Fabio Cardias – Psicólogo, Doutor em Educação e professor do Curso de Enfermagem do CCSST (Ufma Imperatriz).
Mês passado, maio, e esse mês, junho, de 2022, conheci as comunidades ribeirinhas de Santa Cruz do Arari, Jenipapo e Muaná, na ilha do Marajó. Diante da cultura amazônida, amazônida oriental, amazônida paraense, amazônida marajoara, e a particularidade de cada desses três municípios, podemos falar em generalidades e caractecrísticas particulares dessas regiões consideradas distantes ou inóspitas do estado do Pará.
A viagem para Santa Cruz durou, em média, 6h de barco, saindo do Terminal Hidroviário de Belém. A viagem é ao mesmo tempo bonita e cansativa. A chamada Amazônia Marajoara se assemelha ao do continente. O arquipélago marajoara é cheio de rios, furos e comunidades pequenas ribeirinhas. A cidade de Santa Cruz está à beira do imenso Lago Arari, um dos maiores lagos insulares do mundo, considerado sagrado pelos povos indígenas que foram extintos. Maio está na cheia total, mas o mesmo desaparece no verão marajoara, se tanssformando num pequeno filete de água com um terreno úmido imenso que serve ao pasto e caminhada de deslocamento. O que antes era feito por barcos na cheia, na seca é feito a pé, por automóveis traçados ou transporte de tração animal.
Jenipapo é praticamente um bairro da cidade de Santa Cruz. Porém, Jenipapo se caracteriza por ser toda em palafitas de madeira, típica comunidade ribeirinha adaptada à enchente e esvaziamento do Rio Arari, que desemboca no grande lago de mesmo nome. Essa comunidade sobrevive da pesca artesanal, obedece às regras de permissão e parentesco, possui estratégia própria do uso de recursos. Jenipapo possui um povo humilde, há pobreza, dizem haver prostituição infantojuvenil. Mas há, também, muita humanidade, acolhimento ao que vem de fora e comida boa, como pirarucu grande, fresco e sem sal. Jenipapo é um reino sobre as águas no período chuvoso, momento no qual estávamos lá.
Muaná, por sua vez, se localiza em outro lado da ilha do Marajó, à beira do rio Muaná. Na busca de dados pelos municípios onde ocorrem as variações da modalidade de Agarrada Marajoara (Luta Marajoara), essa ocorrência se dá no FestCam de Muaná, nome do Festival de Camarão local do município. Há tanto a luta quanto a corrida de cavalo marajoara, o puruca, assim chamado. Um cavalo adaptado como o búfalo local. O puruca percorre longa distância em sítios alagados, de estatura pequena, é o preferido do vaqueiro marajaoara. De Belém a Muaná, a saída mais conhecida do barco se faz pelo Porto Salmista, no bairro do Guamá. Dos barcos no Marajó, esse que vai a Muaná é um dos mais confortáveis, há também uma pequena lanchonete e ar-condicionado.
Os municípios amazônidas são parecidos, porém há diferenças geográficas e portanto culturais. O Lago Arari se destaca pela sua imponência e itinerância da pesca, e Santa Cruz do Arari e Jenipapo, pertencentes ao primeiro, se diferenciam pelo primeiro ser uma cidade construída na alvenaria e o segundo em madeira e palafitas características. Se compararmos com Muaná, há pessoas mais altas em Santa Cruz e Jenipapo, sendo que o campeão de pesos pesados muito conhecido sai dessa região. Famílias abastadas são a dos fazendeiros da região, compondo um coronelismo marajoara.
Entre os populares e lutadores marajoaras e suas famílias, me senti muito acolhido, bem alimentado e aceito no convívio. O sotaque marajoara se diferencia ligeiramente do da capital Belém. A carne de búfalo, o queijo de búfalo, o leite de búfala, o açaí, a maniçoba, o peixe são saboros e frescos. As pessoas são simples, muitas desempregadas, sobrevivendo de bicos, pois o Índice de Desenvolvimento Humano da região é um dos mais baixos do Brasil.
Entretanto, o que aprendo com essas expedições de estudo e pesquisa? Aprendo que o Brasil é muitos, é Brasis, que as realidades geográficas são particulares e suas ocupações humanas se deram com muitos conflitos e extermínios e retomadas. Que as pessoas muito humildes materialmente possuem uma sabedoria local, que lhes serve ao saber viver na região, na riqueza da cheia e na escassez da seca dos rios, igarapés e lagos. Que a sensibilidade ao outro que vem da cidade grande é superior à dessensibilização do primeiro, com os quais devemos aprender muito. Agradeço muito ao povo de Santa Cruz do Arari, de Jenipapo e de Muaná pelo acolhimento.
Uma resposta
Parabens Fabio. Pelo Megulho na Cultura Marajoara.