonâmbulas”:
Escrevo. Escrevo…
para não morrer de silêncio.
Afogar-me neste mar, onde
as palavras sempre nadam
para o fundo, para o nada,
seria morrer inutilmente
na exorbitância de ser eu.
Logo no primeiro poema de seu livro “Minha estampa é da cor do tempo”, o poeta explicita sua relação com as palavras, que não são vistas como “espuma ou pétalas / Nem como aço ou brasas” (pág. 13), mas sim como um poderoso meio de transformação do ser humano normal em uma espécie de demiurgo capaz de desafiar até mesmo as mais poderosas forças do universo, “porque o oficio do poeta / é rivalizar com Deus” (pág. 13). Imbuído da concepção de que:
O poeta
É um sujeito
E-GO-ÍS-TA!
Não se sujeita
A cabrestos (pág. 42),
O poeta se permite dessacralizar imagens e palavras sem ser ofensivo ao dizer que:
Ser poeta é ouvir
O estrondo do trovão
E dizer dentro de si:
“Deus soltou um pum!” (pág. 43)
Para esse escritor, as palavras podem ser utilizadas de modos diversos. Às vezes, elas patrocinam experiências inefáveis, em outros momentos, elas podem servir como instrumento de denúncia social e como grito de desespero diante das injustiças do dia a dia. As palavras são capazes de reproduzir situações ou de reconstruir universos inteiros. Eliminam ou potencializam a sensação de alegria ou frustração. Constroem muros ou derrubam paredes. Servem como açoite a fustigar feridas ou como lenimento que alivia as dores do mundo. Podendo, inclusive, como aparece em seu mais recente livro – “No éter da voz” – ser um refúgio para as inúmeras batalhas internas que enfrentamos no dia a dia:
No útero da palavra
me refugio de mim
para desintoxicar
o sangue das ideias (pág. 30)
Neurivan Sousa é um poeta consciente de que a palavra é sua matéria-prima e que ela pode (e deve) ser moldada e trabalhada para dali obter o melhor resultado possível. Mas ele não se contenta com essa matéria em forma bruta e passa o tempo a lapidar os versos até conseguir extrair as imagens poéticas que julga mais pertinentes. Em seus versos, mesmo o leitor menos atento ou menos afeito às lides com as metáforas acaba percebendo que a junção entre a melodia das palavras e o contexto onde elas estão empregadas pode trazer um novo e talvez inusitado sentido àquelas ideias que antes pareciam comuns e isentas de poesia.
Como as letras estão sempre em processo de renovação, é importante estar atento ao surgimento de poetas como Neurivan Sousa e muitos outros que despontam pelo Brasil afora. O tempo não para e está sempre pronto para trazer novidades a nossos olhos. Afinal de contas – conforme este escrito em “No éter da voz”:
As folhas do calendário
não carregam pétalas ou pólen
(…)
Porque sabem que a vida é vento
Em semeadura circundante. (pág. 33)
Que venham muitos outros poetas nesta eterna semeadura de palavras. O mundo precisa de poesia!
2 respostas
Neres e sua expertise em decifrar poemas para trazer à tona da linguagem poética o sentido subliminar na poesia de Neurivan Sousa. Sem dúvida, uma justa e sensível leitura.
Parabéns ao poeta e ao ensaísta.
Ensaísta e poeta mergulham na pulsação de uma experiência poética singular.