Aquelas que quiserem desenvolver a consciência perseguem tudo que fica por trás do que é facilmente observável: o gorjeio invisível, a janela suja, a porta que range, uma fresta de luz por baixo da soleira. Elas perseguem esses mistérios até que a substância da questão lhes seja revelada.
Reler Clarissa Pinkola é como reler Clarice. São textos que necessitam de algum tempo e alguma quantidade de danos à alma para fazer sentido. Porém, essa releitura se torna necessária na atual conjuntura. A mulher selvagem que vive dentro de todas nós, cuja capacidade intuitiva é do tamanho de nossa ancestralidade, vez ou outra sussurra em nossos ouvidos. Então, se já estamos presas ao próprio corpo e a suas idiossincrasias, aos padrões e aos julgamentos, por que não ouvir os conselhos de liberdade dessa voz tão próxima?
Desconfio que o redescobrimento do livro Mulheres Que Correm com os Lobos nos últimos anos, revela o desejo de uma mulher moderna tentando recuperar traços de selvageria e, porque não, decolonialidade. Algo que abra ao menos uma pequena fenda no cativeiro, para jogarmos luz sobre nós mesmas e sobre tudo que teríamos criado se fôssemos livres desde sempre: músicas, livros, espiritualidade, amizades, revoluções.
Que a leitura é ferramenta de empoderamento, disso todos sabemos. Mas esse livro, em específico, é essencial para libertar nossa alma feminina da culpa, ligar nossos sistemas de alarmes e para aprendermos a nos defender dos sugadores de nossa psique.
Nossa ingenuidade e submissão feminina, aquela que nos ensinaram pelos contos de fada e outros mitos, não nos deixam compreender o que está oculto. É por isso que, “à semelhança dos filhotes de lobo, muitas mulheres precisam de uma iniciação que lhes revele que os mundos interiores, assim como os exteriores, não são sempre locais propícios”. Não dar atenção às mães lobas é se convencer de que “a barba dele nem é tão azul assim”.
Já aquelas mulheres livres que compreenderam suas mães e avós costumam incomodar o mundo moderno que civilizou a mulher selvagem. Este mundo que nos obrigou a calar nossas emoções para não sermos abandonadas. A abafar a própria intuição e anular a nós mesmas em detrimento dos outros e do que vão pensar.
É possível que o isolamento e o excesso de domesticação acompanhada da tradicional exigência de silêncio tenham resgatado o desejo íntimo de desobediência e libertação que o livro de Clarissa Pinkola desperta. Então, corramos juntas, mesmo que apenas na imaginação. Imaginar um mundo melhor também é revolução.