Nos dias em que vivemos aqui na Europa, em plena quarta onda da pandemia do Coronga, fica até difícil falar de coisas amenas, mas vou tentar. Afinal de contas, essa coluna existe para isso: é um espaço para respirar e ajudar a suportar a dureza dos dias.
Daí que hoje trago a vocês a história de um cavaleiro chamado Hans von Trotha. Essa criatura de fato existiu e morreu no ano de 1503, três anos após Pedro Álvares Cabral ter chegado à costa brasileira e dado a Portugal a posse de uma terra que nunca foi dele.
Sim, mas voltemos a Hans. “Mas quem é esse Hans?”, como perguntaria o fofíssimo Olaf, de Frozen, a moça que se liberta cantando “Let it go” ou “Livre estou”, como foi traduzida para o português do Brasil.
Quarto filho de um arcebispo, Hans von Trotha logo ingressou no exército do príncipe que mandava na região europeia conhecida como Palatinado. É que naquela época, só os filhos mais velhos podiam herdar qualquer coisa da família, os demais tinham que fazer a vida e acabavam, quase sempre, indo parar no exército. Pois os serviços de Hans agradaram tanto ao príncipe que esse, agradecido, lhe concedeu a posse de dois castelos: o Berwartstein e o Grafendahn, os castelos e tudo o que estivesse a seu redor, incluindo as pessoas que viviam naquelas terras.
Antes de pertencer a von Trotha, os castelos eram parte do patrimônio da igreja católica. A transferência dos bens gerou uma briga de anos e anos e envolveu até o papa, e teve terríveis consequências para as pessoas que viviam num lugar que hoje se chama Wissembourg e pertence à França. Isso porque, para fazer pirraça com o bispo, Hans mandou construir uma represa ao pé de uma montanha que impedia a água de chegar a Wissembourg.
De tanto reclamarem por conta da falta de água, um dia o cavaleiro disse: “Vocês querem água? Então tomem!” e mandou destruir a represa, criando uma inundação sem precedentes que causou enorme prejuízo às pessoas que viviam no lugar. Por conta disso – e de outras coisas mais – ele foi excomungado, mas hoje tem o seu corpo enterradinho numa igrejinha perto do castelo de Berwartstein, na Alemanha. Ai, como é injusta a vida com os poderosos, não? E as pessoas que perderam tudo, inclusive a vida no meio da briga entre o cavaleiro e a igreja, dessas a história nada conta, como sempre aliás.
Por conta de sua figura assustadora, Hans von Trotha virou – no imaginário popular – Hans Trapp, Hans Trott ou Hans Drot, e é um tipo de Homem do Saco que os adultos utilizam para assustar as crianças com ameaças do tipo: “Se você não se comportar vou chamar o Hans Trapp!”. Tem até uma versão do Papão que “come criancinhas”, literalmente. Será que as crianças de hoje em dia ainda se assustam com isso? As de hoje eu não sei, mas as de antigamente, ouvi dizer que sim, que até tremiam ao ouvir o nome do famigerado cavaleiro.
O castelo Berwartstein ainda existe e virou atração turística, como podem ver na “fotinha” que ilustra este “textículo”. Quem não tem alergia a mofo pode visitar as dependências do castelo e ver como vivia o cavaleiro em seus dias de glória. A depender da época do ano, se pode até tomar uma cervejinha ao ar livre, no pátio de entrada, e ouvir histórias contadas pelos próprios fantasmas que habitam o lugar – há mais de trezentos anos!