segunda-feira, 14 de outubro de 2024

ENTREVISTA –  BIOQUE MESITO: “A poesia maranhense continua dando bons frutos”

Publicado em 17 de setembro de 2022, às 9:34
Fonte: Da Redação.

Bioque Mesito acaba de completar 50 anos de idade e, desses, pelo menos uns 30 de poesia. Escritor premiado em concursos locais e nacionais, já tem na bagagem cinco livros e está com o sexto “no prelo”, como se dizia há algum tempo para usar a metáfora das oficinas de impressão. Divulgador e agregador da literatura, é um dos coordenadores do movimento “Os Integrantes da Noite”, grupo de escritores que vem se reunindo e tentando animar o cenário literário do estado. Nesta entrevista, ele passa em revista a sua trajetória literária e também o cenário poético do estado e do país, a partir do seu olhar de leitor e produtor de poesia. E deixa ensinamentos para os jovens que, assim como ele, desejam seguir pelos caminhos do verso. Confira.

Região Tocantina – O que representa para você ser poeta?

Bioque Mesito – Tenho um poema, em meu livro Odisseia do nada registrado (2020), que diz que um poeta não se difere de ninguém, a não ser pelo seu hábito de caminhar entre as palavras. Ser poeta é ser inconformado (não no princípio apenas político da expressão, mas no inconformismo do Ser).  Quando a gente propõe a escrever uma obra e não somente versos, essa categoria de animosidade se expande. Talvez as pessoas que não escrevam em poesia não tenham a ideia da importância desse Código QR para um literato. Sou poeta porque existe a humanidade, porque ser poeta não é somente um ofício como outro qualquer, mas porque ela me proporciona a sentir um pedaço do paraíso em vida.  

Região Tocantina – Qual é o valor da poesia?

Bioque Mesito – Esta pergunta um pouco se equipara à anterior, pois não se distancia poesia e poeta. Mas isolando um dos termos, no caso a poesia, posso afirmar que poesia é aquilo que a gente não consegue mensurar, mesmo racionalizando. É o que digo em um dos meus livros A desordem das coisas naturais (2018): “toda poesia é um não pensamento”. Poesia é “voar fora da asa”, já proferiu Manoel de Barros ou, então, como disse Nauro Machado em Os parreirais de Deus (1975): “Tenho sede de oceano porque se afunda na minha alma um peixe”. Enfim, poesia é justamente este alumbramento.

Imagem: Editora Penalux.

Região Tocantina – Qual é a sua trajetória poética?

Bioque Mesito – Começo lá pelos anos de 1990, precisamente em 1992. Mas já vinha muito antes escrevendo, porém com mais cautela e procurando encontrar minha dicção poética, a partir desse período citado anteriormente. Nos anos 1990, lá pela metade fui conquistando alguns prêmios nacionais, regionais e locais, não necessariamente nesta ordem e um, em especial, é o Safra 90, uma coletânea de poetas (23 poetas do estado do Maranhão), que institui minha primeira aparição em livro e a uma turma de bons escritores (Antonio Aílton, Ricardo Leão, Hagamenon de Jesus, Dyl Pires, Rosemary Rêgo, Fabio Kerouac, Jorgeane Braga…), o que ficou conhecida como Geração 90. Foi um tempo de construir o que viria a ser meu primeiro livro, A inconstante órbita dos extremos (2001), resultado de um concurso em caráter nacional, lançado por um selo de São Paulo (livro este que resolvi relançar, em 2021, em alusão aos 20 anos de seu lançamento). Após o primeiro livro veio A anticópia dos placebos existenciais (2008), Prêmio Cidade São Luís, na categoria poesia (Prêmio Sousândrade), lançado pela Secretaria de Cultura do município de São Luís (EdFunc). Após um hiato, veio A desordem das coisas naturais (2018), pela editora Penalux-SP. Este livro é a concretização do que chamo de minha primeira trilogia poética, livros que possuem uma certa identidade textual e com textos voltados para a contemporaneidade, para o existencialismo e para o cotidiano. O quarto livro, Odisseia do nada registrado (2020), novamente pela Penalux, é um livro que já busca uma nova identidade poética, do que escrevo nos tempos de hoje (poemas menos experimentais, mais discursivos, mais comprometidos com as questões e os problemas da humanidade contemporânea). Um livro que tem também um certo ar de busca pela espiritualidade, enfim, um livro com contornos diferentes dos anteriores, mas com a minha digital. O mais recente livro que lancei ano passado, Uma estranha maneira de se comparar amanhãs (2021), pela Penalux, é um livro que reúne, assim como o livro anterior, poemas feitos já de 2019 para cá. Um livro pensado na humanidade, em seus conflitos, suas intolerâncias, seus martírios, mas sem o pessimismo que é habitual quando se enfocam estas questões. É um livro que perpassa pelo período da pandemia da Covid-19, mas sem retratar, pois acho que muitos bons poetas, inclusive, lançaram e vão ainda lançar muitos livros focados neste tema. Não há nada de ruim nisso. Porém, penso e alcanço um pensamento mais embasado na obra e não em questões efêmeras, porque senão, a cada momento vou ser como um pêndulo, mudando conforme os fatos históricos, econômicos e culturais vão se alterando eu monto na carona.  Um escritor que se propõe a escrever e deixar uma obra de valor não deve se influenciar por tudo que acontece. Apesar de ter sido um momento importante e de dor, mas a poesia não se restringe a isso. A única alusão que faço à pandemia da Covid-19 é a dedicatória do livro ao meu amigo e poeta Carvalho Junior que foi vítima desta peste que nos abalou, e se não me engano, uns dois poemas, mas sem a panfletagem que muitos se debruçaram.

