segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Mural das Minas #22: SAMARA VOLPONY: POESIA COM SABOR DE HUMANIDADE.

Publicado em 29 de outubro de 2022, às 9:04
Imagem cedida pela autora.

Samara Volpony (Samara Laís Silva). Poeta brasileira nascida à beira do rio Mearim, na cidade de Arari/MA, em 1990.
Autora dos livros Contramaré (Patuá, SP, 2017) e Lua de Memórias (Primata, SP, 2021).
Vencedora do 4º Concurso Internacional Poesia Urbana, promovido pelo Centro Universitário de Brusque – UNIFEB e 2ª colocada no 2º Concurso Internacional de Poesia da Casa de Espanha.
Tem poemas publicados em antologias, jornais e revistas nacionais e internacionais.

HOMINI

nada em nós
a não ser o homem de ontem
que palita os dentes
o homini lupus de plauto
preso noutro tempo

nada em nós
a não ser o homem de ontem
de gestos arcaicos
tocando violoncelo
na fogueira das bruxas

nada em nós
a não ser o homem de ontem
empurrado ladeira abaixo
pela pedra bárbara
de um sísifo ao avesso

nada em nós
de ontem
a não ser
o homem.

Imagem cedida pela autora.

GENEALOGIA DO DESERTO

sou da linhagem das ninfas sem nome,
da terra onde corre o rio entre as pedras:
lençol de água dos dragões.

sou do clã dos herdeiros das fomes
e minha pátria é uma miragem,
que ninguém sabe ao certo
onde vivemos (in)felizes para sempre,
cada um no seu deserto.

nunca aprendemos o código da humanidade.

SUÍTE N. 3

como são terríveis as primeiras horas do dia
e seu desejo de loucura:
suportar o seu desastre sob as nuvens
numa pátria parva
e um corpo em declínio à espera do abraço

tocamos árias de bach
para não oferecer à vista o lamento
fizemos todo amor que não demos
solfejamos serenatas

dançamos insanamente ao som de monocórdios
para contrariar fragilidades
enquanto tento não ruir
junto ao salitre das paredes
desta casa sem entes.

BABEL EM PROGRESSO

nosso tempo é curto,
não nos desesperemos,
não nos desesperemos, ainda.

avancemos, pois,
na urgência dos dias sem razão.
babel se ergueu sobre nós,
mas não nos precipitemos ao caos,
demo-nos as mãos para que não nos percamos.

o asfalto sepultou todas as flores.
o progresso sepultou todas as flores.
nos gabinetes e escritórios, são fabricados
sonhos de caneta e papel.
arquivam-se outros tantos,
e, assim, nascem gerações inteiras e infinitas:
milhares de rostos que não sei.

o tempo do progresso chegou,
a ideia do progresso.
vivemos o progresso e o deleite.
mastigamos o grito do progresso,
do mais fino e absurdo.

STELLA MARIS

quando vier o mal
e nos assaltar a sorte,
serei o boi condenado ao abate,
que preferiu o naufrágio
a ajoelhar-se à morte.

ALICE

Alice
seu rosto fez-se espera
no verde parado
da nossa casinha antiga.

o rio ligeiro passava.

inaugurava-se um mais doce ciclo
farto de fadigas

a nossa vida mudava, alice
e no rio
na infância
na casa dos que amei
a tua voz se fazia antiga.

CONFISSÃO

Aos domingos
dói-me
o inútil pecado
confesso
concordo
calo
ficamos assim.

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