Dentro de cada um
deve sorrir um demônio
à procura de espelhos
Desde que o mundo é mundo, os deuses e divas das artes e das ciências oferecem a homens e mulheres comuns o poder de transformar tudo o que existe em seu entorno, inclusive a si próprio, em algo que sirva para o bem coletivo.
Dessa forma, cientistas deixam o mundo mais prático e ágil, fazendo com que aquilo que era apenas um desejo distante se transforme em uma necessidade imediata. Mesmo que os seres humanos não tenham, pelo menos por enquanto, conseguido encontrar a tão sonhada fórmula que acabe com todos os problemas do mundo e que seja capaz de transformar as matérias mais comuns em pedras raras e preciosas, algumas pessoas já têm o dom de transformar ideias, palavras e silêncios em peças que emanam a magia da inexplicável perfeição.
Os artistas, cada um a seu modo, conseguem irradiar uma aura de mistério em cada trabalho que produzem, sejam esculturas, pinturas, música, dança, prosa, poesia, etc, etc, etc. Não são raros os casos em que os artistas alteram as rotas do esperado e oferecem a cada pessoa uma oportunidade de ver o mundo (ou parte dele) de um modo diferente.
E é isso que há mais de duas décadas vem fazendo o cidadão Fábio Henrique Gomes Brito, que, aceitou dividir seus espaços, glórias e infortúnios com o poeta Bioque Mesito, seu alter ego artístico-literário.
Participante de inúmeras antologias física e virtuais e considerado um dos importantes nomes da poesia brasileira contemporânea, Bioque Mesito já publicou os seguintes livros: A inconstante órbita dos extemos (2001, com nova edição em 2021), A anticópia dos placebos existenciais (2008), A desordem das coisas naturais (2018), Odisseia do nada registrado (2020) e Uma estranha maneira de se comparar amanhãs (a ser lançado em 2022).
Em sua obra, Bioque Mesito sempre optou por sair do convencional, investir nas formas livres e traduzir o inusitado em forma de poemas que levem o leitor a mergulhar nas múltiplas possibilidades de interpretação de suas alquimias poéticas. Dessa forma, as já gastas e puídas definições de amor podem reaparecer em versos como:
o amor é cadeado antigo
no fundo de uma privada
da mesma forma, fugindo às convenções impostas pela insistência na metalinguagem (que é um dos temas recorrentes na obra de Mesito), o poeta optou por conceituar/definir a poesia de um modo um pouco diferente, mas igualmente inventivo. Ele defende a ideia de que a poesia é multifacetada e que se apresenta de modos diferenciados, conforme pode ser visto no poema a seguir.
Poesia
uma insatisfação
pausa que pulsa por detrás
do mundo lâmina de alta pressão
contraventora de palavras
fuga da minha imaginação
destino que me alucina
rupestre inscrição
incêndio controlado
em minhas mãos
Na alquimia poética de Bioque Mesito há espaço para temáticas das mais variadas naturezas, indo desde uma crítica social eivada de ironias até uma bem elaborada carga de erotismo (que às vezes pode ser confundida com pornografia por quem não aprecie essa temática), passando por pinceladas autobiográficas e diversos momentos em que é clara a abordagem filosófica imiscuída nos versos, pequenos cromos poéticos no qual o cotidiano é rascunhado de modo quase impressionista, experimentações com a forma e a linguagem e uma forte tendência a questionar os vazios existenciais e as fissuras sociais que servem como baliza e limite para a busca de um eu que nem sempre se mostra.
Bioque Mesito é um alquimista da linguagem e da forma. Ele não conhece a fórmula mágica que transforma tudo em ouro, mas é um profundo conhecedor da magia de transformar palavras em arte. Seus poemas geralmente vão além do eco oco das rimas e trazem para o leitor a sensação de estranheza em um primeiro momento. Sensação essa que logo pode ser transformada em uma explosão de contentamento e de admiração por seu esmerado trabalho com a linguagem.