Região Tocantina – Quem são seus e suas poetas preferido(a)s e por quê?

Bioque Mesito –  Até caberiam nestas páginas. Mas são muitos. O que poderia nortear está em um poema que escrevi no meu último livro, em um poema chamado Os guardados (neste poema cito 22 poetas que considero importantes em meu trabalho e são de minha família poética. Não cito os poetas maranhenses, na verdade, neste poema só cito um maranhense, o Ferreira Gullar. Pois estou fazendo um poema, em fase de conclusão, sobre os meus pares maranhenses, que estará em meu próximo livro, que penso lançar em 2023). Mas o meu eixo central é Borges, Gullar e Cassas. Este último, o que me abriu os olhos para a poesia contemporânea, quando eu iniciava. Luís Augusto Cassas, que em seus primeiros livros já alcançava voos que eu imaginava, mas não conseguia ainda no texto. Borges é leitura habitual. Sempre estou relendo seus livros. Ferreira Gullar um aprendizado constante, um poeta na pura concepção da palavra. Poeta no gênero feminino (apesar de há muito tempo não fazer mais esta distinção, porque vejo que o poeta não tem corpo físico, não tem identidade física, logo não tem órgãos sexuais, se expressa como um Ser na neurologia da palavra), mas seguindo este contexto, tenho algumas que considero minhas mestras: Cecília, Szymborska e uma terceira, que venho lendo há alguns anos e vem me chamando atenção, que é a maranhense Lucy Teixeira. Cecília foi o primeiro poeta que descobri, que li, sua obra de faceta lírica me conquistou. Szymbrorska pela sua atitude sublime, pela pauta existencial, foi a que me fez enxergar a lucidez, formalizar o verso com razão. Lucy é um espetáculo, um poeta de cunho além do tempo que escrevia. Enquanto muitos ainda endeusavam as flores dos túmulos de Afrodite, ela já falava em uma consciência social, na ontologia, sem versos recheados de antiguidade, mas com os pés focados no moderno-contemporâneo.  

Região Tocantina – Qual o cenário hoje da poesia no Maranhão?

Bioque Mesito – Falar em cenário é uma questão muito ampla. Mas posso afirmar, sem ser determinista, que São Luís e o Maranhão poeticamente falando é um território de boas literaturas. Nosso pedigree é histórico, temos tradição secular. A crítica que faço a este ‘cenário’ poético é o de escritores (e, no caso aqui, poetas) estarem escrevendo “ao modo de” ou voltando-se para uma poesia dos primórdios do período do romantismo (e com coisas ruins, diga-se de passagem), é o que chamo de “Ideologia do espelho”. Vejo muitos (até bons escritores) escrevendo como Nauro Machado ou como Ferreira Gullar ou outros ainda mais distópicos, escrevendo como Gonçalves Dias. Ou seja, buscando na dicção alheia a sua dicção. Nauro Machado só existiu um, Gonçalves Dias também. E um terceiro aspecto, não é cenário, é o de alguns escritores seguirem escrevendo como se vivessem no século XIX, com rebuscamento semântico e com referenciais do passado (trocando ‘carro por carruagem’, ‘mulher por dama’, e assim vai), não que não haja poesia nestes termos, mas que são palavras que não condizem mais ao tempo em que escrevemos e nem ao modelo de conduta moral e social que vivenciamos.  Então, o ‘cenário ou cenários’ são variados. Ainda tem a poesia que leva em consideração as minorias raciais, de gênero, políticas que acho que são bem-vindas, pois muita injustiça e intolerância esta humanidade faz e já fez, porém que estes poetas (estou falando de poesia, tá certo?) percebam que são literaturas que se esgotam com o passar do tempo, por se tratarem de confecções uníssonas. Um poeta, muito amigo, me disse certa vez, quando lhe questionava sobre alguns tipos de literaturas, “que não é tempo mais de se observar qualidade somente no texto, mas, o engajamento em determinados tipos ou grupos que se polarizam para um determinado fim social”. Mas, apesar de pontos de vista variados, a poesia nas terras deste estado vem continuando e gerando boas plantações e bons frutos. Poderia informar, sob a ótica do gosto e do alcance pessoal que existe uma geração muito interessante construindo poesia no Maranhão, de Carvalho Junior (que nos deixou recentemente e com muita estrada para caminhar, sendo um dos ‘cabeças’ desta nova leva de poetas), passando por Samuel Marinho, Neurivan Sousa, Rafael Oliveira, Luiza Cantanhêde, Sebastião Ribeiro, Rogério Rocha, Sandro Fortes, Paulo Rodrigues, Adriana Gama, Wilson Chagas, Carlos Vinhort, César Borralho, Cláudio Terças, Daniel Blume (só para citar alguns nomes, não levando em consideração a idade cronológica, mas como vêm se lançando atualmente na poesia).

Imagem: Editora Penalux

Região Tocantina – O que dizer a um(a) poeta iniciante?

Bioque Mesito – Não sei. Não há fórmulas quando se pretende escrever seja em romance, conto ou poesia. Sou um entusiasta em conhecer poetas novos (não necessariamente em idade), pois este intercâmbio traz motivação e conhecimento do que se está pensando e/ou quais estratégias podemos alcançar. Eu nunca fui, quando iniciei há mais de 30 anos em poesia, de pedir para poetas (com uma certa bagagem poética) leem a minha obra e tecerem comentários. Sempre fui em ouvir, ler e participar de eventos literários e culturais para compreender essas pessoas e quem sabe um dia construir uma obra.  Estou aos poucos conseguindo este feito. Muitos dos escritores e poetas que via como plateia hoje me ouvem, me leem, fazem plateia em minhas palestras, lançamentos de livros ou mesmo em meu cotidiano. Mas isso sem nenhuma soberba, é produto de um trabalho pautado na seriedade, na leitura, na busca pela poesia de qualidade.  Então, é mais ou menos por aí, o que dou de pista, de norte para os que estão começando a escrever. Leiam, ouçam, procurem os pares de literatura que estão aí ao seu alcance escrevendo, pois eles terão muito a contribuir com a sua obra.

Região Tocantina – Quais os projetos de Bioque Mesito na poesia?

Bioque Mesito – Muitos. Fiz recentemente, em 3 de fevereiro de 2002, 50 anos de idade. Então, estou a pleno pulmões. Sempre estou em busca de novas realizações, não tão-somente no campo do livro em si, mas da literatura. Fazemos parte de um coletivo de literatura denominado “Os Integrantes da Noite”. Neste grupo, falamos e propomos várias iniciativas, dentre elas uma seleção de poemas, contos e crônicas para ser lançada ano que vem. Os integrantes da Noite, por meio de uma comissão de escritores, têm a proposição de tentarmos falar com o poder público municipal para que seja reativado o “Prêmio Cidade de São Luís”, que é uma lei e que não vem sendo cumprida nos últimos anos. Concurso esse que premia e lança em livro diversas categorias de gêneros literários e que já descobriu e descobre vários escritores. Temos como proposta ao poder público organizado a criação de um espaço para a Literatura do Maranhão, uma espécie de “Casa do escritor” maranhense. Neste espaço seriam contemplados de Gonçalves Dias até os poetas desta segunda década do século XXI. Além de vários outros projetos, que com o tempo e a sua importância iremos costurando. Ideias não nos faltam. E, para ano que vem, como falei anteriormente, meu sexto livro de poesia, A máquina de consertar o mundo, que devo lançar pela editora Penalux, no segundo semestre de 2023.

Uma resposta

  1. Uma entrevista com o requinte de quem sabe o que dizer da poesia. Ou sobre a poesia. Bioque Mesito tem a noção certa, clara, do significado poético. Sem dúvida, o seu óficio de transmutar esteticamente o tempo, a vida e o espaço do mundo contemporâneo já coloca a Literatura Maranhense dos dias de hoje em outro estágio, em outro patamar. Afinal, a poesia que Bioque faz nos traduz aquilo que ele mesmo costuma enfatizar quando diz: “Em busca da poesia perfeita.”. Esse é seu desafio, esse é seu compromisso. Evoé, poeta!

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